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Aos Fatos: as sutilezas do combate à desinformação

Atualizado: 13 de jun. de 2021

Daniel Magalhães e Luisa Bertola

Dezembro de 2020


Nesta entrevista, a jornalista Tai Nalon conta quais foram suas motivações para criar, em 2015, junto com Rômulo Collopy, o portal de checagem Aos Fatos e como o trabalho vem se desenvolvendo desde então. O veículo completou meia década, este ano, em crescimento e com a estreia do projeto Radar, que atualmente ocupa boa parte de sua equipe de 18 profissionais. O lançamento estava previsto para as eleições municipais, no segundo semestre, mas foi antecipado devido à grande quantidade de pedidos de checagem sobre o novo coronavírus que o site começou a receber em março, no início da pandemia no Brasil. Naquele mês, no número do Aos Fatos no WhatsApp, a demanda por checagens aumentou sete vezes, tornando impossível a leitura de todas as mensagens num único dia. Assim, a agência pôs para funcionar o Radar, com uma série de protocolos específicos para diferentes redes sociais, a partir dos quais a tecnologia consegue detectar índices da “informação de baixa qualidade”, conceito criado para lidar com a poluição informacional nas redes.


Afinal, como diz Tai Nailon nesta entrevista concedida em 22 de outubro de 2020 (pelo aplicativo Zoom), um dos desafios do combate à desinformação é que “nem tudo é verificável”. Por isso, o conceito de “informação de baixa qualidade” busca se aproximar dos espaços onde possivelmente circula a desinformação. O uso de expressões como “vírus chinês”, “vachina” ou “fraudemia”, quando detectadas pelos sistemas tecnológicos de monitoramento criados pelo Aos Fatos, são alguns dos indícios de se trata de peças desinformativas. O projeto resulta do amadurecimento do trabalho da agência nos últimos anos, marcados por momentos-chave, como o assassinato da vereadora Marielle Franco, em 14 de março de 2018, e as eleições presidenciais daquele ano.


Três dias depois da morte de Marielle, um sábado de manhã, Tai lembra que recebeu um telefonema bem cedo do jornalista Fernando Rodrigues, do veículo Poder 360 (outro nativo digital jornalístico), perguntando se o portal estava checando informações sobre a vereadora que circulavam nas redes. Ele gostaria de publicá-las. Foi assim que Tai e sua chefe de reportagem, Ana Rita Cunha, começaram a trabalhar e tiveram de lidar com uma intricada rede de informações falsas sobre Marielle, entre as quais uma foto em que, segundo os comentários, era ela quem aparecia, muito jovem, no colo do traficante Marcinho VP. A checagem publicada pelo Aos Fatos, negando essas informações, “viralizou” nas redes e, no fim da manhã, as curvas ascendentes de mensagens falsas começaram a ser revertidas nas mídias sociais. O site do Aos Fatos chegou a ter mais de um milhão de acessos somente naquele fim de semana e saiu do ar. “Então, a primeira lição foi: tenha um site que suporte grandes picos de audiência”, conta Tai. O caso se tornou um case, pois é muito raro, afirma a jornalista, uma checagem conseguir parar uma campanha de desinformação política no momento em que esta acontece. Assim, outra lição foi que é muito importante conseguir realizar checagens na hora em que as informações falsas “estão saindo do controle, ou seja, tomando proporções muito grandes nas redes sociais”.


“Mas é lógico - destaca Tai ainda sobre o trabalho no caso Marielle - que isso não foi consequência da checagem só, entendeu? Isso foi consequência de algo que é necessário fazer para que seja possível a verdade factual prevalecer contra as mentiras que a gente vê na internet, que é uma mobilização geral da sociedade de compartilhar ativamente checagem de fatos e contraditar pessoas que estejam compartilhando determinado conteúdo”. Esse tipo de engajamento é necessário, pois a mesma desinformação costuma circular por diferentes ambientes. “As pessoas não caem em fake news, elas estão rodeadas de desinformação o tempo inteiro porque a desinformação é uma maneira de as pessoas, como posso dizer, compartilharem valores juntas, é um compartilhamento de afinidades, e o que as redes sociais fazem é justamente aproximar pessoas que têm afinidades, então elas acabam compartilhando também desinformações por terem graus de afinidade”.


O projeto Radar também está atento a essa viagem da desinformação pelas redes. “As narrativas [de desinformação] são muito parecidas, só mudam o formato, a mídia, mas o problema é endêmico em todas as plataformas, não adianta combater a desinformação no WhatsApp porque ela vai estar em outra plataforma também”, diz Tai. Algo que ficou muito evidente para ela com o projeto Radar foi ver que há grande quantidade de desinformação no Youtube sem checagem. “É um negócio assustador e existe muito pouco conteúdo jornalístico verificado, bem feito no Youtube para contraditar”.


Assim como muitos pesquisadores na área, a jornalista tem restrições ao termo “fake news” porque “notícia falsa” é somente um dos aspectos da desinformação - além de ter sido uma expressão politicamente disputada, como fez Donald Trump nos EUA, derrotado agora para a reeleição presidencial, que a usava para atacar o que não era de seu agrado. Além disso, memes, imagens, vídeos etc não necessariamente são notícias falsas, mas desinformação. Na entrevista ao Reconfigurações Jornalísticas, ainda, a jornalista analisa as limitações do método de checagem que utiliza selos para qualificar as informações - como “verdadeiro”, “falso, “exagerado” etc. Essa metodologia foi predominante nos primeiros anos do trabalho das agências de checagem.


Atualmente, Tai conta que a principal fonte de renda da agência vem de serviços de consultoria que prestam para empresas que precisam entender o fenômeno da desinformação, e como esta afeta suas plataformas. “Agora, se elas tão preocupadas com isso por motivos legítimos ou ilegítimos, isso é discutível”, afirma. Em todo caso, mesmo que não seja por motivos políticos, a desinformação parece não dar trégua: “Tem plataforma que não pode se dar ao luxo de ter só conteúdo desinformativo (...)… Imagina o Google ser um grande buscador de conteúdo fraudulento? Não serve pra nada, entendeu?”.



Transcrição da entrevista com Tai Nalon, do Aos Fatos

Realizada por Daniel Magalhães e Luísa Bertola

Revisão da transcrição e minutagem: Marlos Mendes e Rachel Bertol

Data de realização da entrevista: 22 de outubro de 2020


Clique aqui para acessar à transcrição da entrevista em versão PDF.


0:11 Luísa: Primeiro eu queria te pedir pra você contar seu nome completo, onde você nasceu, onde você vive e o que te levou a fazer jornalismo.


0:21 Tai: Meu nome é Tainan Nalon Xavier, mas eu adoto Tai Nalon por motivos profissionais porque Tainan é muito difícil as pessoas acertarem. Tainá, Thaiana, Thiana... enfim, já ouvi de todas as formas possíveis o meu nome, então de certa maneira eu adotei Tai porque era um apelido que as pessoas já me chamavam e ficou. Eu sou jornalista e sou formada pela Uerj, eu me formei em… no fim de 2007, início de 2008. E sou do Rio de Janeiro, mas já morei em outros lugares. Já morei em São Paulo durante um tempo, por motivos profissionais também. Eu trabalhei na Folha de S. Paulo durante muito tempo. Então trabalhei na Folha de S. Paulo na sucursal do Rio, quando existia a sucursal do Rio da Folha de S. Paulo, trabalhei. Logo depois, seis meses depois, eu fui pra São Paulo, pra sede. Eu era repórter de cidade, administração pública, sobretudo. E nas eleições de 2010 fui transferida para a editoria de política pra cobrir as eleições de então e nunca mais sai da área de política. Eu fui para Brasília, não pela Folha, eu acabei mudando de emprego. Eu fui pelo G1 para Brasília, mas logo depois retornei pra Folha. Então, eu diria que assim, o G1 foi super importante por causa dessa mudança minha pra Brasília e ir para Brasília foi super importante para minha carreira, mas a minha escola de jornalismo, digamos assim, de grande redação é definitivamente a Folha, em seus vários lugares por onde eu passei.


2:21 Luísa: Como você falou, você é formada pela Uerj, né, e assim, você, hoje em dia, você ainda traz alguma coisa dessa formação apesar de todas essas transformações radicais do jornalismo?


