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AzMina: comunicação e tecnologia para o jornalismo feminista


Por Karen Rodrigues e Mariana Trindade

Outubro de 2020


A Revista AzMina, criada em 2015, tornou-se em poucos anos um dos veículos de referência na cobertura de questões de gênero no Brasil. Nesta entrevista concedida em 2020, no auge da pandemia, Thais Folego Gama, na época integrante da diretoria, conta como são elaboradas e pensadas as reportagens de jornalismo feminista (como o site apresenta seu trabalho), assim como as múltiplas atividades realizadas pela equipe, como campanhas com hashtags nas redes sociais, o aplicativo PenhaS, para enfrentamento à violência contra a mulher, o Elas no Congresso, para acompanhamento dos projetos de lei que se referem a questões das mulheres e gênero, assim como o Mapa das Delegacias das Mulheres e o Divã d'AzMina. Além disso, há colaboradoras que contribuem com artigos. São projetos que têm como pilar unir comunicação e tecnologia. Em 2017, foi criado o Instituto AzMina, que engloba todas essas atividades, inclusive a Revista AzMina, como organização não governamental sem fins lucrativos. O projeto conta com o apoio de fundações do terceiro setor e até do Google News Initiative, como para o Elas no Congresso (o site do Instituto divulga em sua aba de transparência os dados sobre os financiadores e o público). 


O projeto possui uma identidade visual bem marcada, como lembra Thais Gama na entrevista, utilizada nas diferentes formas de comunicação, o que ajuda na atração da audiência (nos vídeos, por exemplo, há colagens, animações, trilha sonora etc., com uma linguagem leve e movimentada). As ações em hasthtags contribuem nesse sentido, de busca de maior interação, e o Divã d`AzMina cria um canal direto com o público. O jornalismo se torna, assim, uma das ferramentas de atuação nesse conjunto, embora central. No governo Bolsonaro, o site foi alvo de tentativas de censura pela maneira como aborda a questão do aborto, buscando divulgar de forma aberta e abrangente informações sobre os direitos das mulheres no país.


Na entrevista, Thais disse que acredita que o trabalho d'AzMina vem contribuindo para modificar a percepção inclusive da grande imprensa sobre questões de gênero no país e fala da preocupação com a diversidade desde a elaboração das pautas, levando em conta as diferentes interseccionalidades que impactam o cotidiano das mulheres. 




Transcrição da entrevista com Thais Folego Gama, da Revista AzMina 

Coordenação do projeto: Profa. Rachel Bertol 

Roteiro: Rachel Bertol, Karen Rodrigues e Mariana Trindade 

Realizada por Karen Rodrigues e Mariana Trindade 

Revisão da transcrição: Rachel Bertol e Mateus Stögmüller (bolsista) 


Clique aqui para acessar à transcrição da entrevista em versão PDF.


[0:12] Karen: Bem, queria agradecer primeiro por você tá aqui, aceitado nosso convite é uma honra para gente. Então a gente vai começar um pouco contextualizando sobre a sua vida, tá bem? 


[0:27] Thais: Tá ótimo gente, enfim, desculpa ai pelo vai e volta, a gente é uma equipe super pequena, então, a gente vai conversar vocês vão entender um pouco o contexto, pra gente também é uma super honra fazer parte, principalmente de um projeto como esse que justamente, enfim, está procurando documentar isso, e pra gente é super importante, mídias independentes que têm uma história breve ainda mas têm uma história a ser contada e dividida, então pra gente também é uma super honra. 


[1:02] Mariana: Eu queria que você falasse um pouquinho sobre sobre a sua origem, seu nome completo, sua idade e qual a atividade dos seus pais. 


[1:02] Thais: Meu nome nome é Thais Folego Gama, eu tenho 32 anos, minha origem, eu nasci aqui em São Paulo, mais precisamente, na região do grande ABC, que é a região metropolitana aqui da cidade, da capital, cresci na cidade de Mauá, no subúrbio de São Paulo, na periferia, e meus pais, eu venho de uma família birracial, meu pai é negro, minha mãe é branca. Minha mãe é nutricionista e meu pai, ele não tem formação acadêmica, ele trabalhou a vida em inteira na área comercial, como vendedor. 


[1:55] Mariana: Legal, você se formou em Jornalismo em 2017 pela Cásper Líbero, em São Paulo, e o que a levou a escolher a profissão de jornalista? 


