Aos Fatos: as sutilezas do combate à desinformação
- ReconfiguraƧƵes JornalĆsticas
- 10 de dez. de 2020
- 46 min de leitura
Atualizado: 13 de jun. de 2021
Daniel Magalhães e Luisa Bertola
Dezembro de 2020
Nesta entrevista, a jornalista Tai Nalon conta quais foram suas motivaƧƵes para criar, em 2015, junto com RĆ“mulo Collopy, o portal de checagem Aos Fatos e como o trabalho vem se desenvolvendo desde entĆ£o. O veĆculo completou meia dĆ©cada, este ano, em crescimento e com a estreia do projeto Radar, que atualmente ocupa boa parte de sua equipe de 18 profissionais. O lanƧamento estava previsto para as eleiƧƵes municipais, no segundo semestre, mas foi antecipado devido Ć grande quantidade de pedidos de checagem sobre o novo coronavĆrus que o site comeƧou a receber em marƧo, no inĆcio da pandemia no Brasil. Naquele mĆŖs, no nĆŗmero do Aos Fatos no WhatsApp, a demanda por checagens aumentou sete vezes, tornando impossĆvel a leitura de todas as mensagens num Ćŗnico dia. Assim, a agĆŖncia pĆ“s para funcionar o Radar, com uma sĆ©rie de protocolos especĆficos para diferentes redes sociais, a partir dos quais a tecnologia consegue detectar Ćndices da āinformação de baixa qualidadeā, conceito criado para lidar com a poluição informacional nas redes.
Afinal, como diz Tai Nailon nesta entrevista concedida em 22 de outubro de 2020 (pelo aplicativo Zoom), um dos desafios do combate Ć desinformação Ć© que ānem tudo Ć© verificĆ”velā. Por isso, o conceito de āinformação de baixa qualidadeā busca se aproximar dos espaƧos onde possivelmente circula a desinformação. O uso de expressƵes como āvĆrus chinĆŖsā, āvachinaā ou āfraudemiaā, quando detectadas pelos sistemas tecnológicos de monitoramento criados pelo Aos Fatos, sĆ£o alguns dos indĆcios de se trata de peƧas desinformativas. O projeto resulta do amadurecimento do trabalho da agĆŖncia nos Ćŗltimos anos, marcados por momentos-chave, como o assassinato da vereadora Marielle Franco, em 14 de marƧo de 2018, e as eleiƧƵes presidenciais daquele ano.
TrĆŖs dias depois da morte de Marielle, um sĆ”bado de manhĆ£, Tai lembra que recebeu um telefonema bem cedo do jornalista Fernando Rodrigues, do veĆculo Poder 360 (outro nativo digital jornalĆstico), perguntando se o portal estava checando informaƧƵes sobre a vereadora que circulavam nas redes. Ele gostaria de publicĆ”-las. Foi assim que Tai e sua chefe de reportagem, Ana Rita Cunha, comeƧaram a trabalhar e tiveram de lidar com uma intricada rede de informaƧƵes falsas sobre Marielle, entre as quais uma foto em que, segundo os comentĆ”rios, era ela quem aparecia, muito jovem, no colo do traficante Marcinho VP. A checagem publicada pelo Aos Fatos, negando essas informaƧƵes, āviralizouā nas redes e, no fim da manhĆ£, as curvas ascendentes de mensagens falsas comeƧaram a ser revertidas nas mĆdias sociais. O site do Aos Fatos chegou a ter mais de um milhĆ£o de acessos somente naquele fim de semana e saiu do ar. āEntĆ£o, a primeira lição foi: tenha um site que suporte grandes picos de audiĆŖnciaā, conta Tai. O caso se tornou um case, pois Ć© muito raro, afirma a jornalista, uma checagem conseguir parar uma campanha de desinformação polĆtica no momento em que esta acontece. Assim, outra lição foi que Ć© muito importante conseguir realizar checagens na hora em que as informaƧƵes falsas āestĆ£o saindo do controle, ou seja, tomando proporƧƵes muito grandes nas redes sociaisā.
āMas Ć© lógico - destaca Tai ainda sobre o trabalho no caso Marielle - que isso nĆ£o foi consequĆŖncia da checagem só, entendeu? Isso foi consequĆŖncia de algo que Ć© necessĆ”rio fazer para que seja possĆvel a verdade factual prevalecer contra as mentiras que a gente vĆŖ na internet, que Ć© uma mobilização geral da sociedade de compartilhar ativamente checagem de fatos e contraditar pessoas que estejam compartilhando determinado conteĆŗdoā. Esse tipo de engajamento Ć© necessĆ”rio, pois a mesma desinformação costuma circular por diferentes ambientes. āAs pessoas nĆ£o caem em fake news, elas estĆ£o rodeadas de desinformação o tempo inteiro porque a desinformação Ć© uma maneira de as pessoas, como posso dizer, compartilharem valores juntas, Ć© um compartilhamento de afinidades, e o que as redes sociais fazem Ć© justamente aproximar pessoas que tĆŖm afinidades, entĆ£o elas acabam compartilhando tambĆ©m desinformaƧƵes por terem graus de afinidadeā.
O projeto Radar tambĆ©m estĆ” atento a essa viagem da desinformação pelas redes. āAs narrativas [de desinformação] sĆ£o muito parecidas, só mudam o formato, a mĆdia, mas o problema Ć© endĆŖmico em todas as plataformas, nĆ£o adianta combater a desinformação no WhatsApp porque ela vai estar em outra plataforma tambĆ©mā, diz Tai. Algo que ficou muito evidente para ela com o projeto Radar foi ver que hĆ” grande quantidade de desinformação no Youtube sem checagem. āĆ um negócio assustador e existe muito pouco conteĆŗdo jornalĆstico verificado, bem feito no Youtube para contraditarā.
Assim como muitos pesquisadores na Ć”rea, a jornalista tem restriƧƵes ao termo āfake newsā porque ānotĆcia falsaā Ć© somente um dos aspectos da desinformação - alĆ©m de ter sido uma expressĆ£o politicamente disputada, como fez Donald Trump nos EUA, derrotado agora para a reeleição presidencial, que a usava para atacar o que nĆ£o era de seu agrado. AlĆ©m disso, memes, imagens, vĆdeos etc nĆ£o necessariamente sĆ£o notĆcias falsas, mas desinformação. Na entrevista ao ReconfiguraƧƵes JornalĆsticas, ainda, a jornalista analisa as limitaƧƵes do mĆ©todo de checagem que utiliza selos para qualificar as informaƧƵes - como āverdadeiroā, āfalso, āexageradoā etc. Essa metodologia foi predominante nos primeiros anos do trabalho das agĆŖncias de checagem.
Atualmente, Tai conta que a principal fonte de renda da agĆŖncia vem de serviƧos de consultoria que prestam para empresas que precisam entender o fenĆ“meno da desinformação, e como esta afeta suas plataformas. āAgora, se elas tĆ£o preocupadas com isso por motivos legĆtimos ou ilegĆtimos, isso Ć© discutĆvelā, afirma. Em todo caso, mesmo que nĆ£o seja por motivos polĆticos, a desinformação parece nĆ£o dar trĆ©gua: āTem plataforma que nĆ£o pode se dar ao luxo de ter só conteĆŗdo desinformativo (...)⦠Imagina o Google ser um grande buscador de conteĆŗdo fraudulento? NĆ£o serve pra nada, entendeu?ā.
Transcrição da entrevista com Tai Nalon, do Aos Fatos
Realizada por Daniel MagalhĆ£es e LuĆsa Bertola
Revisão da transcrição e minutagem: Marlos Mendes e Rachel Bertol
Data de realização da entrevista: 22 de outubro de 2020
Clique aqui para acessar à transcrição da entrevista em versão PDF.
0:11 LuĆsa: Primeiro eu queria te pedir pra vocĆŖ contar seu nome completo, onde vocĆŖ nasceu, onde vocĆŖ vive e o que te levou a fazer jornalismo.
0:21 Tai: Meu nome Ć© Tainan Nalon Xavier, mas eu adoto Tai Nalon por motivos profissionais porque Tainan Ć© muito difĆcil as pessoas acertarem. TainĆ”, Thaiana, Thiana... enfim, jĆ” ouvi de todas as formas possĆveis o meu nome, entĆ£o de certa maneira eu adotei Tai porque era um apelido que as pessoas jĆ” me chamavam e ficou. Eu sou jornalista e sou formada pela Uerj, eu me formei em⦠no fim de 2007, inĆcio de 2008. E sou do Rio de Janeiro, mas jĆ” morei em outros lugares. JĆ” morei em SĆ£o Paulo durante um tempo, por motivos profissionais tambĆ©m. Eu trabalhei na Folha de S. Paulo durante muito tempo. EntĆ£o trabalhei na Folha de S. Paulo na sucursal do Rio, quando existia a sucursal do Rio da Folha de S. Paulo, trabalhei. Logo depois, seis meses depois, eu fui pra SĆ£o Paulo, pra sede. Eu era repórter de cidade, administração pĆŗblica, sobretudo. E nas eleiƧƵes de 2010 fui transferida para a editoria de polĆtica pra cobrir as eleiƧƵes de entĆ£o e nunca mais sai da Ć”rea de polĆtica. Eu fui para BrasĆlia, nĆ£o pela Folha, eu acabei mudando de emprego. Eu fui pelo G1 para BrasĆlia, mas logo depois retornei pra Folha. EntĆ£o, eu diria que assim, o G1 foi super importante por causa dessa mudanƧa minha pra BrasĆlia e ir para BrasĆlia foi super importante para minha carreira, mas a minha escola de jornalismo, digamos assim, de grande redação Ć© definitivamente a Folha, em seus vĆ”rios lugares por onde eu passei.
2:21 LuĆsa: Como vocĆŖ falou, vocĆŖ Ć© formada pela Uerj, nĆ©, e assim, vocĆŖ, hoje em dia, vocĆŖ ainda traz alguma coisa dessa formação apesar de todas essas transformaƧƵes radicais do jornalismo?