2:34 Tai: Olha, sim. Porque eu tive... um dos meus primeiros contatos... Quando eu escolhi fazer jornalismo, assim como, sei lá, muitos jovens iludidos, escolhem porque gostam de escrever. E acham que é a melhor maneira de você conseguir é… escrever e fazer disso uma profissão, né? Porque não existe profissão escritor no Brasil, assim, você não vive só disso, então de certa forma é algo que talvez case convenientemente e te coloque numa posição em que você vai conhecer publishers, e você vai conhecer editores e pessoas influentes que podem eventualmente te ajudar ao longo do caminho. Mas eu nunca escrevi um livro, por exemplo. Então assim, o escrever para mim acabou virando algo secundário sobretudo depois de eu ter aberto o Aos Fatos. Mas essa necessidade de criar, na verdade, foi algo que eu encontrei, eu já tinha antes e eu encontrei na Uerj porque eu consegui casar isso com os conhecimentos de Ciência Política e Ciências Sociais que certas disciplinas me deram. Eu tive professores muito bons na área de Comunicação e Cultura, na área de política e na área de novas tecnologias. Na época que eu fiz graduação discutia-se muitos sobre a ascensão dos blogs, e sobretudo dos blogs políticos e os blogs progressistas que eram muito importantes na comunicação do lulismo, quando o Lula era presidente. Eu me formei, minha graduação era na época do governo Lula. Então, essas discussões eram travadas e eram muito importantes pra gente entender como se dava a comunicação política e o que seria o futuro do jornalismo. Assim, no fim das contas, o futuro do jornalismo não se traduziu em blogs, certo? Não foi... houve um período de ascensão e houve um período de declínio. Mas o que a gente viu, posteriormente, seja por consequência disso ou porque as… enfim, a internet e as redes sociais propiciavam uma distribuição nova de notícias, as redes sociais.... Lembrando que na época da faculdade, Facebook ainda não existia como é, Twitter não existia ainda como é. O Orkut existia, mas não era eficiente na distribuição de conteúdo - tanto assim, nesse nível. Então, na verdade, o que me parece é que os blogs foram um primeiro experimento de como que indivíduos, e naquela época jornalistas que tinham algum renome e que já tinham alguma carreira podiam fazer jornalismo independentemente das redações. E isso evoluiu pra outras coisas ao longo do tempo. Durante a década passada - década de 2010, por exemplo, a gente viu uma proliferação, aos poucos, de veículos independentes, alguns deles politicamente ligados a partidos e a determinadas agendas, mas outros não. Outros independentes e veículos jornalísticos que de fato deram certo e que fazem parte hoje de um ecossistema bastante grande do jornalismo em si, né? Enfim, eu não sei, eu não sou acadêmica para dizer e traçar um paralelo, uma linha do tempo dizendo que tudo isso está dentro de um mesmo universo. O storytelling do jornalismo brasileiro, sobretudo, o novo jornalismo, o jornalismo independente ou a maneira que você queira dizer o jornalismo que é praticado fora das redações tradicionais, eu não sei se tudo isso tem a ver uma coisa com a outra, mas já na Uerj, lá em... 2005, 2006, já dava para discutir isso largamente, era um assunto que me interessava muito.


7:04 Luísa: Você já trabalhou na Folha de S. Paulo, como você falou, e nas eleições de 2010 você também participou de política, mas em 2014 a prática de checagem ganhou muita importância. Você acha que essa foi assim, que esse foi o ápice pra vocês criarem o Aos Fatos em 2015, mesmo que já tivesse essa ideia, esse projeto em mente, alguma coisa sobre checagem?


7:33 Tai: Na verdade não, porque meu primeiro contato com a checagem de fatos foi em 2010 mesmo, na cobertura de eleições, da Folha. É, a Folha.. Porque assim, a checagem como ela é hoje, ela foi muito … ela ganhou uma certa popularização quando o Washington Post, nos Estados Unidos, e o PolitiFact, nos Estados Unidos, começaram a fazer checagem em função das eleições de 2008 nos Estados Unidos. Então, o Washington Post… se você pega a comunicação visual do projeto de checagem da Folha de S. Paulo e pega a comunicação visual do projeto do Washington Post de 2008, o projeto visual da Folha de 2010 é muito semelhante ao do Washington Post. A Folha tinha um ‘Pinoquinho’, e aí, a cada, a medida que um determinado... uma personalidade política, um candidato dizia alguma coisa que tinha algum grau de falsidade, o nariz do ‘Pinoquinho’ era maior ou menor, sabe? Tinha uma espécie de “mentirômetro”, o nome do projeto na verdade era Mentirômetro. Eu era uma das pessoas, eu era redatora na época e eu era uma das encarregadas a revisar essas artes, a revisar, a fazer o copy desk das matérias que iam dentro desse projeto. Então, eu não sabia que isso se chamava fact checking quando eu fazia, as pessoas não chamavam isso, as pessoas chamavam isso de “ah é o projeto do Mentirômetro da Folha”. E aí, só em 2014, na verdade foi até um pouco depois de 2014, foi mais ou menos em 2014, que eu fiquei sabendo que isso se chamava fact checking, tinha um nome para isso. E existia uma técnica por trás disso porque o Chequiado, na Argentina, tinha usado esses instrumentos e era um veículo independente que fazia esse tipo de medição. É ... da qualidade do discurso público dos políticos. 2014 também foi um ano que teve muita experiência de checagem, também aqui no Brasil, né, com a Agência Pública e o O Globo, mas na verdade, o que eles fizeram foi aperfeiçoar o método que já estava aí, que já estava sendo usado por outros veículos, mas não com o nome fact checking.


10:10 Tai (continuação da resposta anterior): O Aos Fatos, ele surgiu posteriormente a 2014. O Aos Fatos é de 2015. Dentro da necessidade de verificar declarações quando os políticos não estavam em campanha eleitoral. Porque praticamente todos os projetos de fact checking brasileiros que existiram até então, cuja premissa era verificar a veracidade das declarações dos políticos, eles eram atrelados às eleições. E não sei se vocês se lembram, mas em 2015 a gente estava numa mega crise política dentro do governo Dilma. A Dilma tinha acabado de ser reeleita, mas já existia uma série de questionamentos na justiça a respeito da legitimidade da eleição dela. Existia uma guerra explícita entre a Presidência da Câmara e a Presidência da República. Então, é... a Dilma fazia aqueles pronunciamentos dos panelaços, é.. o Eduardo Cunha fazia pronunciamentos. O Eduardo Cunha, que então presidente da Câmara, fazia pronunciamentos para promover a sua própria agenda e atacar o governo e não tinha ninguém fazendo checagem nesse momento tão crucial para o Brasil. Então, o Aos Fatos não surgiu do nada, evidentemente, a gente teve seis meses de planejamento. Mas, assim, a gente… a gente lançou a nossa empreitada bem no meio dessa crise. Então a gente teve um respaldo público - do público - muito grande justamente porque existe uma demanda para entender e saber quem tava falando a verdade e quem não tava, se todos estavam falando a verdade ou não. E… e foi isso.


12:07 Luísa: Você falou até em demanda de checagem, no dia 31 de março agora desse ano vocês enviaram uma newsletter falando que a demanda por checagem de informações cresceu muito por causa da pandemia. Você pode contar pra gente como é que chegam essas demandas pra vocês e como funciona essa rotina, assim, dos Aos Fatos pra checar?