[2:07] Thais: Eu me formei na Cásper em 2009, na realidade, entrei em 2006 e terminei em 2009. O jornalismo foi uma coisa meio engraçada, a história é engraçadinha, porque eu nunca fui daquelas crianças que tem um grande sonho, de ser médico, ou sei lá, enfermeira, enfim eu não tinha essas coisas. E na minha família é isso, a minha mãe era nutricionista, mas ela se formou eu já era adolescente, ela fez faculdade depois da família formada e a gente já tava criado também. Eu não venho dessa família de que as pessoas são formadas, tanto que na família do meu pai eu sou a primeira pessoa a se formar. E aí eu descobri que queria ser jornalista quando eu estava na sétima série, porque eu, agora eu não lembro bem onde eu estava, acho que eu estava num consultório médico, e pela primeira vez que eu tive contato com uma revista, que eu nem lembro se ela existe ainda hoje, que é a Superinteressante, que era uma revista Editora Abril. E foi o primeiro contato que eu tive com aquela revista e aí eu li, achei superinteressante. Eu era daquelas estudantes mega nerds e aí quando eu fiz aniversário, eu faço aniversário em dezembro, eu pedi a assinatura da revista de presente. Para ver o nível de “nerdice” da pessoa. Eu lembro que eu devorava as revistas, ela era mensal e era uma coisa superlegal, falava de todos os assuntos: cultura, história, religião. E aí foi assim que eu me encantei pela profissão, no sentido de que era isso, assim, eu via o jornalismo como um veículo de abrir portas mesmo, e aí foi assim que na sétima ou oitava série que eu pensei que eu já queria fazer jornalismo, e ai no colegio eu mantive, só vi que era isso mesmo que eu queria fazer e fui muito me aprofundando, me aprofundando no sentido de ver o jornalismo como essa janela para outras realidades e para outros mundos, que não necessariamente a gente conhece, mas muito com essa coisa do jornalismo também como ferramenta de serviço, uma ferramenta que de fato impacta a vida das pessoas. Foi aí que eu me apaixonei pelo jornalismo e de fato consegui fazer a faculdade. 


[4:58] Karen: E aí você disse que você vem de uma família birracial e nas suas redes sociais você se denomina como afrobege. Em que momento você se identificou como afrobege e percebeu o seu papel social? 


[5:13] Thais: O afrobege é inclusive uma uma brincadeirinha, enfim, eu praticipo de movimentos negros e de movimentos de mulheres negras aqui em São Paulo, sou ativista nesses movimentos há alguns anos, e aí essa denominacao afrobege é uma brincadeira no sentido de reverter, enfim, de subverter, na realidade. Existem todos esses questionamentos, enfim, a gente tem sobre colorismo no Brasil, existe uma confusão mesmo, é uma falta de letramento racial, porque não é uma coisa que a gente estuda na escola, na nossa vida, que a questão de que negros no Brasil é a soma de pardos e pretos, então se eu for olhar lá pela classificação do IBGE eu sou uma pessoa parda, porque eu sou a mistura, enfim, de uma pessoa branca com uma pessoa preta, então, nessa classificação, enfim, eu sou uma mulher negra e eu realmente levo isso enquanto identidade. Recentemente, foi tema de polêmica inclusive, enfim, essa questão, o colorismo é uma questão que está sempre em polêmica. Nas polêmicas do Twitter e do próprio movimento negro, está sempre se discutindo isso, então na realidade é um termo depreciatvivo que eu uso ali como uma brincadeira para subverter de fato como, tornar ele uma… subverter a ideia negativa e trazer, enfim, um pouco essa discussão. Mas a minha identidade, como eu me apresento, é de fato que eu sou uma mulher cisgênera e minha identidade racial é negra dentro desse contexto. E foi justamente na época da faculdade, que eu de fato adquiri esse posicionamento mais político com relação a isso, por vir de uma família metade preta e metade branca e de uma família que não é ativista, nunca tivemos essas discussões, eu demorei alguns anos para entender algumas coisas, enfim, da infância, para entender alguns acontecimentos na minha vida. E justamente pelo fato de eu ser uma mulher negra de pele clara, considerando que eu tenho um pai preto e uma mãe branca, então muitas vezes eu não sou lida, inclusive, como uma mulher negra. Então, é uma construção, que é bem comum, uma construção de pessoas pardas no Brasil, de ser é uma construção mais tardia mesmo dessa identidade racial. Então, foi na época da faculdade, porque na Cásper tinha um grupo de cultura negra que chamava Dandaras e que fazia um programa de rádio, ele era, se não me engano ele era quinzenal aos domingos porque a Cásper é da mesma fundação que a Gazeta, a TV, a rádio e tal, então a gente tinha alguns horários na programação da rádio e aí a gente fazia um programa de domingo de Cultura negra que era muito legal. E aí foi assim que eu me conectei com os poucos negros que tinha na Cásper, porque, enfim, na minha sala, por exemplo, eram 40 alunos e só tinha eu e um outro estudante que também era negro, enfim, negro de pele clara. Tanto que a gente começou a discutir isso depois, inclusive. E foi assim que eu comecei a pensar um pouco mais politicamente nessa existência enquanto mulher negra, como comunicadora negra e a importância de trazer, enfim, esse recorte também para dentro do jornalismo, mas foi exatamente nessa época da faculdade, aí, com 18, 19 anos. 