2:34 Tai: Olha, sim. Porque eu tive... um dos meus primeiros contatos... Quando eu escolhi fazer jornalismo, assim como, sei lĆ”, muitos jovens iludidos, escolhem porque gostam de escrever. E acham que Ć© a melhor maneira de vocĆŖ conseguir é⦠escrever e fazer disso uma profissĆ£o, nĆ©? Porque nĆ£o existe profissĆ£o escritor no Brasil, assim, vocĆŖ nĆ£o vive só disso, entĆ£o de certa forma Ć© algo que talvez case convenientemente e te coloque numa posição em que vocĆŖ vai conhecer publishers, e vocĆŖ vai conhecer editores e pessoas influentes que podem eventualmente te ajudar ao longo do caminho. Mas eu nunca escrevi um livro, por exemplo. EntĆ£o assim, o escrever para mim acabou virando algo secundĆ”rio sobretudo depois de eu ter aberto o Aos Fatos. Mas essa necessidade de criar, na verdade, foi algo que eu encontrei, eu jĆ” tinha antes e eu encontrei na Uerj porque eu consegui casar isso com os conhecimentos de CiĆŖncia PolĆtica e CiĆŖncias Sociais que certas disciplinas me deram. Eu tive professores muito bons na Ć”rea de Comunicação e Cultura, na Ć”rea de polĆtica e na Ć”rea de novas tecnologias. Na Ć©poca que eu fiz graduação discutia-se muitos sobre a ascensĆ£o dos blogs, e sobretudo dos blogs polĆticos e os blogs progressistas que eram muito importantes na comunicação do lulismo, quando o Lula era presidente. Eu me formei, minha graduação era na Ć©poca do governo Lula. EntĆ£o, essas discussƵes eram travadas e eram muito importantes pra gente entender como se dava a comunicação polĆtica e o que seria o futuro do jornalismo. Assim, no fim das contas, o futuro do jornalismo nĆ£o se traduziu em blogs, certo? NĆ£o foi... houve um perĆodo de ascensĆ£o e houve um perĆodo de declĆnio. Mas o que a gente viu, posteriormente, seja por consequĆŖncia disso ou porque as⦠enfim, a internet e as redes sociais propiciavam uma distribuição nova de notĆcias, as redes sociais.... Lembrando que na Ć©poca da faculdade, Facebook ainda nĆ£o existia como Ć©, Twitter nĆ£o existia ainda como Ć©. O Orkut existia, mas nĆ£o era eficiente na distribuição de conteĆŗdo - tanto assim, nesse nĆvel. EntĆ£o, na verdade, o que me parece Ć© que os blogs foram um primeiro experimento de como que indivĆduos, e naquela Ć©poca jornalistas que tinham algum renome e que jĆ” tinham alguma carreira podiam fazer jornalismo independentemente das redaƧƵes. E isso evoluiu pra outras coisas ao longo do tempo. Durante a dĆ©cada passada - dĆ©cada de 2010, por exemplo, a gente viu uma proliferação, aos poucos, de veĆculos independentes, alguns deles politicamente ligados a partidos e a determinadas agendas, mas outros nĆ£o. Outros independentes e veĆculos jornalĆsticos que de fato deram certo e que fazem parte hoje de um ecossistema bastante grande do jornalismo em si, nĆ©? Enfim, eu nĆ£o sei, eu nĆ£o sou acadĆŖmica para dizer e traƧar um paralelo, uma linha do tempo dizendo que tudo isso estĆ” dentro de um mesmo universo. O storytelling do jornalismo brasileiro, sobretudo, o novo jornalismo, o jornalismo independente ou a maneira que vocĆŖ queira dizer o jornalismo que Ć© praticado fora das redaƧƵes tradicionais, eu nĆ£o sei se tudo isso tem a ver uma coisa com a outra, mas jĆ” na Uerj, lĆ” em... 2005, 2006, jĆ” dava para discutir isso largamente, era um assunto que me interessava muito.
7:04 LuĆsa: VocĆŖ jĆ” trabalhou na Folha de S. Paulo, como vocĆŖ falou, e nas eleiƧƵes de 2010 vocĆŖ tambĆ©m participou de polĆtica, mas em 2014 a prĆ”tica de checagem ganhou muita importĆ¢ncia. VocĆŖ acha que essa foi assim, que esse foi o Ć”pice pra vocĆŖs criarem o Aos Fatos em 2015, mesmo que jĆ” tivesse essa ideia, esse projeto em mente, alguma coisa sobre checagem?
7:33 Tai: Na verdade nĆ£o, porque meu primeiro contato com a checagem de fatos foi em 2010 mesmo, na cobertura de eleiƧƵes, da Folha. Ć, a Folha.. Porque assim, a checagem como ela Ć© hoje, ela foi muito ⦠ela ganhou uma certa popularização quando o Washington Post, nos Estados Unidos, e o PolitiFact, nos Estados Unidos, comeƧaram a fazer checagem em função das eleiƧƵes de 2008 nos Estados Unidos. EntĆ£o, o Washington Post⦠se vocĆŖ pega a comunicação visual do projeto de checagem da Folha de S. Paulo e pega a comunicação visual do projeto do Washington Post de 2008, o projeto visual da Folha de 2010 Ć© muito semelhante ao do Washington Post. A Folha tinha um āPinoquinhoā, e aĆ, a cada, a medida que um determinado... uma personalidade polĆtica, um candidato dizia alguma coisa que tinha algum grau de falsidade, o nariz do āPinoquinhoā era maior ou menor, sabe? Tinha uma espĆ©cie de āmentirĆ“metroā, o nome do projeto na verdade era MentirĆ“metro. Eu era uma das pessoas, eu era redatora na Ć©poca e eu era uma das encarregadas a revisar essas artes, a revisar, a fazer o copy desk das matĆ©rias que iam dentro desse projeto. EntĆ£o, eu nĆ£o sabia que isso se chamava fact checking quando eu fazia, as pessoas nĆ£o chamavam isso, as pessoas chamavam isso de āah Ć© o projeto do MentirĆ“metro da Folhaā. E aĆ, só em 2014, na verdade foi atĆ© um pouco depois de 2014, foi mais ou menos em 2014, que eu fiquei sabendo que isso se chamava fact checking, tinha um nome para isso. E existia uma tĆ©cnica por trĆ”s disso porque o Chequiado, na Argentina, tinha usado esses instrumentos e era um veĆculo independente que fazia esse tipo de medição. Ć ... da qualidade do discurso pĆŗblico dos polĆticos. 2014 tambĆ©m foi um ano que teve muita experiĆŖncia de checagem, tambĆ©m aqui no Brasil, nĆ©, com a AgĆŖncia PĆŗblica e o O Globo, mas na verdade, o que eles fizeram foi aperfeiƧoar o mĆ©todo que jĆ” estava aĆ, que jĆ” estava sendo usado por outros veĆculos, mas nĆ£o com o nome fact checking.
10:10 Tai (continuação da resposta anterior): O Aos Fatos, ele surgiu posteriormente a 2014. O Aos Fatos Ć© de 2015. Dentro da necessidade de verificar declaraƧƵes quando os polĆticos nĆ£o estavam em campanha eleitoral. Porque praticamente todos os projetos de fact checking brasileiros que existiram atĆ© entĆ£o, cuja premissa era verificar a veracidade das declaraƧƵes dos polĆticos, eles eram atrelados Ć s eleiƧƵes. E nĆ£o sei se vocĆŖs se lembram, mas em 2015 a gente estava numa mega crise polĆtica dentro do governo Dilma. A Dilma tinha acabado de ser reeleita, mas jĆ” existia uma sĆ©rie de questionamentos na justiƧa a respeito da legitimidade da eleição dela. Existia uma guerra explĆcita entre a PresidĆŖncia da CĆ¢mara e a PresidĆŖncia da RepĆŗblica. EntĆ£o, Ć©... a Dilma fazia aqueles pronunciamentos dos panelaƧos, Ć©.. o Eduardo Cunha fazia pronunciamentos. O Eduardo Cunha, que entĆ£o presidente da CĆ¢mara, fazia pronunciamentos para promover a sua própria agenda e atacar o governo e nĆ£o tinha ninguĆ©m fazendo checagem nesse momento tĆ£o crucial para o Brasil. EntĆ£o, o Aos Fatos nĆ£o surgiu do nada, evidentemente, a gente teve seis meses de planejamento. Mas, assim, a gente⦠a gente lanƧou a nossa empreitada bem no meio dessa crise. EntĆ£o a gente teve um respaldo pĆŗblico - do pĆŗblico - muito grande justamente porque existe uma demanda para entender e saber quem tava falando a verdade e quem nĆ£o tava, se todos estavam falando a verdade ou nĆ£o. E⦠e foi isso.
12:07 LuĆsa: VocĆŖ falou atĆ© em demanda de checagem, no dia 31 de marƧo agora desse ano vocĆŖs enviaram uma newsletter falando que a demanda por checagem de informaƧƵes cresceu muito por causa da pandemia. VocĆŖ pode contar pra gente como Ć© que chegam essas demandas pra vocĆŖs e como funciona essa rotina, assim, dos Aos Fatos pra checar?
12:32 Tai: O Aos Fatos mantĆ©m canais de contato com o pĆŗblico Ć©.. por Whatsapp, pelas redes sociais tambĆ©m. A gente faz um crowdsourcing atravĆ©s de outras ferramentas, tipo Crowdtangle. A gente agora construiu uma ferramenta própria de monitoramento, que Ć© o Radar Aos Fatos, mas em marƧo nĆ£o existia ainda. Ć⦠entĆ£o, na real, o que a gente viu, foi atravĆ©s do nosso canal no WhatsApp, Ć©... Ele quase entrou em colapso, na verdade, assim. A gente tem um canal de Whatsapp, a gente tem dois canais de WhatsApp, a gente tem a FĆ”tima checadora, que Ć© o robĆ“ que ajuda vocĆŖ a procurar checagens dentro do sistema dela, checagens que jĆ” estĆ£o prontas e caso nĆ£o estejam prontas, que nĆ£o existam, o recado Ć© enviado para nossa redação pra gente saber que existe algum pedido relacionado Ć quele tema em especĆfico pra gente melhorar o nosso monitoramento com relação aquilo. E a gente tem o canal de WhatsApp manual, digamos assim, que Ć© o que a gente mantĆ©m a nossa lista de transmissĆ£o e Ć© por onde as pessoas tambĆ©m enviam sugestƵes de checagem. Eles mandam as suas correntes de WhatsApp, as imagens, vĆdeos, enfim, pra gente checar. E naquela Ć©poca, eu nĆ£o vou conseguir me lembrar de nĆŗmeros exatamente, mas eu lembro que aumentou talvez, umas sete vezes a demanda por checagem dentro dessa ferramenta do WhatsApp, dentro do nosso WhatsApp āmanualā. EntĆ£o tinha dias que quem era responsĆ”vel por fazer a⦠essa filtragem e jogar pra a pauta, e jogar pra a equipe editorial e pra a equipe editorial investigar e ver se aquilo era relevante o suficiente para a gente fazer a checagem. Porque tambĆ©m tem isso, tem coisas que circulam apenas dentro de bolhas entĆ£o a gente precisa encontrar, de certa forma, uma fórmula perfeita para fazer uma checagem de conteĆŗdo sem estar promovendo aquele conteĆŗdo que Ć s vezes pode estar só restrito a alguma bolha. EntĆ£o, nessa Ć©poca, o nosso WhatsApp praticamente entrou em colapso porque recebia muitas mensagens, muito mais mensagem do que a gente era capaz de ler em um dia, por exemplo. E⦠os acessos ao site aumentaram vertiginosamente. A gente tem uma boa interação com as pessoas no Twitter, por exemplo, e as pessoas no Twitter nos mandavam DMās pedindo para a gente verificar coisas. Pessoas no Instagram mandavam pra gente, marcavam a gente, pra gente verificar determinadas coisas. Era algo assim... 2018 foi uma eleição difĆcil e de uma proliferação muito grande de desinformação, mas é⦠Me parece que como a desinformação era uma questĆ£o mais de um lado do espectro polĆtico era uma coisa mais controlĆ”vel, ou previsĆvel, ou mais repetitiva, nĆ£o sei dizer exatamente o que Ć©. Durante a pandemia era algo que afetava rigorosamente todas as pessoas, independentemente de ideologias e... enfim, inclinaƧƵes polĆticas e preferĆŖncias polĆticas. Por isso que no inĆcio me pareceu muito, muito difĆcil conseguir conduzir essa cobertura atendendo a torrente de mensagens que a gente recebia pra verificar e muitas delas de difĆcil verificação, porque afinal de contas, o coronavĆrus, naquela Ć©poca - e ainda Ć©, mas naquela Ć©poca especialmente era algo absolutamente desconhecido da comunidade cientĆfica, entĆ£o a gente nĆ£o tinha nem dados substanciais que atestassem determinadas teses que circulavam. A gente nĆ£o tinha como dizer se determinado medicamento era eficaz ou nĆ£o porque os estudos ainda nĆ£o tinham saĆdo. A gente tinha como dizer algumas coisas bĆ”sicas, do tipo āNĆ£o, um chĆ” com alho e Ć”gua quente nĆ£o vai melhorar vocĆŖ do coronavĆrusā, entendeu? Mas, eram outras, eram coisas das mais absurdas Ć s mais... e Ć© isso, assim, Ć© um pouco tambĆ©m de vocĆŖ lidar com crendices populares, com conceitos... O brasileiro se automedica muito, o atendimento de saĆŗde do brasileiro Ć© muito precĆ”rio, entĆ£o a gente tem tradiƧƵes de ācurasā domĆ©sticas muito fortes, entĆ£o, vocĆŖ dizer pras pessoas que se vocĆŖ tomar um remĆ©dio antigripal ele nĆ£o Ć© um remĆ©dio que estĆ” te curando da gripe, ele só tĆ” amenizando os sintomas, nĆ©? EntĆ£o, vocĆŖ entrar nesse tipo de... detalhamento sobre como explicar o que estĆ” acontecendo, uma crise sem precedente - uma pandemia, enfim. Como tornar isso mais palatĆ”vel pra um leitor, que muitas vezes⦠tem baixa, tem baixa... Ć© pouco, Ć© pouco instruĆdo? E mesmo os muito instruĆdos, porque tem muitos muito instruĆdos que caem tambĆ©m, enfim. Ć muito difĆcil, Ć© um desafio muito grande e... eu diria que a gente fez o mĆ”ximo que a gente pode, e continua fazendo porque, enfim, os estragos continuam acontecendo. A gente passou essa semana inteira discutindo sobre se vacina Ć© obrigatória ou nĆ£o, se deve ser obrigatória ou nĆ£o, e tipo, se se vacinar Ć© seguro. EntĆ£o, assim, nós retrocedemos muita, muito, muita coisa durante muito tempo com relação Ć desinformação por conta da pandemia tambĆ©m. A gente parece que estĆ” discutindo coisas muito óbvias. E Ć© curioso porque explicar coisas óbvias Ć© difĆcil, porque elas sĆ£o óbvias. Ć meio que assim: āO cĆ©u Ć© azulā e a pessoa diz que Ć© verde. E aĆ vocĆŖ tem que dizer que o cĆ©u Ć© azul? Por que o cĆ©u Ć© azul? Porque sempre foi azul⦠E aĆ vocĆŖ entra assim: porque existe uma configuração de gases que deixa o cĆ©u azul e aĆ a pessoa fala āCara, isso nĆ£o me diz nada, nĆ£o faz parte do meu repertório de vidaā. Enfim, Ć© muito difĆcil, Ć© muito difĆcil. E Ć© ciĆŖncia, nĆ©? Ć processo cientĆfico, os fatos nĆ£o obedecem o tempo das coisas e... Ć© uma luta, Ć© muito difĆcil.