12:32 Tai: O Aos Fatos mantém canais de contato com o público é.. por Whatsapp, pelas redes sociais também. A gente faz um crowdsourcing através de outras ferramentas, tipo Crowdtangle. A gente agora construiu uma ferramenta própria de monitoramento, que é o Radar Aos Fatos, mas em março não existia ainda. É… então, na real, o que a gente viu, foi através do nosso canal no WhatsApp, é... Ele quase entrou em colapso, na verdade, assim. A gente tem um canal de Whatsapp, a gente tem dois canais de WhatsApp, a gente tem a Fátima checadora, que é o robô que ajuda você a procurar checagens dentro do sistema dela, checagens que já estão prontas e caso não estejam prontas, que não existam, o recado é enviado para nossa redação pra gente saber que existe algum pedido relacionado àquele tema em específico pra gente melhorar o nosso monitoramento com relação aquilo. E a gente tem o canal de WhatsApp manual, digamos assim, que é o que a gente mantém a nossa lista de transmissão e é por onde as pessoas também enviam sugestões de checagem. Eles mandam as suas correntes de WhatsApp, as imagens, vídeos, enfim, pra gente checar. E naquela época, eu não vou conseguir me lembrar de números exatamente, mas eu lembro que aumentou talvez, umas sete vezes a demanda por checagem dentro dessa ferramenta do WhatsApp, dentro do nosso WhatsApp “manual”. Então tinha dias que quem era responsável por fazer a… essa filtragem e jogar pra a pauta, e jogar pra a equipe editorial e pra a equipe editorial investigar e ver se aquilo era relevante o suficiente para a gente fazer a checagem. Porque também tem isso, tem coisas que circulam apenas dentro de bolhas então a gente precisa encontrar, de certa forma, uma fórmula perfeita para fazer uma checagem de conteúdo sem estar promovendo aquele conteúdo que às vezes pode estar só restrito a alguma bolha. Então, nessa época, o nosso WhatsApp praticamente entrou em colapso porque recebia muitas mensagens, muito mais mensagem do que a gente era capaz de ler em um dia, por exemplo. E… os acessos ao site aumentaram vertiginosamente. A gente tem uma boa interação com as pessoas no Twitter, por exemplo, e as pessoas no Twitter nos mandavam DM’s pedindo para a gente verificar coisas. Pessoas no Instagram mandavam pra gente, marcavam a gente, pra gente verificar determinadas coisas. Era algo assim... 2018 foi uma eleição difícil e de uma proliferação muito grande de desinformação, mas é… Me parece que como a desinformação era uma questão mais de um lado do espectro político era uma coisa mais controlável, ou previsível, ou mais repetitiva, não sei dizer exatamente o que é. Durante a pandemia era algo que afetava rigorosamente todas as pessoas, independentemente de ideologias e... enfim, inclinações políticas e preferências políticas. Por isso que no início me pareceu muito, muito difícil conseguir conduzir essa cobertura atendendo a torrente de mensagens que a gente recebia pra verificar e muitas delas de difícil verificação, porque afinal de contas, o coronavírus, naquela época - e ainda é, mas naquela época especialmente era algo absolutamente desconhecido da comunidade científica, então a gente não tinha nem dados substanciais que atestassem determinadas teses que circulavam. A gente não tinha como dizer se determinado medicamento era eficaz ou não porque os estudos ainda não tinham saído. A gente tinha como dizer algumas coisas básicas, do tipo “Não, um chá com alho e água quente não vai melhorar você do coronavírus”, entendeu? Mas, eram outras, eram coisas das mais absurdas às mais... e é isso, assim, é um pouco também de você lidar com crendices populares, com conceitos... O brasileiro se automedica muito, o atendimento de saúde do brasileiro é muito precário, então a gente tem tradições de “curas” domésticas muito fortes, então, você dizer pras pessoas que se você tomar um remédio antigripal ele não é um remédio que está te curando da gripe, ele só tá amenizando os sintomas, né? Então, você entrar nesse tipo de... detalhamento sobre como explicar o que está acontecendo, uma crise sem precedente - uma pandemia, enfim. Como tornar isso mais palatável pra um leitor, que muitas vezes… tem baixa, tem baixa... é pouco, é pouco instruído? E mesmo os muito instruídos, porque tem muitos muito instruídos que caem também, enfim. É muito difícil, é um desafio muito grande e... eu diria que a gente fez o máximo que a gente pode, e continua fazendo porque, enfim, os estragos continuam acontecendo. A gente passou essa semana inteira discutindo sobre se vacina é obrigatória ou não, se deve ser obrigatória ou não, e tipo, se se vacinar é seguro. Então, assim, nós retrocedemos muita, muito, muita coisa durante muito tempo com relação à desinformação por conta da pandemia também. A gente parece que está discutindo coisas muito óbvias. E é curioso porque explicar coisas óbvias é difícil, porque elas são óbvias. É meio que assim: “O céu é azul” e a pessoa diz que é verde. E aí você tem que dizer que o céu é azul? Por que o céu é azul? Porque sempre foi azul… E aí você entra assim: porque existe uma configuração de gases que deixa o céu azul e aí a pessoa fala “Cara, isso não me diz nada, não faz parte do meu repertório de vida”. Enfim, é muito difícil, é muito difícil. E é ciência, né? É processo científico, os fatos não obedecem o tempo das coisas e... é uma luta, é muito difícil.


19:50 Luísa: Vocês também falam muito sobre eleições assim… vocês tem um carro forte lá e no caso dos recentes debates pra prefeito, tanto no Rio quanto em São Paulo, vocês realizam checagens em tempo real e isso demanda uma equipe grande de profissional, assim. Por que realizar esse tipo de checagem e como é esse trabalho?


20:13 Tai: Esse trabalho, é acho que é um dos trabalhos mais difíceis que a equipe do Aos Fatos faz até hoje. Eu acho, eu particularmente não gosto muito dessa atividade, assim, do tipo pra eu fazer. Do tipo, eu acho, eu tô fazendo minha terceira cobertura eleitoral no Aos Fatos, fazendo em tempo real, lógico que eu cobri outras eleições, mas não pelo Aos Fatos. E é um desafio muito grande porque... é muita informação sendo checada, reconferida, empacotada, editada num curto período de tempo e exige um planejamento muito grande. E… a repercussão nas redes geralmente é muito grande. Porque as pessoas veem os debates e usam o Twitter - sobretudo, como segunda tela, então elas esperam que a gente faça já, já criou-se uma tradição para que a gente faça a cobertura em tempo real de debate. É... e é um momento de extrema polarização circunstancial nas redes. As pessoas elas sentem prazer, ódio, é...sentem alegria, elas estão muito agressivas por causa das suas agendas e porque seus candidatos estão defendendo determinadas agendas, então é um momento em que a gente é xingado de todas as coisas possíveis e imagináveis por todos os espectros políticos. É extremamente desgastante por causa disso porque… E a gente não pode errar, né. A gente precisa fazer um esforço muito grande pra não errar num curto período de tempo fazendo essas coberturas, então, é muito desafiador por causa disso. E… e como a checagem em tempo real é um pouco mais simples, no sentido de que a gente tem que empacotar determinadas declarações e explicar porque que aquilo é falso ou exagerado ou impreciso - ou mesmo verdadeiro e a gente tem que explicar porque é, às vezes as explicações elas, elas demandam mais contexto e demandam mais profundidade, mas aquele formato específico não permite. A gente não consegue fazer isso enquanto existe um debate acontecendo, né? Então, eu acho, super é um grande desafio pra gente fazer, mas ao mesmo tempo é super importante em termos de documentação, é sempre um sucesso nas redes, é sempre um sucesso de engajamento. As pessoas usam nossas checagens pra mostrar quem se deu bem e quem não se deu bem nos debates. Não que quem falou mais mentira ou não porque, enfim, a gente deveria checar rigorosamente todas as declarações de todo mundo e a gente não faz isso. Mas é… o que de mais relevante aconteceu ou quem é o candidato que parece estar mais bem “briefado” sobre determinados temas. E isso é super importante porque tem candidatos que vão para debates pra vender ilusões e dizer que certas coisas são de um modo que efetivamente não são e que não têm nenhum compromisso com os fatos. E por outro lado tem outros candidatos que se vendem como experts, como especialistas em determinados assuntos, e que mencionam números e falam palavras difíceis pra dar uma impressão de que eles são justamente autoridades especialistas no assunto, mas na verdade eles estão falando uma grande bobagem. Então, a gente tem que navegar entre também a retórica política diferente de cada candidato. E, é óbvio, no caso das eleições municipais desse ano e a gente está tendo bem poucos debates é... e em 2018 a gente também teve poucos debates, sobretudo depois da facada, é… é muito, quanto mais candidato você tem, é mais difícil você checar porque você precisa fazer um trabalho anterior de pesquisa sobre o que que esses candidatos andam dizendo, o que eles já disseram no passado, qual é a especialidade deles. Então, por exemplo, se você tem um que foi secretário de saúde de determinado município, buscar a vida pregressa e ver o que o candidato já fez, ou é… O que que é ruim, o que é bom? Quais são os dados confiáveis sobre determinadas questões que ele fala. Quando a gente, por exemplo, aqui no Rio, que a gente está fazendo cobertura sobre os candidatos, os dois principais candidatos é o Crivella e o Paes e de certa maneira é até mais fácil fazer esse tipo de monitoramento porque os dois têm legado, né? Bastante recentes ainda por cima, né? Um é prefeito e outro foi o prefeito anterior, então ambos têm bastante dados e a gente consegue trabalhar bem com relação a isso. Mas tem candidatos que não têm um passado político no Executivo, por exemplo, que seja fácil de a gente pesquisar sobre coisas que aquele candidato em específico quer falar. Ou tem candidatos que tão em cargos, mas ocultam dados sobre é sua... sua atuação política, né? Enfim, basicamente quando a gente tem uma eleição com muitos candidatos a gente tem que fazer um background check de muitos candidatos e isso é bastante difícil. O segundo turno costuma ser mais fácil justamente porque a gente já tem um histórico de declarações ao longo do primeiro turno que os candidatos já deram. E porque, né, são dois candidatos só, então a gente consegue fazer um apanhado maior. Ao mesmo tempo é mais difícil porque aí a rivalidade pega… Então, assim, dependendo da eleição, quanto mais polarizada é a eleição, quanto mais problemática é a eleição em termos de agressividade - ou mesmo uso de desinformação, mais difícil é fazer a checagem em tempo real. Mas é algo que, por mais que eu não goste, em termos assim, me causa... Eu brinco que a vinheta da Band, ela me causa taquicardia, sabe? Só de ouvir a vinheta do debate da Band me causa taquicardia porque eu me sinto “Meu Deus do céu, é um debate” (risos). Mas é bastante recompensador, assim. Eu acho que o motivo principal da gente fazer checagem é pra que nesses grandes acontecimentos, como debates entre candidatos, a gente tenha a possibilidade de mostrar em tempo real, ou quase real, se um deputado, (um deputado) se um candidato está falando a verdade ou não.


27:24 Luísa: Você concorda que o momento muito importante pra afirmação do Aos Fatos foi o trabalho que vocês realizaram de checagem de quando a Marielle - a Marielle Franco, morreu e começaram a circular vários boatos na rede social. Você pode contar como foi esse processo de checagem, qual foi a repercussão pra vocês? Vocês aprenderam alguma coisa com esse episódio?