[9:25] Karen: E você disse que essa denominação já te causou algumas polêmicas. Qual foi a mais marcante, uma reação negativa? 


[9:37] Thais: Justamente, eu acho que é as pessoas reagirem negativamente quando eu falo, enfim, e como eu me declaro, "ah, sua mulher negra", e isso já aconteceu diversas vezes, tem acontecido menos, acho que por conta de toda essa discussão, Black Lives Matter mais recentemente, são coisas que a gente tem discutido. Mas ainda às vezes acontece de a pessoa tomar como se eu tivesse me depreciando porque elas têm essa ideia de que ser negro não é bom ou não é bonito. Então, o fato de eu me classificar assim, elas tomam como algo negativo, com uma surpresa, "não, mas você não é uma mulher negra" e aí, enfim, realmente, é um é um esforço. Eu tomo quase como uma questão educativa mesmo, no sentido de explicar para essa pessoa de onde eu venho, porque eu tenho essa identidade, o quanto isso me traz de potência e não só dessa coisa negativa em que as pessoas acham que ser negro no Brasil é… Óbvio que a gente olha todas as estatísticas e quando a gente olha, enfim, todas as estatísticas, os negros estão sempre nas estatísticas ruins, de morte, de preconceito. Quando você olha questões de renda, de violência policial, violência institucional, enfim, é obvio que a gente tem esse lado negativo e é muito importante a gente trazer essas denúncias, enquanto imprensa, enquanto feministas e fazer esses recortes mesmo, e fazer essas transversalidades entre raça e gênero e todas as outras necessárias, mas que a gente precisa também trazer essa narrativa das potencialidades, é isso, a gente precisa, enfim, balancear e trazer esse outro lado para justamente mostrar para essas pessoas, enfim, o quão racista é esse posicionamento dela. 


[12:01] Mariana: Em que momento da sua vida você percebeu a importância do feminismo e sentiu a necessidade de trabalhar com o movimento? 


[12:14] Thais: Essa é uma boa pergunta Mari, que eu vou construir a resposta aqui com vocês, porque eu acho que eu não pensei exatamente sobre isso, assim. A questão da raça é mais demarcada na minha vida, justamente porque, enfim, depois olhando em retrospecto eu notei várias coisas que aconteceram ao longo da vida e que o racismo, por exemplo, explica. Mas o feminismo foi uma coisa, eu acho que talvez um pouco mais orgânica, no sentido de que minha mãe sempre trabalhou, eu venho de uma família de mulheres que sempre trabalharam, então eu acho que essa questão de mulheres que não estavam ali restritas na vida privada, só da família e de lugares lidos e tidos como lugar de mulher. E aí, e muito também de vir dessa família, quando eu olho, por exemplo, para mim é muito natural essa coisa da divisão - eu vou usar um exemplo aqui, da divisão do trabalho doméstico porque meus pais os dois sempre trabalharam e meu pai, por vir de uma família negra, pobre e desestruturada, a vida inteira ele fez trabalhos domésticos porque se ele não quisesse ele não se alimentava, a roupa dele não estava limpa; então, para ele era natural já isso, não eram coisas que meus pais conversavam sobre isso em casa, eu nasci já dentro dessa família que isso era uma coisa natural, obviamente que tinha outras questões. O machismo, óbvio que existia, o racismo também existia nas relações familiares porque eles são coisas que perpassam toda a sociedade, perpassam as famílias e as relações, mas nesse sentido foi uma coisa sempre muito natural. Eu tenho outros dois irmãos, uma irmã que regula de idade comigo e um irmão dez anos mais jovem, então as coisas sempre foram bem divididas nesse sentido em casa. E aí a gente sempre teve muito essa criação, para trabalhar, para ser independente, enfim, nunca teve marcadores de gênero muito, é óbvio que depois, olhando para trás, a gente vê o quanto existem esses marcadores, mas na minha primeira infância eles não eram tão marcantes. E aí eu acho que isso entra muito na vida profissional porque o que sempre me chamou atenção no jornalismo foi justamente essa questão de ver o jornalismo como serviço e o jornalismo como esse instrumento que ajuda a gente a de fato perceber o mundo, o jornalismo ele cria narrativas, e que a narrativa tanto de gênero quanto de raça é muito importante. Eu não me via representada nas revistas femininas e olha que eu sou uma mulher bem relativamente padrão, eu sou uma mulher negra de pele clara, eu sou mulher parda, eu sou magra, vivo numa grande metrópole, sou classe média, então eu sou relativamente padrão e ainda assim eu já não me via. Quando a gente vai ler uma matéria sobre economia você nunca vê, né, enfim, recorte de gênero, mulheres sempre entrevistadas, você não vê economistas, e tudo isso vai criando no imaginário coletivo como se aquilo não fosse assunto de mulher ou aquilo não fosse um espaço de mulher. Então, essas coisas foram meio que vindo naturalmente, dessa coisa de ver o jornalismo como serviço e para que ele de fato tenha esse papel no mundo, você precisa ter pessoas ali um pouco mais diversas. Então, nos dez primeiros anos de jornalismo, eu trabalhei, inclusive, com jornalismo econômico, eu não trabalhava com jornalismo de gênero. Em dez anos eu nunca, nunca entrevistei uma pessoa negra e eu pego 100% das pessoas que entrevistei tranquilamente 70% eram homens e uns 30% só eram mulheres e aí eram mulheres mulheres brancas. A gente via isso e dentro das redações também ou era a negra única ou, enfim, fazia parte de um grupo muito pequeno e a gente vê como isso se reflete no jornalismo feito, nas escolhas das pautas, de quem entrevista e como você entrega isso para o leitor. Então, eu acho que foi um pouco, desculpa se minha resposta ficou gigantesca, mas eu acho que foi um pouco como essas coisas, eu fui percebendo isso na vida e isso foi entrando na vida profissional também. 