19:50 LuĆsa: VocĆŖs tambĆ©m falam muito sobre eleiƧƵes assim⦠vocĆŖs tem um carro forte lĆ” e no caso dos recentes debates pra prefeito, tanto no Rio quanto em SĆ£o Paulo, vocĆŖs realizam checagens em tempo real e isso demanda uma equipe grande de profissional, assim. Por que realizar esse tipo de checagem e como Ć© esse trabalho?
20:13 Tai: Esse trabalho, Ć© acho que Ć© um dos trabalhos mais difĆceis que a equipe do Aos Fatos faz atĆ© hoje. Eu acho, eu particularmente nĆ£o gosto muito dessa atividade, assim, do tipo pra eu fazer. Do tipo, eu acho, eu tĆ“ fazendo minha terceira cobertura eleitoral no Aos Fatos, fazendo em tempo real, lógico que eu cobri outras eleiƧƵes, mas nĆ£o pelo Aos Fatos. E Ć© um desafio muito grande porque... Ć© muita informação sendo checada, reconferida, empacotada, editada num curto perĆodo de tempo e exige um planejamento muito grande. E⦠a repercussĆ£o nas redes geralmente Ć© muito grande. Porque as pessoas veem os debates e usam o Twitter - sobretudo, como segunda tela, entĆ£o elas esperam que a gente faƧa jĆ”, jĆ” criou-se uma tradição para que a gente faƧa a cobertura em tempo real de debate. Ć... e Ć© um momento de extrema polarização circunstancial nas redes. As pessoas elas sentem prazer, ódio, Ć©...sentem alegria, elas estĆ£o muito agressivas por causa das suas agendas e porque seus candidatos estĆ£o defendendo determinadas agendas, entĆ£o Ć© um momento em que a gente Ć© xingado de todas as coisas possĆveis e imaginĆ”veis por todos os espectros polĆticos. Ć extremamente desgastante por causa disso porque⦠E a gente nĆ£o pode errar, nĆ©. A gente precisa fazer um esforƧo muito grande pra nĆ£o errar num curto perĆodo de tempo fazendo essas coberturas, entĆ£o, Ć© muito desafiador por causa disso. E⦠e como a checagem em tempo real Ć© um pouco mais simples, no sentido de que a gente tem que empacotar determinadas declaraƧƵes e explicar porque que aquilo Ć© falso ou exagerado ou impreciso - ou mesmo verdadeiro e a gente tem que explicar porque Ć©, Ć s vezes as explicaƧƵes elas, elas demandam mais contexto e demandam mais profundidade, mas aquele formato especĆfico nĆ£o permite. A gente nĆ£o consegue fazer isso enquanto existe um debate acontecendo, nĆ©? EntĆ£o, eu acho, super Ć© um grande desafio pra gente fazer, mas ao mesmo tempo Ć© super importante em termos de documentação, Ć© sempre um sucesso nas redes, Ć© sempre um sucesso de engajamento. As pessoas usam nossas checagens pra mostrar quem se deu bem e quem nĆ£o se deu bem nos debates. NĆ£o que quem falou mais mentira ou nĆ£o porque, enfim, a gente deveria checar rigorosamente todas as declaraƧƵes de todo mundo e a gente nĆ£o faz isso. Mas é⦠o que de mais relevante aconteceu ou quem Ć© o candidato que parece estar mais bem ābriefadoā sobre determinados temas. E isso Ć© super importante porque tem candidatos que vĆ£o para debates pra vender ilusƵes e dizer que certas coisas sĆ£o de um modo que efetivamente nĆ£o sĆ£o e que nĆ£o tĆŖm nenhum compromisso com os fatos. E por outro lado tem outros candidatos que se vendem como experts, como especialistas em determinados assuntos, e que mencionam nĆŗmeros e falam palavras difĆceis pra dar uma impressĆ£o de que eles sĆ£o justamente autoridades especialistas no assunto, mas na verdade eles estĆ£o falando uma grande bobagem. EntĆ£o, a gente tem que navegar entre tambĆ©m a retórica polĆtica diferente de cada candidato. E, Ć© óbvio, no caso das eleiƧƵes municipais desse ano e a gente estĆ” tendo bem poucos debates Ć©... e em 2018 a gente tambĆ©m teve poucos debates, sobretudo depois da facada, é⦠é muito, quanto mais candidato vocĆŖ tem, Ć© mais difĆcil vocĆŖ checar porque vocĆŖ precisa fazer um trabalho anterior de pesquisa sobre o que que esses candidatos andam dizendo, o que eles jĆ” disseram no passado, qual Ć© a especialidade deles. EntĆ£o, por exemplo, se vocĆŖ tem um que foi secretĆ”rio de saĆŗde de determinado municĆpio, buscar a vida pregressa e ver o que o candidato jĆ” fez, ou é⦠O que que Ć© ruim, o que Ć© bom? Quais sĆ£o os dados confiĆ”veis sobre determinadas questƵes que ele fala. Quando a gente, por exemplo, aqui no Rio, que a gente estĆ” fazendo cobertura sobre os candidatos, os dois principais candidatos Ć© o Crivella e o Paes e de certa maneira Ć© atĆ© mais fĆ”cil fazer esse tipo de monitoramento porque os dois tĆŖm legado, nĆ©? Bastante recentes ainda por cima, nĆ©? Um Ć© prefeito e outro foi o prefeito anterior, entĆ£o ambos tĆŖm bastante dados e a gente consegue trabalhar bem com relação a isso. Mas tem candidatos que nĆ£o tĆŖm um passado polĆtico no Executivo, por exemplo, que seja fĆ”cil de a gente pesquisar sobre coisas que aquele candidato em especĆfico quer falar. Ou tem candidatos que tĆ£o em cargos, mas ocultam dados sobre Ć© sua... sua atuação polĆtica, nĆ©? Enfim, basicamente quando a gente tem uma eleição com muitos candidatos a gente tem que fazer um background check de muitos candidatos e isso Ć© bastante difĆcil. O segundo turno costuma ser mais fĆ”cil justamente porque a gente jĆ” tem um histórico de declaraƧƵes ao longo do primeiro turno que os candidatos jĆ” deram. E porque, nĆ©, sĆ£o dois candidatos só, entĆ£o a gente consegue fazer um apanhado maior. Ao mesmo tempo Ć© mais difĆcil porque aĆ a rivalidade pega⦠EntĆ£o, assim, dependendo da eleição, quanto mais polarizada Ć© a eleição, quanto mais problemĆ”tica Ć© a eleição em termos de agressividade - ou mesmo uso de desinformação, mais difĆcil Ć© fazer a checagem em tempo real. Mas Ć© algo que, por mais que eu nĆ£o goste, em termos assim, me causa... Eu brinco que a vinheta da Band, ela me causa taquicardia, sabe? Só de ouvir a vinheta do debate da Band me causa taquicardia porque eu me sinto āMeu Deus do cĆ©u, Ć© um debateā (risos). Mas Ć© bastante recompensador, assim. Eu acho que o motivo principal da gente fazer checagem Ć© pra que nesses grandes acontecimentos, como debates entre candidatos, a gente tenha a possibilidade de mostrar em tempo real, ou quase real, se um deputado, (um deputado) se um candidato estĆ” falando a verdade ou nĆ£o.
27:24 LuĆsa: VocĆŖ concorda que o momento muito importante pra afirmação do Aos Fatos foi o trabalho que vocĆŖs realizaram de checagem de quando a Marielle - a Marielle Franco, morreu e comeƧaram a circular vĆ”rios boatos na rede social. VocĆŖ pode contar como foi esse processo de checagem, qual foi a repercussĆ£o pra vocĆŖs? VocĆŖs aprenderam alguma coisa com esse episódio?