27:50 Tai: A gente aprendeu muitas coisas com esse episódio e o primeiro deles foi ter um servidor mais robusto. Porque a quantidade de acessos a essa checagem foi tão grande. A gente teve… a gente teve mais de 1 milhão de acessos em um fim de semana só com essa checagem. Só essa checagem, não é, tipo, o site inteiro, foi só essa checagem. E derrubou o site (risos). Então, a primeira lição é: tenha um site que suporte grandes picos de audiência. Mas é, na verdade, essa checagem foi num sábado, né? Assim, a coisa começou a escalar numa sexta-feira, com uma nota da Mônica Bergamo, se eu não me engano, que dizia que existia uma juíza, uma desembargadora aqui no Rio de Janeiro, que tava postando barbaridades sobre a morte da Marielle nas redes sociais. E um deputado... é… viu isso, viu esse post e também reproduziu isso no Twitter. Então na sexta-feira à noite tava crescendo no Twitter o engajamento nesse post desse deputado que tinha origem também na nota que foi dada pela Mônica Bergamo que repercutia acriticamente, né, assim, apenas reproduzia aquilo que a desembargadora dizia, que ela… eu não me lembro literalmente o que dizia, mas, né, dizia que ela era ligada ao tráfico, que ela gostava de bandido, defendia bandido, etc e blá blá blá. E aí, é… na… no sábado de manhã, enfim, isso tudo sexta à noite e a gente acompanhando, tipo “coisa estranha, e tal”, isso tá crescendo, esses ataques... mas ainda era algo um pouco minoritário nas redes, entendeu? E aí, no sábado de manhã, o Fernando Rodrigues, do Poder 360 me ligou perguntando se a gente tava fazendo a checagem da declaração desse deputado. É… que se a gente estivesse fazendo a checagem, se eu poderia mandar para ele, pra eles republicarem. E aí eu falei “Não tamos, mas vamos fazer, então”, já que, né, enfim. E aí… isso era assim, tipo 7h da manhã, 8h da manhã e a coisa tinha crescido ao longo da madrugada. E aí comecei a fazer, porque fui eu que… O Aos Fatos ele não tem expediente nos fins de semana. A gente trabalha de segunda a sexta e trabalha ocasionalmente fins de semana quando é necessário. Nesse caso foi necessário e eu recrutei a Ana Rita - que é chefe de reportagem do Aos Fatos, para me ajudar a fazer porque eu já estava fazendo, mas eram várias acusações. Porque era o post da desembargadora citando algumas coisas, era o post do deputado e já tinha se criado uma série de outras fake news com relação à Marielle. Eu não sei se você se lembra que passou a circular uma foto que atribuía ela sentada no colo do Marcinho VP. Mas não era ela e não era o Marcinho VP [Luisa: eu lembro, eu lembro dessa imagem] e isso estava fortemente nas redes. Então a gente tinha que fazer várias checagens de coisas diferentes que apontavam para o mesmo caso. E aí a gente fez e publicou. E aí a gente publicou tudo numa checagem só. Eu lembro até que o título ficou enorme, era tipo “Não, Marielle não é vinculada ao tráfico, não casou com Marcinho VP…não não sei o que não sei que lá”, era uma série de negativas sobre uma mesma coisa e essa checagem bombou. Na verdade o grande desafio dessa checagem, na época, isso foi em março de 2018, né, eu acho, se não me engano, faz tanto tempo.. meu deus, né, pensando em era geológica de tudo que aconteceu depois... Essa checagem ela viralizou de tal forma que ela foi mencionada e reproduzida em vários sites que não estavam preparados para fazer esse tipo de checagem. Porque efetivamente eram muito poucos os sites que faziam checagens sobre essas coisas, que rodavam nas redes sociais. Que eram… né, que, assim… Lógico tinha, tem o E-Farsas, tem o Boatos, que são sites que são sensacionais que trabalham com hoax de internet há muito, muito tempo, mas com uma pegada política, com uma pegada de contexto político, só o Aos Fatos tava fazendo. Então a gente conseguiu fazer isso e foi reproduzido em vários lugares e… e foi muito… foi uma... O que é engraçado, assim, meio...a gente não tinha noção do tamanho e da proporção que essa checagem ia tomar. E o que foi mais interessante pra gente e recompensador foi que essa checagem acho que, se não me engano, é o pessoal da DAPI - da FGV, que tem um gráfico sobre isso, que é o gráfico de desempenho do hoax, a ascensão do hoax nas redes, particularmente no Twitter, eu acho que é o gráfico deles, aí mostra como cresceu o hoax e aí tem um corte temporal de quando foi feita a checagem, publicada a checagem, foi tipo, sei lá, 11h da manhã do sábado. E aí logo depois tem um pequeno pico de distribuição e depois desmonta. E assim, basicamente o que aconteceu foi: a checagem ela impediu que houvesse uma proliferação ainda maior de desinformação sobre esse tema. Então, assim, é um dos poucos cases que tem até hoje de que uma checagem foi essencial e conseguiu parar uma campanha de desinformação sobre, enfim, uma campanha de desinformação política. É muito raro isso acontecer porque a maior parte das vezes as checagens não têm esse poder. Mas é lógico que isso não foi consequência da checagem só, entendeu? Isso foi consequência de algo que é necessário fazer para que seja possível... a verdade factual prevalecer contra as mentiras que a gente vê na internet, que é uma mobilização geral da sociedade de compartilhar ativamente checagem de fatos e contraditar pessoas que estejam compartilhando determinado conteúdo. É lógico que foi uma situação extrema, a gente está falando de um assassinato político, a gente está falando de uma situação que até hoje a gente não tem conclusão sobre o que de fato aconteceu, mas é… me parece que a gente precisa que mais engajamento com checagem de fatos sejam feitas, pessoas estejam mais enganjadas juntas durante um período de tempo especifico pra fazer valer deter... pra fazer valer a narrativa factualmente verdadeira e derrubar aquilo que é falso. A gente aprendeu isso a partir dessa… desse momento e foi uma mudança de mentalidade mesmo pra gente bastante grande sobre qual é a necessidade de checar fatos na hora que eles estão saindo do controle, né. Ou seja, tomando proporções muito grandes nas redes sociais, enfim. A gente não vai mudar as pessoas de ideia, a desembargadora continua - até onde eu sei, publicando certas barbaridades no perfil do Facebook dela, o deputado em questão continua publicando várias barbaridades no perfil dele nas redes sociais, mas, nesse caso em específico, a gente conseguiu fazer... foi bom, foi positivo o retorno.


36:42 Luísa: Assim como nessa checagem de fatos da Marielle, vocês usam os selos, né? De verdadeiro, impreciso… E foi através desses selos que a prática de checagem foi se estabelecendo. Assim, no site de vocês, vocês mostram que o primeiro grande projeto que vocês realizaram foi com a Cidade dos Sonhos, né, com os candidatos a prefeito de São Paulo em 2016. Dessa experiência que vocês tiveram e desses primeiros cinco anos e com a troca de experiências com as outras agências, como é que você vê a importância desse método e quais seriam suas limitações?


37:28 Tai: Os selos eles são sempre um problema... É tipo ame ou odeie, mesmo dentro da redação, sabe? Porque assim, o selo de falso é falso, é fácil de você aplicar um selo de falso, o selo de verdadeiro é fácil de você aplicar um selo de verdadeiro, mas você estabelecer… o contraditório também é fácil, é contraditório, a pessoa está dizendo algo que disse algo diferente antes, no passado, é fácil de comprovar. Mas os selos que demonstram nuance às vezes as pessoas… ainda causa muita confusão no sentido assim: "Por que que vocês usaram o exagerado pra fulano de tal e usaram falso pra outro fulano de tal? Vocês estão passando pano para o primeiro fulano de tal porque vocês usaram exagerado pra um?", mas existem regras, na verdade, editoriais para o uso desses selos. E existe diferença entre algo que é exagerado e algo que é falso. O exagerado, por exemplo, é algo que é quase falso, mas não é porque existe um fundo de verdade. A gente também tem o selo de impreciso, que é um selo que seria quase verdade, mas precisa de uma explicaçãozinha a mais, mas muita gente acha que é pegação no pé. Que é "Como você vai dar um selo de impreciso para algo que é praticamente… o argumento é verdadeiro, ele só usou os números um pouco errados". Então, justamente, é impreciso por causa disso, não é... as pessoas levam pro lado pessoal da coisa, e na verdade, a gente não tá checando o político, a gente tá checando a substância da declaração deles. Só que num ambiente polarizado como o nosso em que a política está extremamente conflagrada, em que as pessoas acham que tudo é uma grande conspiração contra os políticos, né, a gente... apesar da gente ter um projeto que contabiliza todas as declarações falsas e distorcidas do Bolsonaro - e já chegou a mais de 1,5 declarações, volta e meia, quando a gente vai dar algum contexto sobre uma declaração do Bolsonaro que não é falsa, a gente está "passando pano pro Bolsonaro!" Então, assim, é muito difícil comunicar com selos mesmo e eu acho que, no início, era extremamente necessário você ter selos para você indicar onde estavam as imprecisões, onde tava, onde poderia ser melhorado o discurso público, sabe assim? Mas que num ambiente em que muitos dos políticos, e não são poucos, são muitos políticos, usam da mentira pra… como plataforma política, talvez não me pareça tão efetivo assim. Ou seja, um instrumento que é melhor aplicado em situações mais normais, digamos assim, de estabilidade política, de enfim… Quando a disputa política não está… tá mais na substância do que tá dito. Sei lá... Uma das coisas que eu sempre reclamo é hoje a gente está muito refém de checar muito do que a direita fala. Porque a direita, ela acaba conseguindo concentrar a agenda política nela mesma. Eles têm um uso de redes sociais muito grande e eles pautam a mídia de um modo muito eficiente, é tudo muito bem feito no sentido de eles estão ali para chamar atenção a eles mesmos, então tudo parece girar ao redor dessas personalidades, das mesmas personalidades de sempre, que protagonizam as notícias e que cujos discursos e que cujas agendas são mais promovidas e mais midiáticas. Então a gente tem muita dificuldade, por exemplo, de verificar declarações de políticos sobre projetos de política pública, que é o motivo pelo qual o fact checking foi criado. Foi saber se algum gestor, alguma autoridade tava munido dos melhores dados possíveis para construir políticas públicas de governo. E hoje a gente gasta grande parte do nosso tempo checando se, tá, não grande parte do nosso tempo, estou dando um exemplo extremo, mas, assim, a gente gasta nosso tempo checando se a vacina tem um chip do Bill Gates, entendeu? Esse tipo de checagem, eu sei que é ridículo, assim, quando você fala isso e você pensa "Cara, não é possível que as pessoas acreditem nisso". Mas não é só isso nisso que as pessoas acreditam. Elas estão dentro de um contexto que faz elas acreditarem e desconfiarem de rigorosamente tudo. Não é que elas acreditem piamente naquilo, mas é porque elas recebem uma enxurrada de desinformação tão forte que elas ficam desnorteadas e tudo parece crível e tudo parece uma grande bobagem ao mesmo tempo. Então assim… os selos acabam sendo secundários nessa questão. A gente já pensou várias vezes em revisar os selos e pensar em fazer alguma coisa assim "ah é verdadeiro e falso" e a gente cria um selo ali no meio que diz que é um selo do tipo "tome cuidado" ou "existe problemas aqui", mas nos fins das contas, os políticos continuam dizendo coisas exageradas. Os políticos continuam dizendo coisas insustentáveis e imprecisas, e a gente precisa usar esses selos para mostrar isso. A gente não pode pautar o nosso processo editorial pelo fato de que o ambiente de debate de política tá tão ruim e que a gente não consegue verificar dados sobre políticas públicas porque simplesmente elas não são discutidas, que a gente tem que mudar o nosso método. Na verdade, a política tem que mudar e tem que voltar a ser um ambiente de discussão qualificada, em que a gente possa checar as declarações de políticos qualificados e dizer onde que existe erro ou não, e não onde existe delírio (risos) e completo descompromisso com a realidade, entendeu?


44:34 Luísa: E você também é a idealizadora do Projeto Radar, né, que foi lançado esse ano e nele vocês trabalham com um conceito diferente dos selos, vocês trabalham com a nota da qualidade da informação. O objetivo acho que é destacar o que a gente chama de informação de baixa qualidade, né? Esse é mais um termo pra desinformação, pra fake news? Como é que vocês chegaram nesse conceito?


45:02 Tai: O problema da desinformação é que ela... nem tudo é verificável, né? Assim, você tem evidentemente teorias da conspiração ou você tem declarações e posts nas redes sociais que são falsos, tipo: "distanciamento social não faz diferença na pandemia". Isso é uma declaração recorrente e todo mundo sabe que é falsa, é falso. Mas dentro dessas várias é… como eu posso dizer, dentro dessas várias informações que circulam nas redes a respeito do mesmo tema, como por exemplo, o coronavírus, você vai encontrar peças de baixa qualidade, digamos assim, que tendem a ser desinformativas, mas não são passíveis de checagem, então a gente não tem como comprovar grande parte das coisas. Além de tudo, quando você lida com desinformação, o problema da desinformação, ele é uma parte do problema de um problema maior que é a poluição informacional. Então num ambiente fragmentado de redes, é… você pode... uma informação verdadeira e factualmente correta produzida por profissionais, enfim, jornalismo, compete da mesma maneira que uma informação falsa que é produzida por você não sabe quem, com que intenção, enfim, mas tão lá, tão todas juntas, dentro do mesmo bololô de informação que é uma rede social. Discernir o que que é verdadeiro e o que é falso dentro disso é um trabalho secundário porque muitas pessoas elas estão nas redes e são alimentadas por conteúdos de baixa qualidade - e que não necessariamente são patentemente falsos, mas fazem uso de linguagens alarmistas ou uso de vocábulos que são cheios de subjetividade. Por exemplo "vírus chinês". Alguns negacionistas da pandemia, eles usam essa palavra, tudo bem, o vírus é chinês porque teve origem na China, mas eles não usam isso para situar a origem do vírus. Eles usam isso pra politizar e pra criar uma narrativa, que aí é sim é desinformativa, e que aí sim, pode ser, pode ser ou não desinformativa, mas é desinformativa pela substância e o significado da palavra em si, que não é verificável. Se a gente for verificar vírus chinês, é verdadeiro, o vírus é chinês. Mas a aplicação dessa palavra é… tem conotação desinformativa. Ela serve para um propósito que é criar uma noção narrativa desinformativa. O mesmo vale para vários outros tipos de vocábulos. Eu uso vírus chinês porque talvez seja o mais evidente, mas a gente já tem vários outros léxicos dentro do negacionismo da pandemia, por exemplo, que é, sei lá, “vachina”, que é a vacina chinesa, que muitos dos questionadores da pandemia usa. “Fraudemia”, é outra palavra. São palavras que chamam a atenção das pessoas para dentro de contextos desinformativos, mas assim, isso não é passível de checagem. Então, a gente, no Radar a gente usa esses padrões linguísticos que são muito relacionados a alguns tipos de conteúdos que são desinformativos, mas que não necessariamente são passíveis de checagem ou que a gente não tenha capacidade de checar todos eles, porque também tem isso, né, existe muito mais informação falsa circulando do que checadores capazes de desmenti-las a todo tempo. Então, o Radar, na verdade, um dos objetivos do Radar é mostrar que existe essa proliferação e esse universo todo de desinformação é… que tá por aqui, enfim, que existe, é… e como que essas desinformações circulam de modo diferente a depender das redes. Porque na verdade, uma das coisas que me incomodou muito, sobretudo depois das repercussões das eleições de 2018, foi que a culpa era do WhatsApp. E que a culpa era da tia do WhatsApp, e das pessoas que compartilhavam informações falsas no WhatsApp. E não é! A desinformação ela tá dentro de todas as plataformas. Ela... na verdade, ela só é eficiente porque você recebe alguma coisa no seu WhatsApp, alguma coisa falsa no seu WhatsApp e ai você abre o seu Facebook e informações muito semelhantes àquelas que tão no WhatsApp, que têm uma narrativa parecida, mas as vezes é uma estética diferente, são produtores de informação diferentes, mas tá lá no Facebook. E aí você abre o seu Instagram e é a mesma coisa, e aí você vai no Google e busca por alguma informação sobre aquilo e o Google te traz a busca personalizada de acordo com as afinidades que você tem. Então, assim, é muito difícil de você sair de um ambiente desinformador. Porque as pessoas não caem em fake news, elas estão rodeadas de desinformação o tempo inteiro. Porque a desinformação é uma maneira das pessoas... é... como posso dizer, compartilharem valores é... juntos, né? É um compartilhamento de afinidades, e o que as redes sociais fazem é justamente aproximar pessoas que têm afinidades. Então elas acabam compartilhando também desinformações por terem graus de afinidade e por conta disso. O Radar ele vem pra mostrar que está em todo lugar, as narrativas são muito parecidas, só mudam o formato, a mídia, mas que o problema, ele é endêmico em todas as plataformas. Não adianta combater a desinformação no WhatsApp porque ela vai tá em outra plataforma também, ela vai migrar pra outra plataforma, ou o tipo de desinformação que vai estar na outra plataforma talvez é até mais grave ou diferente. A gente vê a quantidade de conteúdo desinformativo no Youtube, é um negócio assustador. E existe muito pouco conteúdo jornalístico verificado, bem feito, enfim, no Youtube, para contraditar isso. Com o Radar isso ficou bastante claro.


52:23 Daniel: E você falou muito sobre a questão agora de desinformação e fake news. O que você acha do termo ‘Fake News’? Você acha esse termo válido ou não gosta muito dele?