27:50 Tai: A gente aprendeu muitas coisas com esse episódio e o primeiro deles foi ter um servidor mais robusto. Porque a quantidade de acessos a essa checagem foi tĆ£o grande. A gente teve⦠a gente teve mais de 1 milhĆ£o de acessos em um fim de semana só com essa checagem. Só essa checagem, nĆ£o Ć©, tipo, o site inteiro, foi só essa checagem. E derrubou o site (risos). EntĆ£o, a primeira lição Ć©: tenha um site que suporte grandes picos de audiĆŖncia. Mas Ć©, na verdade, essa checagem foi num sĆ”bado, nĆ©? Assim, a coisa comeƧou a escalar numa sexta-feira, com uma nota da MĆ“nica Bergamo, se eu nĆ£o me engano, que dizia que existia uma juĆza, uma desembargadora aqui no Rio de Janeiro, que tava postando barbaridades sobre a morte da Marielle nas redes sociais. E um deputado... é⦠viu isso, viu esse post e tambĆ©m reproduziu isso no Twitter. EntĆ£o na sexta-feira Ć noite tava crescendo no Twitter o engajamento nesse post desse deputado que tinha origem tambĆ©m na nota que foi dada pela MĆ“nica Bergamo que repercutia acriticamente, nĆ©, assim, apenas reproduzia aquilo que a desembargadora dizia, que ela⦠eu nĆ£o me lembro literalmente o que dizia, mas, nĆ©, dizia que ela era ligada ao trĆ”fico, que ela gostava de bandido, defendia bandido, etc e blĆ” blĆ” blĆ”. E aĆ, é⦠na⦠no sĆ”bado de manhĆ£, enfim, isso tudo sexta Ć noite e a gente acompanhando, tipo ācoisa estranha, e talā, isso tĆ” crescendo, esses ataques... mas ainda era algo um pouco minoritĆ”rio nas redes, entendeu? E aĆ, no sĆ”bado de manhĆ£, o Fernando Rodrigues, do Poder 360 me ligou perguntando se a gente tava fazendo a checagem da declaração desse deputado. Ć⦠que se a gente estivesse fazendo a checagem, se eu poderia mandar para ele, pra eles republicarem. E aĆ eu falei āNĆ£o tamos, mas vamos fazer, entĆ£oā, jĆ” que, nĆ©, enfim. E aĆ⦠isso era assim, tipo 7h da manhĆ£, 8h da manhĆ£ e a coisa tinha crescido ao longo da madrugada. E aĆ comecei a fazer, porque fui eu que⦠O Aos Fatos ele nĆ£o tem expediente nos fins de semana. A gente trabalha de segunda a sexta e trabalha ocasionalmente fins de semana quando Ć© necessĆ”rio. Nesse caso foi necessĆ”rio e eu recrutei a Ana Rita - que Ć© chefe de reportagem do Aos Fatos, para me ajudar a fazer porque eu jĆ” estava fazendo, mas eram vĆ”rias acusaƧƵes. Porque era o post da desembargadora citando algumas coisas, era o post do deputado e jĆ” tinha se criado uma sĆ©rie de outras fake news com relação Ć Marielle. Eu nĆ£o sei se vocĆŖ se lembra que passou a circular uma foto que atribuĆa ela sentada no colo do Marcinho VP. Mas nĆ£o era ela e nĆ£o era o Marcinho VP [Luisa: eu lembro, eu lembro dessa imagem] e isso estava fortemente nas redes. EntĆ£o a gente tinha que fazer vĆ”rias checagens de coisas diferentes que apontavam para o mesmo caso. E aĆ a gente fez e publicou. E aĆ a gente publicou tudo numa checagem só. Eu lembro atĆ© que o tĆtulo ficou enorme, era tipo āNĆ£o, Marielle nĆ£o Ć© vinculada ao trĆ”fico, nĆ£o casou com Marcinho VPā¦nĆ£o nĆ£o sei o que nĆ£o sei que lĆ”ā, era uma sĆ©rie de negativas sobre uma mesma coisa e essa checagem bombou. Na verdade o grande desafio dessa checagem, na Ć©poca, isso foi em marƧo de 2018, nĆ©, eu acho, se nĆ£o me engano, faz tanto tempo.. meu deus, nĆ©, pensando em era geológica de tudo que aconteceu depois... Essa checagem ela viralizou de tal forma que ela foi mencionada e reproduzida em vĆ”rios sites que nĆ£o estavam preparados para fazer esse tipo de checagem. Porque efetivamente eram muito poucos os sites que faziam checagens sobre essas coisas, que rodavam nas redes sociais. Que eram⦠nĆ©, que, assim⦠Lógico tinha, tem o E-Farsas, tem o Boatos, que sĆ£o sites que sĆ£o sensacionais que trabalham com hoax de internet hĆ” muito, muito tempo, mas com uma pegada polĆtica, com uma pegada de contexto polĆtico, só o Aos Fatos tava fazendo. EntĆ£o a gente conseguiu fazer isso e foi reproduzido em vĆ”rios lugares e⦠e foi muito⦠foi uma... O que Ć© engraƧado, assim, meio...a gente nĆ£o tinha noção do tamanho e da proporção que essa checagem ia tomar. E o que foi mais interessante pra gente e recompensador foi que essa checagem acho que, se nĆ£o me engano, Ć© o pessoal da DAPI - da FGV, que tem um grĆ”fico sobre isso, que Ć© o grĆ”fico de desempenho do hoax, a ascensĆ£o do hoax nas redes, particularmente no Twitter, eu acho que Ć© o grĆ”fico deles, aĆ mostra como cresceu o hoax e aĆ tem um corte temporal de quando foi feita a checagem, publicada a checagem, foi tipo, sei lĆ”, 11h da manhĆ£ do sĆ”bado. E aĆ logo depois tem um pequeno pico de distribuição e depois desmonta. E assim, basicamente o que aconteceu foi: a checagem ela impediu que houvesse uma proliferação ainda maior de desinformação sobre esse tema. EntĆ£o, assim, Ć© um dos poucos cases que tem atĆ© hoje de que uma checagem foi essencial e conseguiu parar uma campanha de desinformação sobre, enfim, uma campanha de desinformação polĆtica. Ć muito raro isso acontecer porque a maior parte das vezes as checagens nĆ£o tĆŖm esse poder. Mas Ć© lógico que isso nĆ£o foi consequĆŖncia da checagem só, entendeu? Isso foi consequĆŖncia de algo que Ć© necessĆ”rio fazer para que seja possĆvel... a verdade factual prevalecer contra as mentiras que a gente vĆŖ na internet, que Ć© uma mobilização geral da sociedade de compartilhar ativamente checagem de fatos e contraditar pessoas que estejam compartilhando determinado conteĆŗdo. Ć lógico que foi uma situação extrema, a gente estĆ” falando de um assassinato polĆtico, a gente estĆ” falando de uma situação que atĆ© hoje a gente nĆ£o tem conclusĆ£o sobre o que de fato aconteceu, mas é⦠me parece que a gente precisa que mais engajamento com checagem de fatos sejam feitas, pessoas estejam mais enganjadas juntas durante um perĆodo de tempo especifico pra fazer valer deter... pra fazer valer a narrativa factualmente verdadeira e derrubar aquilo que Ć© falso. A gente aprendeu isso a partir dessa⦠desse momento e foi uma mudanƧa de mentalidade mesmo pra gente bastante grande sobre qual Ć© a necessidade de checar fatos na hora que eles estĆ£o saindo do controle, nĆ©. Ou seja, tomando proporƧƵes muito grandes nas redes sociais, enfim. A gente nĆ£o vai mudar as pessoas de ideia, a desembargadora continua - atĆ© onde eu sei, publicando certas barbaridades no perfil do Facebook dela, o deputado em questĆ£o continua publicando vĆ”rias barbaridades no perfil dele nas redes sociais, mas, nesse caso em especĆfico, a gente conseguiu fazer... foi bom, foi positivo o retorno.
36:42 LuĆsa: Assim como nessa checagem de fatos da Marielle, vocĆŖs usam os selos, nĆ©? De verdadeiro, impreciso⦠E foi atravĆ©s desses selos que a prĆ”tica de checagem foi se estabelecendo. Assim, no site de vocĆŖs, vocĆŖs mostram que o primeiro grande projeto que vocĆŖs realizaram foi com a Cidade dos Sonhos, nĆ©, com os candidatos a prefeito de SĆ£o Paulo em 2016. Dessa experiĆŖncia que vocĆŖs tiveram e desses primeiros cinco anos e com a troca de experiĆŖncias com as outras agĆŖncias, como Ć© que vocĆŖ vĆŖ a importĆ¢ncia desse mĆ©todo e quais seriam suas limitaƧƵes?
37:28 Tai: Os selos eles sĆ£o sempre um problema... Ć tipo ame ou odeie, mesmo dentro da redação, sabe? Porque assim, o selo de falso Ć© falso, Ć© fĆ”cil de vocĆŖ aplicar um selo de falso, o selo de verdadeiro Ć© fĆ”cil de vocĆŖ aplicar um selo de verdadeiro, mas vocĆŖ estabelecer⦠o contraditório tambĆ©m Ć© fĆ”cil, Ć© contraditório, a pessoa estĆ” dizendo algo que disse algo diferente antes, no passado, Ć© fĆ”cil de comprovar. Mas os selos que demonstram nuance Ć s vezes as pessoas⦠ainda causa muita confusĆ£o no sentido assim: "Por que que vocĆŖs usaram o exagerado pra fulano de tal e usaram falso pra outro fulano de tal? VocĆŖs estĆ£o passando pano para o primeiro fulano de tal porque vocĆŖs usaram exagerado pra um?", mas existem regras, na verdade, editoriais para o uso desses selos. E existe diferenƧa entre algo que Ć© exagerado e algo que Ć© falso. O exagerado, por exemplo, Ć© algo que Ć© quase falso, mas nĆ£o Ć© porque existe um fundo de verdade. A gente tambĆ©m tem o selo de impreciso, que Ć© um selo que seria quase verdade, mas precisa de uma explicaçãozinha a mais, mas muita gente acha que Ć© pegação no pĆ©. Que Ć© "Como vocĆŖ vai dar um selo de impreciso para algo que Ć© praticamente⦠o argumento Ć© verdadeiro, ele só usou os nĆŗmeros um pouco errados". EntĆ£o, justamente, Ć© impreciso por causa disso, nĆ£o Ć©... as pessoas levam pro lado pessoal da coisa, e na verdade, a gente nĆ£o tĆ” checando o polĆtico, a gente tĆ” checando a substĆ¢ncia da declaração deles. Só que num ambiente polarizado como o nosso em que a polĆtica estĆ” extremamente conflagrada, em que as pessoas acham que tudo Ć© uma grande conspiração contra os polĆticos, nĆ©, a gente... apesar da gente ter um projeto que contabiliza todas as declaraƧƵes falsas e distorcidas do Bolsonaro - e jĆ” chegou a mais de 1,5 declaraƧƵes, volta e meia, quando a gente vai dar algum contexto sobre uma declaração do Bolsonaro que nĆ£o Ć© falsa, a gente estĆ” "passando pano pro Bolsonaro!" EntĆ£o, assim, Ć© muito difĆcil comunicar com selos mesmo e eu acho que, no inĆcio, era extremamente necessĆ”rio vocĆŖ ter selos para vocĆŖ indicar onde estavam as imprecisƵes, onde tava, onde poderia ser melhorado o discurso pĆŗblico, sabe assim? Mas que num ambiente em que muitos dos polĆticos, e nĆ£o sĆ£o poucos, sĆ£o muitos polĆticos, usam da mentira pra⦠como plataforma polĆtica, talvez nĆ£o me pareƧa tĆ£o efetivo assim. Ou seja, um instrumento que Ć© melhor aplicado em situaƧƵes mais normais, digamos assim, de estabilidade polĆtica, de enfim⦠Quando a disputa polĆtica nĆ£o estÔ⦠tĆ” mais na substĆ¢ncia do que tĆ” dito. Sei lĆ”... Uma das coisas que eu sempre reclamo Ć© hoje a gente estĆ” muito refĆ©m de checar muito do que a direita fala. Porque a direita, ela acaba conseguindo concentrar a agenda polĆtica nela mesma. Eles tĆŖm um uso de redes sociais muito grande e eles pautam a mĆdia de um modo muito eficiente, Ć© tudo muito bem feito no sentido de eles estĆ£o ali para chamar atenção a eles mesmos, entĆ£o tudo parece girar ao redor dessas personalidades, das mesmas personalidades de sempre, que protagonizam as notĆcias e que cujos discursos e que cujas agendas sĆ£o mais promovidas e mais midiĆ”ticas. EntĆ£o a gente tem muita dificuldade, por exemplo, de verificar declaraƧƵes de polĆticos sobre projetos de polĆtica pĆŗblica, que Ć© o motivo pelo qual o fact checking foi criado. Foi saber se algum gestor, alguma autoridade tava munido dos melhores dados possĆveis para construir polĆticas pĆŗblicas de governo. E hoje a gente gasta grande parte do nosso tempo checando se, tĆ”, nĆ£o grande parte do nosso tempo, estou dando um exemplo extremo, mas, assim, a gente gasta nosso tempo checando se a vacina tem um chip do Bill Gates, entendeu? Esse tipo de checagem, eu sei que Ć© ridĆculo, assim, quando vocĆŖ fala isso e vocĆŖ pensa "Cara, nĆ£o Ć© possĆvel que as pessoas acreditem nisso". Mas nĆ£o Ć© só isso nisso que as pessoas acreditam. Elas estĆ£o dentro de um contexto que faz elas acreditarem e desconfiarem de rigorosamente tudo. NĆ£o Ć© que elas acreditem piamente naquilo, mas Ć© porque elas recebem uma enxurrada de desinformação tĆ£o forte que elas ficam desnorteadas e tudo parece crĆvel e tudo parece uma grande bobagem ao mesmo tempo. EntĆ£o assim⦠os selos acabam sendo secundĆ”rios nessa questĆ£o. A gente jĆ” pensou vĆ”rias vezes em revisar os selos e pensar em fazer alguma coisa assim "ah Ć© verdadeiro e falso" e a gente cria um selo ali no meio que diz que Ć© um selo do tipo "tome cuidado" ou "existe problemas aqui", mas nos fins das contas, os polĆticos continuam dizendo coisas exageradas. Os polĆticos continuam dizendo coisas insustentĆ”veis e imprecisas, e a gente precisa usar esses selos para mostrar isso. A gente nĆ£o pode pautar o nosso processo editorial pelo fato de que o ambiente de debate de polĆtica tĆ” tĆ£o ruim e que a gente nĆ£o consegue verificar dados sobre polĆticas pĆŗblicas porque simplesmente elas nĆ£o sĆ£o discutidas, que a gente tem que mudar o nosso mĆ©todo. Na verdade, a polĆtica tem que mudar e tem que voltar a ser um ambiente de discussĆ£o qualificada, em que a gente possa checar as declaraƧƵes de polĆticos qualificados e dizer onde que existe erro ou nĆ£o, e nĆ£o onde existe delĆrio (risos) e completo descompromisso com a realidade, entendeu?
44:34 LuĆsa: E vocĆŖ tambĆ©m Ć© a idealizadora do Projeto Radar, nĆ©, que foi lanƧado esse ano e nele vocĆŖs trabalham com um conceito diferente dos selos, vocĆŖs trabalham com a nota da qualidade da informação. O objetivo acho que Ć© destacar o que a gente chama de informação de baixa qualidade, nĆ©? Esse Ć© mais um termo pra desinformação, pra fake news? Como Ć© que vocĆŖs chegaram nesse conceito?
45:02 Tai: O problema da desinformação Ć© que ela... nem tudo Ć© verificĆ”vel, nĆ©? Assim, vocĆŖ tem evidentemente teorias da conspiração ou vocĆŖ tem declaraƧƵes e posts nas redes sociais que sĆ£o falsos, tipo: "distanciamento social nĆ£o faz diferenƧa na pandemia". Isso Ć© uma declaração recorrente e todo mundo sabe que Ć© falsa, Ć© falso. Mas dentro dessas vĆ”rias é⦠como eu posso dizer, dentro dessas vĆ”rias informaƧƵes que circulam nas redes a respeito do mesmo tema, como por exemplo, o coronavĆrus, vocĆŖ vai encontrar peƧas de baixa qualidade, digamos assim, que tendem a ser desinformativas, mas nĆ£o sĆ£o passĆveis de checagem, entĆ£o a gente nĆ£o tem como comprovar grande parte das coisas. AlĆ©m de tudo, quando vocĆŖ lida com desinformação, o problema da desinformação, ele Ć© uma parte do problema de um problema maior que Ć© a poluição informacional. EntĆ£o num ambiente fragmentado de redes, é⦠vocĆŖ pode... uma informação verdadeira e factualmente correta produzida por profissionais, enfim, jornalismo, compete da mesma maneira que uma informação falsa que Ć© produzida por vocĆŖ nĆ£o sabe quem, com que intenção, enfim, mas tĆ£o lĆ”, tĆ£o todas juntas, dentro do mesmo bololĆ“ de informação que Ć© uma rede social. Discernir o que que Ć© verdadeiro e o que Ć© falso dentro disso Ć© um trabalho secundĆ”rio porque muitas pessoas elas estĆ£o nas redes e sĆ£o alimentadas por conteĆŗdos de baixa qualidade - e que nĆ£o necessariamente sĆ£o patentemente falsos, mas fazem uso de linguagens alarmistas ou uso de vocĆ”bulos que sĆ£o cheios de subjetividade. Por exemplo "vĆrus chinĆŖs". Alguns negacionistas da pandemia, eles usam essa palavra, tudo bem, o vĆrus Ć© chinĆŖs porque teve origem na China, mas eles nĆ£o usam isso para situar a origem do vĆrus. Eles usam isso pra politizar e pra criar uma narrativa, que aĆ Ć© sim Ć© desinformativa, e que aĆ sim, pode ser, pode ser ou nĆ£o desinformativa, mas Ć© desinformativa pela substĆ¢ncia e o significado da palavra em si, que nĆ£o Ć© verificĆ”vel. Se a gente for verificar vĆrus chinĆŖs, Ć© verdadeiro, o vĆrus Ć© chinĆŖs. Mas a aplicação dessa palavra é⦠tem conotação desinformativa. Ela serve para um propósito que Ć© criar uma noção narrativa desinformativa. O mesmo vale para vĆ”rios outros tipos de vocĆ”bulos. Eu uso vĆrus chinĆŖs porque talvez seja o mais evidente, mas a gente jĆ” tem vĆ”rios outros lĆ©xicos dentro do negacionismo da pandemia, por exemplo, que Ć©, sei lĆ”, āvachinaā, que Ć© a vacina chinesa, que muitos dos questionadores da pandemia usa. āFraudemiaā, Ć© outra palavra. SĆ£o palavras que chamam a atenção das pessoas para dentro de contextos desinformativos, mas assim, isso nĆ£o Ć© passĆvel de checagem. EntĆ£o, a gente, no Radar a gente usa esses padrƵes linguĆsticos que sĆ£o muito relacionados a alguns tipos de conteĆŗdos que sĆ£o desinformativos, mas que nĆ£o necessariamente sĆ£o passĆveis de checagem ou que a gente nĆ£o tenha capacidade de checar todos eles, porque tambĆ©m tem isso, nĆ©, existe muito mais informação falsa circulando do que checadores capazes de desmenti-las a todo tempo. EntĆ£o, o Radar, na verdade, um dos objetivos do Radar Ć© mostrar que existe essa proliferação e esse universo todo de desinformação é⦠que tĆ” por aqui, enfim, que existe, é⦠e como que essas desinformaƧƵes circulam de modo diferente a depender das redes. Porque na verdade, uma das coisas que me incomodou muito, sobretudo depois das repercussƵes das eleiƧƵes de 2018, foi que a culpa era do WhatsApp. E que a culpa era da tia do WhatsApp, e das pessoas que compartilhavam informaƧƵes falsas no WhatsApp. E nĆ£o Ć©! A desinformação ela tĆ” dentro de todas as plataformas. Ela... na verdade, ela só Ć© eficiente porque vocĆŖ recebe alguma coisa no seu WhatsApp, alguma coisa falsa no seu WhatsApp e ai vocĆŖ abre o seu Facebook e informaƧƵes muito semelhantes Ć quelas que tĆ£o no WhatsApp, que tĆŖm uma narrativa parecida, mas as vezes Ć© uma estĆ©tica diferente, sĆ£o produtores de informação diferentes, mas tĆ” lĆ” no Facebook. E aĆ vocĆŖ abre o seu Instagram e Ć© a mesma coisa, e aĆ vocĆŖ vai no Google e busca por alguma informação sobre aquilo e o Google te traz a busca personalizada de acordo com as afinidades que vocĆŖ tem. EntĆ£o, assim, Ć© muito difĆcil de vocĆŖ sair de um ambiente desinformador. Porque as pessoas nĆ£o caem em fake news, elas estĆ£o rodeadas de desinformação o tempo inteiro. Porque a desinformação Ć© uma maneira das pessoas... Ć©... como posso dizer, compartilharem valores Ć©... juntos, nĆ©? Ć um compartilhamento de afinidades, e o que as redes sociais fazem Ć© justamente aproximar pessoas que tĆŖm afinidades. EntĆ£o elas acabam compartilhando tambĆ©m desinformaƧƵes por terem graus de afinidade e por conta disso. O Radar ele vem pra mostrar que estĆ” em todo lugar, as narrativas sĆ£o muito parecidas, só mudam o formato, a mĆdia, mas que o problema, ele Ć© endĆŖmico em todas as plataformas. NĆ£o adianta combater a desinformação no WhatsApp porque ela vai tĆ” em outra plataforma tambĆ©m, ela vai migrar pra outra plataforma, ou o tipo de desinformação que vai estar na outra plataforma talvez Ć© atĆ© mais grave ou diferente. A gente vĆŖ a quantidade de conteĆŗdo desinformativo no Youtube, Ć© um negócio assustador. E existe muito pouco conteĆŗdo jornalĆstico verificado, bem feito, enfim, no Youtube, para contraditar isso. Com o Radar isso ficou bastante claro.
52:23 Daniel: E vocĆŖ falou muito sobre a questĆ£o agora de desinformação e fake news. O que vocĆŖ acha do termo āFake Newsā? VocĆŖ acha esse termo vĆ”lido ou nĆ£o gosta muito dele?