52:38 Tai: Olha, assim, eu, a gente no Aos Fatos a gente evita usar, porque justamente é uma expressão que foi politicamente disputada. O Trump nos Estados Unidos usa fake news para dizer que é algo com que ele não concorda, não é, como se fosse uma espécie de xingamento, né, como se fosse uma espécie de acusação de produzir algo que é desfavorável a ele, enfim. Fake news é notícia falsa na tradução literal, e notícia falsa na tradução literal é apenas um aspecto no universo inteiro de desinformação, né? Hoje a gente tem desinformação, correntes do WhatsApp são desinformativas e não necessariamente são notícias falsas. Memes, imagens, vídeos, eles não necessariamente são notícias falsas, eles são desinformação. Então assim, é uma linguagem que simplifica muito algo que não é um fenômeno. Que foi um fenômeno particular dos Estados Unidos em 2016 porque de fato existiam sites que publicavam notícias falsas lá, né? Um problema de 2016 foi sobretudo esse. Foram indústrias de sites mesmo que produziam notícias falsas com finalidade de monetizar, né, mas esse não é o problema no Brasil. Quer dizer, é um dos problemas do Brasil, existem sites muito problemáticos e que são feitos para ganhar dinheiro sim, com narrativas falaciosas, mas é… o problema não é só esse. Então acaba sendo, além de politicamente contaminado, o termo, acaba sendo... não tratada a questão de modo macro, né? Não trata a situação como deveria ser, que é uma quantidade muito maior... desinformação é algo que contempla uma quantidade muito maior de falsidades que circulam na redes do que apenas notícias falsas.


54:54 Daniel: Você acabou de falar sobre a questão do Whatsapp, porque muita gente considera o Whatsapp o vilão da internet, né? Que é lá que surge, que todas as fake news surgem e é por lá que elas circulam, sem ter ninguém pra vigiar. E depois das eleições de 2018, as pessoas ficaram com essa sensação de que nada podia ser feito pra melhorar o Whatsapp nesse aspecto. Então você considera que o trabalho feito pelo Aos Fatos contribui pra mostrar que tem sim espaço para atuar no Whatsapp contra a desinformação? Porque tem muitas pessoas que elas, por exemplo, que compartilham um link do Aos Fatos no Whatsapp, por exemplo. Vocês acham que o trabalho de vocês pode ser suficiente pra dar uma freada nas fake news pelo Whatsapp?


55:51 Tai: Eu acho, o trabalho de checagem ele… sozinho é muito difícil... porque na maior parte das vezes a checagem não chega nas pessoas que mais precisam. O principal, como eu posso dizer, o principal público alvo de determinadas peças de desinformação são grupos extremamente fechados. E quando eu falo grupos, é grupo de WhatsApp, é grupo no Facebook, são comunidades mesmo, criadas na vida real, não é só tipo, é gente que sei lá, vai a igreja, é gente que partilha de valores que são muito particulares dessas comunidades, entendeu? E que, de tão fechados que são, não existe espaço pro contraditório sobre determinados fatos. Então, assim, o que a gente precisa ter em mente é que a gente precisa trabalhar com aquilo que é possível, com a audiência possível. Vai ser muito difícil furar a bolha dos mais radicais. Vai ser muito difícil fazer com que pessoas, que, por exemplo, acreditam em teorias da conspiração QAnon, você coloque uma checagem de fatos na frente dela e ela vai pensar "Ah, não, é, realmente é falso”. Não é. Da mesma maneira que a boa info… estar bem informado é uma construção contínua, você não se informa bem apenas com uma notícia, você lê as notícias e se mantém bem informado a longo prazo. O mesmo vale pros valores que são compartilhados por esses grupos mais extremistas. Então, ou se faz um trabalho de aproximação de grupos extremistas bastante longo e possivelmente muito perigoso, dependendo do grupo extremista de quem a gente está falando, pra convencê-los de que “Olha, essa conspiração ela não existe, não existem autoridades que secretamente se reúnem para explorar crianças e fazer cultos a Satanás”, Sabe assim? Do tipo, é nesse nível de loucura, não é com essas pessoas que provavelmente a gente vai tá conversando. O que a gente mais precisa hoje... a gente sabe que o Brasil, por exemplo, por mais que a gente tenha um governo de extrema direita, a gente sabe que o brasileiro não é de extrema direita e que não necessariamente todos os brasileiros concordam com a pauta do governo e sobretudo com as diversas mentiras que o Bolsonaro diz, por exemplo. A gente sabe disso. Então, a gente precisa alcançar justamente essas pessoas que estão em dúvida ou que pensam "Ah não, mas ele está só exagerando com relação a isso" e mostrar pra essas pessoas as checagem de fato e introduzi-las, introduzir essas pessoas a um consumo de informação saúdavel, à necessidade de ler jornais, à necessidade de ouvir rádio, de ver televisão. Dizer que você não precisa concordar com todas as informações que você recebe, que o mundo é ruim mesmo, vai ter má notícia, sabe? Vai ter muita má notícia e você precisa aprender a lidar com essas frustrações. Acho que tem um componente aí de educação, sobre como lidar com as informações que você recebe. Acho que esse trabalho é mais essencial e a checagem de fatos tem esse potencial. Mas só o Aos Fatos não é eficiente pra isso. É muito necessário que todos os veículos tenham iniciativas de checagem de fatos para que você possa mostrar que, você mostra aqui "Olha, o Aos Fatos mostrou que isso é falso" e aí a pessoa "Ah, mas o que é o Aos Fatos? Eu não acredito no Aos Fatos". Mas aí você vai e pega "Ah não, o Fato ou Fake também fez e mostrou que é errado" ou "Ah, não sei o quê, o Comprova foi lá e mostrou que tá errado" e aí construindo uma relação de confiança a partir de várias fontes de informações diferentes. O que as pessoas precisam pra elas estarem bem informadas não é se informar por apenas um lugar, um veículo. É elas terem noção que elas precisam ouvir vozes diferentes e a partir disso tirarem suas próprias conclusões a partir de fatos verificados profissionalmente. E que.. tudo bem não ter opinião sobre tudo e tudo bem achar que está tudo uma bosta porque tá, entendeu? (risos) E é isso, é difícil, e numa época de crise isso é ainda mais difícil, mas é um processo. E a gente tem que lembrar também que na verdade a gente está dentro de um processo de revolução informacional. E é uma coisa que a gente fala pouco. E que a gente fica tipo "ai, é o apocalipse informativo, todos acreditam em fake news, onde vamos parar?". E na verdade, a inclusão digital do brasileiro efetiva se deu nos últimos dez anos, com os smartphones. Antes dos smartphones, os brasileiros mal tinham internet nas suas casas. Em geral eles iam em lan houses para consumir internet. Em geral eles consumiam internet no trabalho, eles não tinham internet em casa. Então é uma novidade pro brasileiro de modo geral receber informações diretamente num dispositivo que ele carrega pra todo lugar. Então, assim, a gente também tá passando por uma fase de adaptação e que pode ser que melhore - pode ser que não, sei lá, pode ser que piore. Eu não sei o que vai acontecer daqui 10 anos, o que vai ser o smartphone da próxima década, sabe? Mas é… isso também faz parte de um processo, de se acostumar a lidar com o excesso de informação também.


1:02:42 Daniel: Você falou também sobre... que.. todos os veículos assim poderiam, né, fazer tipo essa cadeia de ... Porque agora todos têm sua própria agência de checagem. Tem o Aos Fatos, Lupa, tem a Boatos, também, então só vai se concretizar quando muitas pessoas verificarem essas notícias. E a gente notou, que, recentemente também que vocês fizeram uma parceria com o TSE e vocês acham que essa parceria pode ajudar nesse sentido? E como essa parceria foi feita? O que vocês esperam dela?


1:03:24 Tai: A gente tem uma parceria com o TSE já faz uns anos. É.. no início de 2019, a gente fez uma primeira parceria com eles pra que eles ouvissem da gente soluções e como que a gente poderia atuar juntos pra combater a desinformação. No caso da parceria com o TSE, o que… grande parte do motivo dessa parceria... porque as eleições são municipais, né? Então, o TSE ele não tá tanto em evidência quanto os TREs locais, né? Então você precisa de uma articulação um pouco maior e mais complexa pras eleições municipais. Eu costumo dizer que cobrir eleições municipais é muito difícil porque são várias eleições simultâneas, diferentes, enquanto cobrir uma eleição nacional, por maior que seja a repercussão, é uma eleição só, né? Então, assim...o que o TSE não queria era repetir os erros do passado que foi subestimar o poder da desinformação não contra os candidatos em si, mas contra a própria corte e a própria segurança do voto. Então, essa parceria com o TSE, ela continua nesse sentido. Ela continua acontecendo pra que desinformações sobre fraudes nas urnas eleitorais, sobre é… as urnas já estarem programadas com votos pra determinado candidato, ou sobre as urnas não são seguras, são hackeáveis e podem ter interferência externa na contagem de votos. E... enfim, com um elemento, esse elemento ainda da pandemia, eles têm muito medo de que se crie um pânico sanitário mesmo, assim do tipo “Ah, as zonas de votação são pólos de disseminação de covid”, sabe, assim? Pra esse tipo, pra evitar esse tipo de campanha, o TSE articulou uma rede de checadores que já tinham se articulado durante o primeiro e o segundo turno de 2018 numa espécie de coalizão contra desinformação, que se proliferou muito às vésperas do primeiro e do segundo turno das eleições de 2018, que foram momentos muito difíceis em termo de desinformação. Assim, a desinformação que circulou no sábado, na véspera da eleição e no dia da eleição em 2018 foram coisas assustadoras. E o TSE, na época, não tinha estrutura pra responder a quantidade de solicitações e esclarecimentos que a gente tinha solicitado pra eles. Assim… existiam pessoas votando com arma na mão, existiam pessoas publicando é... aquele.. uma espécie de extrato, aquele papelzinho que sai da urna eletrônica quando finaliza a votação, que é basicamente o termo que mostra que aquela urna foi encerrada e lacrada, e tá pronta pra ser enviada pra contagem de votos. Tinha gente atribuindo aquilo, mostrando que aquilo dizia quais eram os votos que tinham sido feitos pra cada candidato. Enfim, era uma loucura de desinformação e no caso da eleição presidencial você tem eleição, sei lá, no Japão. Então, quando tava abrindo urna aqui, já tinha urna fechada no Japão e tavam divulgando nas redes sociais o resultado da eleição no Japão. Então, era uma coisa, uma crise de segurança de informação muito grande que o TSE não conseguiu é... controlar. Hoje eu acho que existe um entendimento um pouco melhor. Assim, não ponho minha mão no fogo por ninguém, porque afinal de contas tudo pode acontecer, mas é, hoje eu acho que hoje há um entendimento maior de que é preciso se precaver porque a desinformação vai acontecer e o que eles precisam é ter respostas prontas na hora pra mostrar que determinadas informações que estão circulando são falsas, ou não são confirmadas, e que não devem ser disseminadas, enfim.