52:38 Tai: Olha, assim, eu, a gente no Aos Fatos a gente evita usar, porque justamente Ć© uma expressĆ£o que foi politicamente disputada. O Trump nos Estados Unidos usa fake news para dizer que Ć© algo com que ele nĆ£o concorda, nĆ£o Ć©, como se fosse uma espĆ©cie de xingamento, nĆ©, como se fosse uma espĆ©cie de acusação de produzir algo que Ć© desfavorĆ”vel a ele, enfim. Fake news Ć© notĆcia falsa na tradução literal, e notĆcia falsa na tradução literal Ć© apenas um aspecto no universo inteiro de desinformação, nĆ©? Hoje a gente tem desinformação, correntes do WhatsApp sĆ£o desinformativas e nĆ£o necessariamente sĆ£o notĆcias falsas. Memes, imagens, vĆdeos, eles nĆ£o necessariamente sĆ£o notĆcias falsas, eles sĆ£o desinformação. EntĆ£o assim, Ć© uma linguagem que simplifica muito algo que nĆ£o Ć© um fenĆ“meno. Que foi um fenĆ“meno particular dos Estados Unidos em 2016 porque de fato existiam sites que publicavam notĆcias falsas lĆ”, nĆ©? Um problema de 2016 foi sobretudo esse. Foram indĆŗstrias de sites mesmo que produziam notĆcias falsas com finalidade de monetizar, nĆ©, mas esse nĆ£o Ć© o problema no Brasil. Quer dizer, Ć© um dos problemas do Brasil, existem sites muito problemĆ”ticos e que sĆ£o feitos para ganhar dinheiro sim, com narrativas falaciosas, mas é⦠o problema nĆ£o Ć© só esse. EntĆ£o acaba sendo, alĆ©m de politicamente contaminado, o termo, acaba sendo... nĆ£o tratada a questĆ£o de modo macro, nĆ©? NĆ£o trata a situação como deveria ser, que Ć© uma quantidade muito maior... desinformação Ć© algo que contempla uma quantidade muito maior de falsidades que circulam na redes do que apenas notĆcias falsas.
54:54 Daniel: Você acabou de falar sobre a questão do Whatsapp, porque muita gente considera o Whatsapp o vilão da internet, né? Que é lÔ que surge, que todas as fake news surgem e é por lÔ que elas circulam, sem ter ninguém pra vigiar. E depois das eleições de 2018, as pessoas ficaram com essa sensação de que nada podia ser feito pra melhorar o Whatsapp nesse aspecto. Então você considera que o trabalho feito pelo Aos Fatos contribui pra mostrar que tem sim espaço para atuar no Whatsapp contra a desinformação? Porque tem muitas pessoas que elas, por exemplo, que compartilham um link do Aos Fatos no Whatsapp, por exemplo. Vocês acham que o trabalho de vocês pode ser suficiente pra dar uma freada nas fake news pelo Whatsapp?
55:51 Tai: Eu acho, o trabalho de checagem ele⦠sozinho Ć© muito difĆcil... porque na maior parte das vezes a checagem nĆ£o chega nas pessoas que mais precisam. O principal, como eu posso dizer, o principal pĆŗblico alvo de determinadas peƧas de desinformação sĆ£o grupos extremamente fechados. E quando eu falo grupos, Ć© grupo de WhatsApp, Ć© grupo no Facebook, sĆ£o comunidades mesmo, criadas na vida real, nĆ£o Ć© só tipo, Ć© gente que sei lĆ”, vai a igreja, Ć© gente que partilha de valores que sĆ£o muito particulares dessas comunidades, entendeu? E que, de tĆ£o fechados que sĆ£o, nĆ£o existe espaƧo pro contraditório sobre determinados fatos. EntĆ£o, assim, o que a gente precisa ter em mente Ć© que a gente precisa trabalhar com aquilo que Ć© possĆvel, com a audiĆŖncia possĆvel. Vai ser muito difĆcil furar a bolha dos mais radicais. Vai ser muito difĆcil fazer com que pessoas, que, por exemplo, acreditam em teorias da conspiração QAnon, vocĆŖ coloque uma checagem de fatos na frente dela e ela vai pensar "Ah, nĆ£o, Ć©, realmente Ć© falsoā. NĆ£o Ć©. Da mesma maneira que a boa info⦠estar bem informado Ć© uma construção contĆnua, vocĆŖ nĆ£o se informa bem apenas com uma notĆcia, vocĆŖ lĆŖ as notĆcias e se mantĆ©m bem informado a longo prazo. O mesmo vale pros valores que sĆ£o compartilhados por esses grupos mais extremistas. EntĆ£o, ou se faz um trabalho de aproximação de grupos extremistas bastante longo e possivelmente muito perigoso, dependendo do grupo extremista de quem a gente estĆ” falando, pra convencĆŖ-los de que āOlha, essa conspiração ela nĆ£o existe, nĆ£o existem autoridades que secretamente se reĆŗnem para explorar crianƧas e fazer cultos a SatanĆ”sā, Sabe assim? Do tipo, Ć© nesse nĆvel de loucura, nĆ£o Ć© com essas pessoas que provavelmente a gente vai tĆ” conversando. O que a gente mais precisa hoje... a gente sabe que o Brasil, por exemplo, por mais que a gente tenha um governo de extrema direita, a gente sabe que o brasileiro nĆ£o Ć© de extrema direita e que nĆ£o necessariamente todos os brasileiros concordam com a pauta do governo e sobretudo com as diversas mentiras que o Bolsonaro diz, por exemplo. A gente sabe disso. EntĆ£o, a gente precisa alcanƧar justamente essas pessoas que estĆ£o em dĆŗvida ou que pensam "Ah nĆ£o, mas ele estĆ” só exagerando com relação a isso" e mostrar pra essas pessoas as checagem de fato e introduzi-las, introduzir essas pessoas a um consumo de informação saĆŗdavel, Ć necessidade de ler jornais, Ć necessidade de ouvir rĆ”dio, de ver televisĆ£o. Dizer que vocĆŖ nĆ£o precisa concordar com todas as informaƧƵes que vocĆŖ recebe, que o mundo Ć© ruim mesmo, vai ter mĆ” notĆcia, sabe? Vai ter muita mĆ” notĆcia e vocĆŖ precisa aprender a lidar com essas frustraƧƵes. Acho que tem um componente aĆ de educação, sobre como lidar com as informaƧƵes que vocĆŖ recebe. Acho que esse trabalho Ć© mais essencial e a checagem de fatos tem esse potencial. Mas só o Aos Fatos nĆ£o Ć© eficiente pra isso. Ć muito necessĆ”rio que todos os veĆculos tenham iniciativas de checagem de fatos para que vocĆŖ possa mostrar que, vocĆŖ mostra aqui "Olha, o Aos Fatos mostrou que isso Ć© falso" e aĆ a pessoa "Ah, mas o que Ć© o Aos Fatos? Eu nĆ£o acredito no Aos Fatos". Mas aĆ vocĆŖ vai e pega "Ah nĆ£o, o Fato ou Fake tambĆ©m fez e mostrou que Ć© errado" ou "Ah, nĆ£o sei o quĆŖ, o Comprova foi lĆ” e mostrou que tĆ” errado" e aĆ construindo uma relação de confianƧa a partir de vĆ”rias fontes de informaƧƵes diferentes. O que as pessoas precisam pra elas estarem bem informadas nĆ£o Ć© se informar por apenas um lugar, um veĆculo. Ć elas terem noção que elas precisam ouvir vozes diferentes e a partir disso tirarem suas próprias conclusƵes a partir de fatos verificados profissionalmente. E que.. tudo bem nĆ£o ter opiniĆ£o sobre tudo e tudo bem achar que estĆ” tudo uma bosta porque tĆ”, entendeu? (risos) E Ć© isso, Ć© difĆcil, e numa Ć©poca de crise isso Ć© ainda mais difĆcil, mas Ć© um processo. E a gente tem que lembrar tambĆ©m que na verdade a gente estĆ” dentro de um processo de revolução informacional. E Ć© uma coisa que a gente fala pouco. E que a gente fica tipo "ai, Ć© o apocalipse informativo, todos acreditam em fake news, onde vamos parar?". E na verdade, a inclusĆ£o digital do brasileiro efetiva se deu nos Ćŗltimos dez anos, com os smartphones. Antes dos smartphones, os brasileiros mal tinham internet nas suas casas. Em geral eles iam em lan houses para consumir internet. Em geral eles consumiam internet no trabalho, eles nĆ£o tinham internet em casa. EntĆ£o Ć© uma novidade pro brasileiro de modo geral receber informaƧƵes diretamente num dispositivo que ele carrega pra todo lugar. EntĆ£o, assim, a gente tambĆ©m tĆ” passando por uma fase de adaptação e que pode ser que melhore - pode ser que nĆ£o, sei lĆ”, pode ser que piore. Eu nĆ£o sei o que vai acontecer daqui 10 anos, o que vai ser o smartphone da próxima dĆ©cada, sabe? Mas é⦠isso tambĆ©m faz parte de um processo, de se acostumar a lidar com o excesso de informação tambĆ©m.
1:02:42 Daniel: VocĆŖ falou tambĆ©m sobre... que.. todos os veĆculos assim poderiam, nĆ©, fazer tipo essa cadeia de ... Porque agora todos tĆŖm sua própria agĆŖncia de checagem. Tem o Aos Fatos, Lupa, tem a Boatos, tambĆ©m, entĆ£o só vai se concretizar quando muitas pessoas verificarem essas notĆcias. E a gente notou, que, recentemente tambĆ©m que vocĆŖs fizeram uma parceria com o TSE e vocĆŖs acham que essa parceria pode ajudar nesse sentido? E como essa parceria foi feita? O que vocĆŖs esperam dela?
1:03:24 Tai: A gente tem uma parceria com o TSE jĆ” faz uns anos. Ć.. no inĆcio de 2019, a gente fez uma primeira parceria com eles pra que eles ouvissem da gente soluƧƵes e como que a gente poderia atuar juntos pra combater a desinformação. No caso da parceria com o TSE, o que⦠grande parte do motivo dessa parceria... porque as eleiƧƵes sĆ£o municipais, nĆ©? EntĆ£o, o TSE ele nĆ£o tĆ” tanto em evidĆŖncia quanto os TREs locais, nĆ©? EntĆ£o vocĆŖ precisa de uma articulação um pouco maior e mais complexa pras eleiƧƵes municipais. Eu costumo dizer que cobrir eleiƧƵes municipais Ć© muito difĆcil porque sĆ£o vĆ”rias eleiƧƵes simultĆ¢neas, diferentes, enquanto cobrir uma eleição nacional, por maior que seja a repercussĆ£o, Ć© uma eleição só, nĆ©? EntĆ£o, assim...o que o TSE nĆ£o queria era repetir os erros do passado que foi subestimar o poder da desinformação nĆ£o contra os candidatos em si, mas contra a própria corte e a própria seguranƧa do voto. EntĆ£o, essa parceria com o TSE, ela continua nesse sentido. Ela continua acontecendo pra que desinformaƧƵes sobre fraudes nas urnas eleitorais, sobre é⦠as urnas jĆ” estarem programadas com votos pra determinado candidato, ou sobre as urnas nĆ£o sĆ£o seguras, sĆ£o hackeĆ”veis e podem ter interferĆŖncia externa na contagem de votos. E... enfim, com um elemento, esse elemento ainda da pandemia, eles tĆŖm muito medo de que se crie um pĆ¢nico sanitĆ”rio mesmo, assim do tipo āAh, as zonas de votação sĆ£o pólos de disseminação de covidā, sabe, assim? Pra esse tipo, pra evitar esse tipo de campanha, o TSE articulou uma rede de checadores que jĆ” tinham se articulado durante o primeiro e o segundo turno de 2018 numa espĆ©cie de coalizĆ£o contra desinformação, que se proliferou muito Ć s vĆ©speras do primeiro e do segundo turno das eleiƧƵes de 2018, que foram momentos muito difĆceis em termo de desinformação. Assim, a desinformação que circulou no sĆ”bado, na vĆ©spera da eleição e no dia da eleição em 2018 foram coisas assustadoras. E o TSE, na Ć©poca, nĆ£o tinha estrutura pra responder a quantidade de solicitaƧƵes e esclarecimentos que a gente tinha solicitado pra eles. Assim⦠existiam pessoas votando com arma na mĆ£o, existiam pessoas publicando Ć©... aquele.. uma espĆ©cie de extrato, aquele papelzinho que sai da urna eletrĆ“nica quando finaliza a votação, que Ć© basicamente o termo que mostra que aquela urna foi encerrada e lacrada, e tĆ” pronta pra ser enviada pra contagem de votos. Tinha gente atribuindo aquilo, mostrando que aquilo dizia quais eram os votos que tinham sido feitos pra cada candidato. Enfim, era uma loucura de desinformação e no caso da eleição presidencial vocĆŖ tem eleição, sei lĆ”, no JapĆ£o. EntĆ£o, quando tava abrindo urna aqui, jĆ” tinha urna fechada no JapĆ£o e tavam divulgando nas redes sociais o resultado da eleição no JapĆ£o. EntĆ£o, era uma coisa, uma crise de seguranƧa de informação muito grande que o TSE nĆ£o conseguiu Ć©... controlar. Hoje eu acho que existe um entendimento um pouco melhor. Assim, nĆ£o ponho minha mĆ£o no fogo por ninguĆ©m, porque afinal de contas tudo pode acontecer, mas Ć©, hoje eu acho que hoje hĆ” um entendimento maior de que Ć© preciso se precaver porque a desinformação vai acontecer e o que eles precisam Ć© ter respostas prontas na hora pra mostrar que determinadas informaƧƵes que estĆ£o circulando sĆ£o falsas, ou nĆ£o sĆ£o confirmadas, e que nĆ£o devem ser disseminadas, enfim.