1:08:08 Daniel: Você falou muito agora do TSE - a questão do que eles aprenderam com as eleições de 2018. E o que vocês acham que o Aos Fatos pode ter aprendido de lição com as eleições de 2018?


1:08:24 Tai: A gente aprendeu muita coisa. Foi uma curva de aprendizado muito grande. Porque, assim, a eleição pra gente em 2018 ela não começou na campanha oficial, né? A eleição começou no início do ano. Então, quando a gente, por exemplo, firmou uma parceria com o Facebook, que a gente tem até hoje, pra checar fatos dentro do Facebook e mostrar o que que é verdadeiro e o que que é falso ali dentro, a gente foi muito atacado por movimentos como o MBL e outras milícias digitais. A gente recebeu ameaças físicas…Não fomos ameaçados fisicamente na rua, mas assim, a gente recebeu ameaças pela internet do tipo “Se eu te encontrar na rua, eu vou acabar com a sua raça”. Ameaça de morte, a gente foi alvo de doxing, vários dos nossos dados foram colocados públicos. É… imagens desabonadoras, declarações que pessoas deram no passado e que, na verdade, não tinham… Tipo assim: declarações que foram consideradas problemáticas contra a gente. “Ah, nós somos pró comunidade LGBTQ”. Isso pra eles era uma ofensa, era algo assim do tipo… Eles colocaram isso dentro de um dossiê dizendo que a gente era de extrema esquerda porque a gente era porque a gente simpatizava com a causa dos LGBTQs. E é o tipo de coisa que você fala “Sim, nós simpatizamos com a causa dos LGBTQs”. Enfim, onde que isso é um xingamento? Mas isso pra eles era um xingamento, entendeu? E, então, enfim, uma série de outras coisas que aconteceram e que a gente passou por um processo bem traumático por conta disso. A gente foi atacado durante o período do pleito inteiro. Então, na verdade, eu acho que nosso maior aprendizado... Isso não passou, a gente continua sendo alvo dessas campanhas de ódio. Volta e meia a gente até hoje sofre assédio judicial de alguns… é políticos, alguns com mandato, pessoas ou funcionários públicos e tal e não sei o quê... E não concordam com o que a gente publica e acionam a gente na Justiça. A gente tá respondendo, até onde eu sei, quatro processos diferentes no momento. É... e isso é evidentemente problemático. O Aos Fatos é uma operação pequena, é uma empresa pequena. Uma coisa é você processar, sei lá, a Folha, a Globo e tal, não sei o quê. O Aos Fatos, nós somos pequenos, nós somos processados, somos atacados nas redes e etc e tal. Então a gente teve que criar protocolos internos sobre como lidar com esse tipo de ódio nas redes. De como... não dar trela pra esse tipo de coisa, ou não levar tão a sério porque a gente não sabe no fim das contas se aquilo… o quão artificial é aquilo, se aquelas pessoas existem de fato e quem tá por trás daquilo também a gente não sabe. Então, hoje em dia, por mais esquisito que possa parecer, e não deveria ser assim, eu sei, eu não deixei de usar, eu não fechei o meu Twitter, assim, eu tenho minhas outras redes fechadas, eu tenho o meu Instagram fechado, eu tenho o meu Facebook fechado, mas eu não deixei de usar o Twitter. Por quê? Porque eu não vou deixar de usar por causa disso. Então eu recebo xingamentos e tal, não sei quê, vejo umas coisas bem problemáticas lá de vez em quando... sei lá, uma vez por mês acontece uma campanha de ódio contra mim ou alguém da minha equipe e, enfim… Vida que segue, entendeu? É um aprendizado - péssimo, porque não deveria ser assim né.. Deveria ser um ambiente em que esse tipo de coisa não fosse permitido, mas enquanto é, eu não vou deixar de postar minhas coisas, postar o meu trabalho e as minhas impressões sobre a vida, porque eu posto, eu não uso o Twitter não só pra falar de trabalho. Eu acho, enfim, que eu tenho a liberdade de falar o que eu quiser e assumir as consequências, lógico, e vai ser assim. Mas a gente tem protocolos de segurança hoje que a gente teve que desenvolver e dar… Assim, toda pessoa que é contratada no Aos Fatos tem que passar por uma série de recomendações, do tipo “Evite dar opiniões é… que fazem parte do escopo de seu trabalho.” Assim não... não... “Opiniões muito polarizantes.. é possível que não dê nada num certo momento, mas em algum momento no futuro alguém vai lá vasculhar o seu passado e vai ver o que você falou em 2003 num fórum obscuro da internet, entendeu? Então, assim, esteja ciente de que essas coisas vão acontecer e se proteja. E, se precisar, a gente dá assistência psicológica, enfim, alguma coisa assim, mas é isso. O aprendizado maior na verdade foi esse, porque em termos de desinformação e procedimentos e, enfim, percepção de como que as coisas estão funcionando, a gente vive uma grande campanha desde 2018 até hoje, né?. Então assim, em termos de substância editorial da coisa não mudou tanto.


1:14:19 Daniel: E você falou né, sobre a equipe do Aos Fatos ser pequena. Como você acha que ela se difere de quando o Aos Fatos foi fundado do que é hoje? Como vocês evoluíram nesse sentido?


1:14:34 Tai: Nossa, muito. É.. o Aos Fatos começou com duas pessoas: eu e o Rômulo, que é diretor de tecnologia do Aos Fatos. Ele é desenvolvedor e ele é responsável por praticamente toda essa pegada mais tecnológica que a gente tem. Assim, eu gosto muito de tecnologia e eu gerencio os projetos de tecnologia, mas a pessoa com quem eu falo do tipo: “É possível fazer tal coisa?” é o Rômulo. Então, assim, é uma coisa mais ou menos assim. Hoje, o Aos Fatos tem 18 pessoas, eu acho, se não me engano. É uma diferença bastante grande. E cresceu bastante muito em função do projeto do Radar, né? Que a gente começou a desenvolver no ano passado. Então eu acho que eu diria que a grosso modo, de modo bastante ignorante assim, metade do Aos Fatos é a redação editorial tradicional que faz checagem e investigação de desinformação e etc e metade é o Radar, que é a unidade de inteligência, que produz relatórios e faz acompanhamentos macro de redes sociais pra é… identificar campanhas desinformativas e entender quais são os principais atores que tão disseminando determinados, determinadas peças e versões de desinformação e dar um sentido macro praquilo que a checagem não consegue dar. A checagem ela atua num sentido micro, ela atua num sentido quase de jornalismo de serviço, que tá ali pra informar a pessoa sobre uma determinada coisa. O Radar dá uma dimensão mais macro do que tá acontecendo dentro de temas específicos.


1:16:17 Daniel: Como você falou, agora vocês têm 18 pessoas na equipe, mais ou menos, e o financiamento então provavelmente vem crescendo, tendo em vista as parcerias do Aos Fatos. Vocês veem isso como um sinal de que estão assim em um bom caminho?


1:16:35 Tai: Eu vejo como… A grande parte do financiamento do Aos Fatos vem de empresas de tecnologia que necessitam da consultoria do Aos Fatos pra entender o fenômeno da desinformação e como que a desinformação afeta suas plataformas. Então, por exemplo, a gente tem essa parceria com o Facebook, que é uma parceria de checagem de conteúdo dentro da plataforma. Como o Facebook...assim, lógico, o que acontece é: o que a gente vê na nossa cara é pessoas que eventualmente compartilharam informação falsa ou distorcida dentro da plataforma são avisadas de que aquela informação é falsa ou distorcida. Mas é óbvio que a gente checa e os padrões de desinformação que existem, que eles veem a partir do trabalho de um conjunto de checadores, porque não é só o Aos Fatos que faz isso. Isso é um programa mundial. Eu nem sei mais quantas iniciativas de checagem no mundo inteiro fazem parte desse programa. É lógico que o Facebook faz uso desse tipo de trabalho pra subsidiar suas polices internas com relação a conteúdo desinformativo dentro da plataforma. Todas as plataformas tão muito preocupadas com isso. Agora, se elas tão preocupadas com isso por motivos legítimos ou ilegítimos, isso é discutível. Tem plataforma, que, né, enfim, que não pode se dar ao luxo de ter só conteúdo desinformativo porque o seu apelo comercial, seus ativos, os dados que elas têm… Imagina o Google ser um grande buscador de conteúdo fraudulento? Não serve pra nada, entendeu? O Google precisa trazer resultados bons o tempo inteiro pra se manter relevante. Não adianta nada você ir lá e buscar, sei lá, a terra é plana e aparecer um resultado falando: “É, a terra é plana”. Assim, a função da plataforma (risos) falhou miseravelmente. Então assim, hoje a gente tem muitos... (não muitos clientes, porque não são tantos clientes assim), mas assim, a gente vê muito interesse das plataformas nesse tipo de consultoria e aconselhamento. A gente também é financiado pelo público, né, a gente tem um programa de membros e é isso.. Assim, a gente, a nossa produção é subsidiada sobretudo por isso: por inteligência, por produção editorial e por apoio de membros. E tem crescido, é bom. E tem crescido porque o problema não tem diminuído, inclusive. Então, assim, enquanto houver esse problema de desinformação, e ele não vai embora, ele não é uma coisa que “Puff, o Trump saiu da presidência dos Estados Unidos acabou a desinformação”. Não, não existe isso. E, quer dizer, eu nem sei se isso vai acontecer, mas, mesmo que aconteça, não vai embora, né? As coisas chegaram numa proporção - sobretudo nos Estados Unidos, e eu falo dos Estados Unidos porque infelizmente as plataformas elas se pautam exageradamente dentro da realidade americana. A despeito de todas as variáveis regionais de outros países, as decisões são muito tomadas com base na realidade americana. Então, o que a gente vê hoje é que essas ações que o Facebook faz, que anuncia que removeu comunidades QAnon; ou que o Twitter anuncia que tá deletando conteúdos falsos sobre vacina ou sobre violência… Isso tudo é pra atender um público específico que é o público americano. A gente não sabe se isso vai acontecer aqui no Brasil, sei lá, em 2022. Ou se se eles vão aperfeiçoar esses métodos de combate à desinformação pras eleições de 2022. Eu tô falando Brasil de 2022 porque a gente é um mercado grande pra eles, mas tem eleição na França ano que vem, tem outras eleições muito grandes no ano que vem que vão acontecer e que também vão ser um grande teste pras redes sociais, então. É um processo contínuo, é difícil dizer quando que isso vai acabar e se a equipe do Aos Fatos vai crescer em função disso. É… a gente sempre tá procurando inovações e novos meios de combater e entender o fenômeno, porque mesmo entender o fenômeno é muito difícil. Cada país é um país, cada… o Brasil é um país continental, cada desinformação que circula num lugar não necessariamente circula em outro e por aí vai.


1:21:39 Daniel: Já que você mencionou outros países: França, Estados Unidos… O que você acha que difere a nossa checagem do Brasil dos outros países?


1:21:51 Tai: Ai, é tão difícil dizer isso.. Porque, assim, muita… muitas das desinformações que a gente vê hoje no Brasil, elas são importadas. Você pega todo esse movimento anti-vacina ou movimento anti-máscaras e isso é muito americano. Isso começou nos Estados Unidos e isso foi importado pra cá. Ao mesmo tempo, a gente… o brasileiro, ele adapta à realidade local determinados boatos, né? Por exemplo, uma coisa que a gente viu mês passado ou retrasado, enfim, foi relativamente recente, que é, por exemplo, esses movimentos QAnon, que são movimentos de conspiração extremista, que acreditam que existe um deep-state americano em que autoridades como Bill Clinton, Bill Gates, sei lá, enfim, Hillary Clinton, é… enfim, sei lá, Tom Hanks (risos), enfim, tipo atores de Hollywood, autoridades, pessoas do mainstream, digamos assim, do establishment americano fazem parte de uma seita satânica que explora crianças através de tráfico de crianças pra fins de pedofilia, assim, existem, enfim. Grosso modo, a conspiração é essa, mas tem várias coisas, né, e aí, por exemplo, tem a questão da vacina do Bill Gates, que também faz parte dessa conspiração, dos microchips da vacina do Bill Gates que fazem parte dessa conspiração também. Isso foi importado pro Brasil, não desse modo. Quer dizer, lógico, você vai ver o microchip do Bill Gates também em certos boatos que você vai ver na internet. Mas no mês passado ou retrasado, surgiu uma… um boato de que os ministros do Supremo eles todos receberam... fizeram encontros com João de Deus, né, que foi condenado por conduta sexual inadequada, crime sexual, enfim, eu não sei exatamente o termo que ele foi condenado, é... pra abastecer uma rede de pedofilia. Então assim, eles adaptaram o contexto local pra uma conspiração que veio de fora. Mas a gente tem desinformação que é coisa nossa também, né, quer uma desinformação mais coisa nossa que kit gay, por exemplo? Então, assim, varia, sabe? E como os países lidam entre si é muito difícil porque depende muito da circunstância em que determinados processos estão acontecendo. É… eu lembro que na época da eleição do Macron, na França, foi logo depois da eleição de Trump, se não me engano, ou logo antes, enfim, esperava-se que haveria um grande maremoto de desinformação na França por conta da eleição de primeiro-ministro lá. E no fim das contas não teve nada disso. Na verdade.. assim, teve desinformação sim, mas não foi algo que foi tão problemático assim pro resultado das eleições. A gente tem o caso clássico do Brexit, no Reino Unido, que é anterior à eleição do Trump, inclusive, e posteriores eleições, né? E como isso se desdobrou e até hoje se desdobra em movimentos cada vez mais fragmentados. Hoje o Reino Unido passa por um processo de contestação de saída da União Europeia porque os outros “reinos unidos” (risos) à Inglaterra eram contrários à saída da União Europeia. Então, assim, é… isso varia muito do contexto local, enfim. É lógico que existem pautas comuns e essas pautas extremistas anti-gênero, anti-minorias, contra negros, contra indígenas, elas são muito… você vê isso em praticamente todos os ambientes mais radicalizados, independentemente dos países, né?. Então, o que acontece é que cada país adequa a desinformação ao seu conteúdo, ao seu contexto local. Tipo, sei lá, incêndio no Pantanal, incêndio na Amazônia, né? Que é algo nosso mas que, enfim, é uma desinformação que outros países da América Latina também foram impactados por esse tipo de desinformação também, países que são fronteiriços com o Brasil e que têm a Amazônia também. Então assim… É isso. Existem componentes comuns, mas em geral a desinformação pra ela ser mais bem… como eu posso dizer, mais convencedora, sei lá, enfim, mais crível, ela tem que se adaptar ao contexto local também.


1:27:24 Daniel: E você acha que hoje o jornalista, ele trabalha mais pra levar informação ou pra combater desinformação?


1:27:34 Tai: Eu acho que o jornalista trabalha mais pra levar informação, assim. Os checadores são uma parte cada vez mais relevante do jornalismo, é lógico, eu acho que... sim, a gente acaba tendo... ficando refém de ter que explicar o que é verdade e o que não é. E não só checadores. Jornalistas que tão na rua, é… analistas que tão na TV, no rádio e tudo mais é função deles também explicar e dar contexto. Mas isso sempre foi uma função do jornalismo: dar contexto, sabe? Então acho que pela natureza fragmentada do jornalismo na internet, isso acabou se perdendo um pouco, porque, né, você lê uma matéria que tá num link e a análise sobre aquele tema às vezes tá num outro link e que você não lê, né? Então essa coerência editorial a gente perdeu muito. Mas eu acho que os jornalistas continuam, a despeito de todas as dificuldades, e elas são várias, né? Porque, enfim, as redações tão sofrendo problemas financeiros graves, eu acredito que o jornalista - a função, continua sendo e sempre será a de trazer informações novas e importantes sobre os fatos. Toda função de jornalismo ela é uma função reativa: Você precisa que fatos aconteçam pra que você reporte sobre eles. Então assim, no caso dos checadores, eles apenas um tipo de jornalismo em que você precisa que um fato, no caso a mentira, aconteça pra que você faça seu trabalho. Mas se você é um jornalista investigativo que atua na área de corrupção, você precisa que a corrupção aconteça e que as investigações sejam conduzidas pra que você consiga reportar o seu fato. Então assim, eu não vejo muita diferença nisso. É lógico que se você tem um governo que é baseado e recorrentemente se utiliza de mentiras, o seu trabalho acaba ficando um pouco mais refém de dizer que tais coisas são mentiras. Mas isso é importante também. Isso é cobertura de política, isso é cobertura de governo. É um tipo de governo. E ele tá lá e ele foi democraticamente eleito, o que que a gente pode fazer?




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