1:08:08 Daniel: Você falou muito agora do TSE - a questão do que eles aprenderam com as eleições de 2018. E o que vocês acham que o Aos Fatos pode ter aprendido de lição com as eleições de 2018?
1:08:24 Tai: A gente aprendeu muita coisa. Foi uma curva de aprendizado muito grande. Porque, assim, a eleição pra gente em 2018 ela nĆ£o comeƧou na campanha oficial, nĆ©? A eleição comeƧou no inĆcio do ano. EntĆ£o, quando a gente, por exemplo, firmou uma parceria com o Facebook, que a gente tem atĆ© hoje, pra checar fatos dentro do Facebook e mostrar o que que Ć© verdadeiro e o que que Ć© falso ali dentro, a gente foi muito atacado por movimentos como o MBL e outras milĆcias digitais. A gente recebeu ameaƧas fĆsicasā¦NĆ£o fomos ameaƧados fisicamente na rua, mas assim, a gente recebeu ameaƧas pela internet do tipo āSe eu te encontrar na rua, eu vou acabar com a sua raƧaā. AmeaƧa de morte, a gente foi alvo de doxing, vĆ”rios dos nossos dados foram colocados pĆŗblicos. Ć⦠imagens desabonadoras, declaraƧƵes que pessoas deram no passado e que, na verdade, nĆ£o tinham⦠Tipo assim: declaraƧƵes que foram consideradas problemĆ”ticas contra a gente. āAh, nós somos pró comunidade LGBTQā. Isso pra eles era uma ofensa, era algo assim do tipo⦠Eles colocaram isso dentro de um dossiĆŖ dizendo que a gente era de extrema esquerda porque a gente era porque a gente simpatizava com a causa dos LGBTQs. E Ć© o tipo de coisa que vocĆŖ fala āSim, nós simpatizamos com a causa dos LGBTQsā. Enfim, onde que isso Ć© um xingamento? Mas isso pra eles era um xingamento, entendeu? E, entĆ£o, enfim, uma sĆ©rie de outras coisas que aconteceram e que a gente passou por um processo bem traumĆ”tico por conta disso. A gente foi atacado durante o perĆodo do pleito inteiro. EntĆ£o, na verdade, eu acho que nosso maior aprendizado... Isso nĆ£o passou, a gente continua sendo alvo dessas campanhas de ódio. Volta e meia a gente atĆ© hoje sofre assĆ©dio judicial de alguns⦠é polĆticos, alguns com mandato, pessoas ou funcionĆ”rios pĆŗblicos e tal e nĆ£o sei o quĆŖ... E nĆ£o concordam com o que a gente publica e acionam a gente na JustiƧa. A gente tĆ” respondendo, atĆ© onde eu sei, quatro processos diferentes no momento. Ć... e isso Ć© evidentemente problemĆ”tico. O Aos Fatos Ć© uma operação pequena, Ć© uma empresa pequena. Uma coisa Ć© vocĆŖ processar, sei lĆ”, a Folha, a Globo e tal, nĆ£o sei o quĆŖ. O Aos Fatos, nós somos pequenos, nós somos processados, somos atacados nas redes e etc e tal. EntĆ£o a gente teve que criar protocolos internos sobre como lidar com esse tipo de ódio nas redes. De como... nĆ£o dar trela pra esse tipo de coisa, ou nĆ£o levar tĆ£o a sĆ©rio porque a gente nĆ£o sabe no fim das contas se aquilo⦠o quĆ£o artificial Ć© aquilo, se aquelas pessoas existem de fato e quem tĆ” por trĆ”s daquilo tambĆ©m a gente nĆ£o sabe. EntĆ£o, hoje em dia, por mais esquisito que possa parecer, e nĆ£o deveria ser assim, eu sei, eu nĆ£o deixei de usar, eu nĆ£o fechei o meu Twitter, assim, eu tenho minhas outras redes fechadas, eu tenho o meu Instagram fechado, eu tenho o meu Facebook fechado, mas eu nĆ£o deixei de usar o Twitter. Por quĆŖ? Porque eu nĆ£o vou deixar de usar por causa disso. EntĆ£o eu recebo xingamentos e tal, nĆ£o sei quĆŖ, vejo umas coisas bem problemĆ”ticas lĆ” de vez em quando... sei lĆ”, uma vez por mĆŖs acontece uma campanha de ódio contra mim ou alguĆ©m da minha equipe e, enfim⦠Vida que segue, entendeu? Ć um aprendizado - pĆ©ssimo, porque nĆ£o deveria ser assim nĆ©.. Deveria ser um ambiente em que esse tipo de coisa nĆ£o fosse permitido, mas enquanto Ć©, eu nĆ£o vou deixar de postar minhas coisas, postar o meu trabalho e as minhas impressƵes sobre a vida, porque eu posto, eu nĆ£o uso o Twitter nĆ£o só pra falar de trabalho. Eu acho, enfim, que eu tenho a liberdade de falar o que eu quiser e assumir as consequĆŖncias, lógico, e vai ser assim. Mas a gente tem protocolos de seguranƧa hoje que a gente teve que desenvolver e dar⦠Assim, toda pessoa que Ć© contratada no Aos Fatos tem que passar por uma sĆ©rie de recomendaƧƵes, do tipo āEvite dar opiniƵes é⦠que fazem parte do escopo de seu trabalho.ā Assim nĆ£o... nĆ£o... āOpiniƵes muito polarizantes.. Ć© possĆvel que nĆ£o dĆŖ nada num certo momento, mas em algum momento no futuro alguĆ©m vai lĆ” vasculhar o seu passado e vai ver o que vocĆŖ falou em 2003 num fórum obscuro da internet, entendeu? EntĆ£o, assim, esteja ciente de que essas coisas vĆ£o acontecer e se proteja. E, se precisar, a gente dĆ” assistĆŖncia psicológica, enfim, alguma coisa assim, mas Ć© isso. O aprendizado maior na verdade foi esse, porque em termos de desinformação e procedimentos e, enfim, percepção de como que as coisas estĆ£o funcionando, a gente vive uma grande campanha desde 2018 atĆ© hoje, nĆ©?. EntĆ£o assim, em termos de substĆ¢ncia editorial da coisa nĆ£o mudou tanto.
1:14:19 Daniel: E vocĆŖ falou nĆ©, sobre a equipe do Aos Fatos ser pequena. Como vocĆŖ acha que ela se difere de quando o Aos Fatos foi fundado do que Ć© hoje? Como vocĆŖs evoluĆram nesse sentido?
1:14:34 Tai: Nossa, muito. Ć.. o Aos Fatos comeƧou com duas pessoas: eu e o RĆ“mulo, que Ć© diretor de tecnologia do Aos Fatos. Ele Ć© desenvolvedor e ele Ć© responsĆ”vel por praticamente toda essa pegada mais tecnológica que a gente tem. Assim, eu gosto muito de tecnologia e eu gerencio os projetos de tecnologia, mas a pessoa com quem eu falo do tipo: āĆ possĆvel fazer tal coisa?ā Ć© o RĆ“mulo. EntĆ£o, assim, Ć© uma coisa mais ou menos assim. Hoje, o Aos Fatos tem 18 pessoas, eu acho, se nĆ£o me engano. Ć uma diferenƧa bastante grande. E cresceu bastante muito em função do projeto do Radar, nĆ©? Que a gente comeƧou a desenvolver no ano passado. EntĆ£o eu acho que eu diria que a grosso modo, de modo bastante ignorante assim, metade do Aos Fatos Ć© a redação editorial tradicional que faz checagem e investigação de desinformação e etc e metade Ć© o Radar, que Ć© a unidade de inteligĆŖncia, que produz relatórios e faz acompanhamentos macro de redes sociais pra é⦠identificar campanhas desinformativas e entender quais sĆ£o os principais atores que tĆ£o disseminando determinados, determinadas peƧas e versƵes de desinformação e dar um sentido macro praquilo que a checagem nĆ£o consegue dar. A checagem ela atua num sentido micro, ela atua num sentido quase de jornalismo de serviƧo, que tĆ” ali pra informar a pessoa sobre uma determinada coisa. O Radar dĆ” uma dimensĆ£o mais macro do que tĆ” acontecendo dentro de temas especĆficos.
1:16:17 Daniel: Como você falou, agora vocês têm 18 pessoas na equipe, mais ou menos, e o financiamento então provavelmente vem crescendo, tendo em vista as parcerias do Aos Fatos. Vocês veem isso como um sinal de que estão assim em um bom caminho?
1:16:35 Tai: Eu vejo como⦠A grande parte do financiamento do Aos Fatos vem de empresas de tecnologia que necessitam da consultoria do Aos Fatos pra entender o fenĆ“meno da desinformação e como que a desinformação afeta suas plataformas. EntĆ£o, por exemplo, a gente tem essa parceria com o Facebook, que Ć© uma parceria de checagem de conteĆŗdo dentro da plataforma. Como o Facebook...assim, lógico, o que acontece Ć©: o que a gente vĆŖ na nossa cara Ć© pessoas que eventualmente compartilharam informação falsa ou distorcida dentro da plataforma sĆ£o avisadas de que aquela informação Ć© falsa ou distorcida. Mas Ć© óbvio que a gente checa e os padrƵes de desinformação que existem, que eles veem a partir do trabalho de um conjunto de checadores, porque nĆ£o Ć© só o Aos Fatos que faz isso. Isso Ć© um programa mundial. Eu nem sei mais quantas iniciativas de checagem no mundo inteiro fazem parte desse programa. Ć lógico que o Facebook faz uso desse tipo de trabalho pra subsidiar suas polices internas com relação a conteĆŗdo desinformativo dentro da plataforma. Todas as plataformas tĆ£o muito preocupadas com isso. Agora, se elas tĆ£o preocupadas com isso por motivos legĆtimos ou ilegĆtimos, isso Ć© discutĆvel. Tem plataforma, que, nĆ©, enfim, que nĆ£o pode se dar ao luxo de ter só conteĆŗdo desinformativo porque o seu apelo comercial, seus ativos, os dados que elas tĆŖm⦠Imagina o Google ser um grande buscador de conteĆŗdo fraudulento? NĆ£o serve pra nada, entendeu? O Google precisa trazer resultados bons o tempo inteiro pra se manter relevante. NĆ£o adianta nada vocĆŖ ir lĆ” e buscar, sei lĆ”, a terra Ć© plana e aparecer um resultado falando: āĆ, a terra Ć© planaā. Assim, a função da plataforma (risos) falhou miseravelmente. EntĆ£o assim, hoje a gente tem muitos... (nĆ£o muitos clientes, porque nĆ£o sĆ£o tantos clientes assim), mas assim, a gente vĆŖ muito interesse das plataformas nesse tipo de consultoria e aconselhamento. A gente tambĆ©m Ć© financiado pelo pĆŗblico, nĆ©, a gente tem um programa de membros e Ć© isso.. Assim, a gente, a nossa produção Ć© subsidiada sobretudo por isso: por inteligĆŖncia, por produção editorial e por apoio de membros. E tem crescido, Ć© bom. E tem crescido porque o problema nĆ£o tem diminuĆdo, inclusive. EntĆ£o, assim, enquanto houver esse problema de desinformação, e ele nĆ£o vai embora, ele nĆ£o Ć© uma coisa que āPuff, o Trump saiu da presidĆŖncia dos Estados Unidos acabou a desinformaçãoā. NĆ£o, nĆ£o existe isso. E, quer dizer, eu nem sei se isso vai acontecer, mas, mesmo que aconteƧa, nĆ£o vai embora, nĆ©? As coisas chegaram numa proporção - sobretudo nos Estados Unidos, e eu falo dos Estados Unidos porque infelizmente as plataformas elas se pautam exageradamente dentro da realidade americana. A despeito de todas as variĆ”veis regionais de outros paĆses, as decisƵes sĆ£o muito tomadas com base na realidade americana. EntĆ£o, o que a gente vĆŖ hoje Ć© que essas aƧƵes que o Facebook faz, que anuncia que removeu comunidades QAnon; ou que o Twitter anuncia que tĆ” deletando conteĆŗdos falsos sobre vacina ou sobre violĆŖncia⦠Isso tudo Ć© pra atender um pĆŗblico especĆfico que Ć© o pĆŗblico americano. A gente nĆ£o sabe se isso vai acontecer aqui no Brasil, sei lĆ”, em 2022. Ou se se eles vĆ£o aperfeiƧoar esses mĆ©todos de combate Ć desinformação pras eleiƧƵes de 2022. Eu tĆ“ falando Brasil de 2022 porque a gente Ć© um mercado grande pra eles, mas tem eleição na FranƧa ano que vem, tem outras eleiƧƵes muito grandes no ano que vem que vĆ£o acontecer e que tambĆ©m vĆ£o ser um grande teste pras redes sociais, entĆ£o. Ć um processo contĆnuo, Ć© difĆcil dizer quando que isso vai acabar e se a equipe do Aos Fatos vai crescer em função disso. Ć⦠a gente sempre tĆ” procurando inovaƧƵes e novos meios de combater e entender o fenĆ“meno, porque mesmo entender o fenĆ“meno Ć© muito difĆcil. Cada paĆs Ć© um paĆs, cada⦠o Brasil Ć© um paĆs continental, cada desinformação que circula num lugar nĆ£o necessariamente circula em outro e por aĆ vai.
1:21:39 Daniel: JĆ” que vocĆŖ mencionou outros paĆses: FranƧa, Estados Unidos⦠O que vocĆŖ acha que difere a nossa checagem do Brasil dos outros paĆses?
1:21:51 Tai: Ai, Ć© tĆ£o difĆcil dizer isso.. Porque, assim, muita⦠muitas das desinformaƧƵes que a gente vĆŖ hoje no Brasil, elas sĆ£o importadas. VocĆŖ pega todo esse movimento anti-vacina ou movimento anti-mĆ”scaras e isso Ć© muito americano. Isso comeƧou nos Estados Unidos e isso foi importado pra cĆ”. Ao mesmo tempo, a gente⦠o brasileiro, ele adapta Ć realidade local determinados boatos, nĆ©? Por exemplo, uma coisa que a gente viu mĆŖs passado ou retrasado, enfim, foi relativamente recente, que Ć©, por exemplo, esses movimentos QAnon, que sĆ£o movimentos de conspiração extremista, que acreditam que existe um deep-state americano em que autoridades como Bill Clinton, Bill Gates, sei lĆ”, enfim, Hillary Clinton, é⦠enfim, sei lĆ”, Tom Hanks (risos), enfim, tipo atores de Hollywood, autoridades, pessoas do mainstream, digamos assim, do establishment americano fazem parte de uma seita satĆ¢nica que explora crianƧas atravĆ©s de trĆ”fico de crianƧas pra fins de pedofilia, assim, existem, enfim. Grosso modo, a conspiração Ć© essa, mas tem vĆ”rias coisas, nĆ©, e aĆ, por exemplo, tem a questĆ£o da vacina do Bill Gates, que tambĆ©m faz parte dessa conspiração, dos microchips da vacina do Bill Gates que fazem parte dessa conspiração tambĆ©m. Isso foi importado pro Brasil, nĆ£o desse modo. Quer dizer, lógico, vocĆŖ vai ver o microchip do Bill Gates tambĆ©m em certos boatos que vocĆŖ vai ver na internet. Mas no mĆŖs passado ou retrasado, surgiu uma⦠um boato de que os ministros do Supremo eles todos receberam... fizeram encontros com JoĆ£o de Deus, nĆ©, que foi condenado por conduta sexual inadequada, crime sexual, enfim, eu nĆ£o sei exatamente o termo que ele foi condenado, Ć©... pra abastecer uma rede de pedofilia. EntĆ£o assim, eles adaptaram o contexto local pra uma conspiração que veio de fora. Mas a gente tem desinformação que Ć© coisa nossa tambĆ©m, nĆ©, quer uma desinformação mais coisa nossa que kit gay, por exemplo? EntĆ£o, assim, varia, sabe? E como os paĆses lidam entre si Ć© muito difĆcil porque depende muito da circunstĆ¢ncia em que determinados processos estĆ£o acontecendo. Ć⦠eu lembro que na Ć©poca da eleição do Macron, na FranƧa, foi logo depois da eleição de Trump, se nĆ£o me engano, ou logo antes, enfim, esperava-se que haveria um grande maremoto de desinformação na FranƧa por conta da eleição de primeiro-ministro lĆ”. E no fim das contas nĆ£o teve nada disso. Na verdade.. assim, teve desinformação sim, mas nĆ£o foi algo que foi tĆ£o problemĆ”tico assim pro resultado das eleiƧƵes. A gente tem o caso clĆ”ssico do Brexit, no Reino Unido, que Ć© anterior Ć eleição do Trump, inclusive, e posteriores eleiƧƵes, nĆ©? E como isso se desdobrou e atĆ© hoje se desdobra em movimentos cada vez mais fragmentados. Hoje o Reino Unido passa por um processo de contestação de saĆda da UniĆ£o Europeia porque os outros āreinos unidosā (risos) Ć Inglaterra eram contrĆ”rios Ć saĆda da UniĆ£o Europeia. EntĆ£o, assim, é⦠isso varia muito do contexto local, enfim. Ć lógico que existem pautas comuns e essas pautas extremistas anti-gĆŖnero, anti-minorias, contra negros, contra indĆgenas, elas sĆ£o muito⦠vocĆŖ vĆŖ isso em praticamente todos os ambientes mais radicalizados, independentemente dos paĆses, nĆ©?. EntĆ£o, o que acontece Ć© que cada paĆs adequa a desinformação ao seu conteĆŗdo, ao seu contexto local. Tipo, sei lĆ”, incĆŖndio no Pantanal, incĆŖndio na AmazĆ“nia, nĆ©? Que Ć© algo nosso mas que, enfim, Ć© uma desinformação que outros paĆses da AmĆ©rica Latina tambĆ©m foram impactados por esse tipo de desinformação tambĆ©m, paĆses que sĆ£o fronteiriƧos com o Brasil e que tĆŖm a AmazĆ“nia tambĆ©m. EntĆ£o assim⦠à isso. Existem componentes comuns, mas em geral a desinformação pra ela ser mais bem⦠como eu posso dizer, mais convencedora, sei lĆ”, enfim, mais crĆvel, ela tem que se adaptar ao contexto local tambĆ©m.
1:27:24 Daniel: E você acha que hoje o jornalista, ele trabalha mais pra levar informação ou pra combater desinformação?
1:27:34 Tai: Eu acho que o jornalista trabalha mais pra levar informação, assim. Os checadores sĆ£o uma parte cada vez mais relevante do jornalismo, Ć© lógico, eu acho que... sim, a gente acaba tendo... ficando refĆ©m de ter que explicar o que Ć© verdade e o que nĆ£o Ć©. E nĆ£o só checadores. Jornalistas que tĆ£o na rua, é⦠analistas que tĆ£o na TV, no rĆ”dio e tudo mais Ć© função deles tambĆ©m explicar e dar contexto. Mas isso sempre foi uma função do jornalismo: dar contexto, sabe? EntĆ£o acho que pela natureza fragmentada do jornalismo na internet, isso acabou se perdendo um pouco, porque, nĆ©, vocĆŖ lĆŖ uma matĆ©ria que tĆ” num link e a anĆ”lise sobre aquele tema Ć s vezes tĆ” num outro link e que vocĆŖ nĆ£o lĆŖ, nĆ©? EntĆ£o essa coerĆŖncia editorial a gente perdeu muito. Mas eu acho que os jornalistas continuam, a despeito de todas as dificuldades, e elas sĆ£o vĆ”rias, nĆ©? Porque, enfim, as redaƧƵes tĆ£o sofrendo problemas financeiros graves, eu acredito que o jornalista - a função, continua sendo e sempre serĆ” a de trazer informaƧƵes novas e importantes sobre os fatos. Toda função de jornalismo ela Ć© uma função reativa: VocĆŖ precisa que fatos aconteƧam pra que vocĆŖ reporte sobre eles. EntĆ£o assim, no caso dos checadores, eles apenas um tipo de jornalismo em que vocĆŖ precisa que um fato, no caso a mentira, aconteƧa pra que vocĆŖ faƧa seu trabalho. Mas se vocĆŖ Ć© um jornalista investigativo que atua na Ć”rea de corrupção, vocĆŖ precisa que a corrupção aconteƧa e que as investigaƧƵes sejam conduzidas pra que vocĆŖ consiga reportar o seu fato. EntĆ£o assim, eu nĆ£o vejo muita diferenƧa nisso. Ć lógico que se vocĆŖ tem um governo que Ć© baseado e recorrentemente se utiliza de mentiras, o seu trabalho acaba ficando um pouco mais refĆ©m de dizer que tais coisas sĆ£o mentiras. Mas isso Ć© importante tambĆ©m. Isso Ć© cobertura de polĆtica, isso Ć© cobertura de governo. Ć um tipo de governo. E ele tĆ” lĆ” e ele foi democraticamente eleito, o que que a gente pode fazer?