[17:52] Mariana: De forma bem natural, né? Falando um pouco sobre o portal agora, vocês dão destaque a reportagens que nasceram de parcerias que vocês fizeram com outros veículos jornalísticos e mostrando o aumento da violência contra mulher na pandemia. Você pode falar um pouquinho pra gente como surgiu essa parceria, o que levou à existência do projeto, que é "Um vírus, duas guerras". 


[18:24] Thais: Eu vou dar só dar um passinho para trás para explicar um pouquinho AzMina, porque AzMina nasceu em 2015, a gente acabou de fazer cinco anos agora em agosto e ela nasceu já como uma revista digital. No passado, eram diversas mulheres fundadoras, justamente vendo essa falta de total diversidade de gênero, racial e outros cruzamentos na imprensa, falaram, "meu, vamos aqui a nossa revista, aqui, já que a gente não está se vendo aí". E foi assim que nasceu AzMina, a partir de um crowdfunding, então já traz muita essa coisa do coletivo, mesmo, de ter a participação de muitas pessoas, seja com trabalho voluntário, seja doando dinheiro, seja com pautas, seja construindo site, já nasceu muito coletivamente. E nesses cinco anos a gente acabou seguindo alguns caminhos, a organização continua sendo uma organização de comunicação, a gente usa a comunicação para atingir nossa missão, que é combater os diversos tipos de violência contra a mulher, só que a gente trouxe outras ferramentas para nos ajudar nisso. Então, hoje a gente basicamente faz a nossa missão, que é combater os diversos tipos de violência contra a mulher, com comunicação e aí isso pode ser via jornalismo, podem ser campanhas, a gente já fez várias campanhas de conscientização mesmo, enfim, do machismo, das violências que as mulheres sofrem. Então são esses dois eixos, comunicação e tecnologia. Então, hoje, a gente já nasceu como um nativo digital, a gente não imprime a revista e hoje a gente também tem outros dois projetos, que também são, que aliam comunicação e tecnologia. Um deles é o PenhaS, que é o nosso aplicativo de enfrentamento à violência contra a mulher, que aí tem uma ação mais direta e efetiva de fato nesse enfrentamento. Então, desde 2015, a gente sempre fez matéria sobre violência contra mulher, sempre fez matérias não só de denúncia mas também trazendo essa questão propositiva de serviços, e no PenhaS isso se reflete. Então, a gente traz também esse tipo de informação dentro do aplicativo, mas ali também tem algumas ferramentas para ajudar essa mulher a de fato pedir ajuda, saber onde buscar ajuda. Então AzMina, eu só dei esse passo para trás para mostrar um pouco que o jornalismo ele se conecta com outros projetos. Então hoje a gente tem a Revista [AzMina], o PenhaS e o Elas no Congresso, que é o nosso projeto mais recente, que a gente lançou em junho deste ano, 2020, que é uma plataforma de monitoramento de direitos das mulheres no Congresso, no Legislativo. Então a gente tem bots que fazem essa captura dos dados, essa ronda mesmo automática das proposituras, dos projetos de lei que estão na Câmara e no Senado. A partir disso, a gente tem organizações, outras organizações parceiras que são organizações que já trabalham com o tema de direito das mulheres, que fazem uma avaliação dele, a partir disso a gente faz um ranking e também reportagens para AzMina, então é isso. O Elas no Congresso, um dos produtos que ele entrega, ele entrega obviamente informação, mas ele entrega em formato, direto nas redes sociais, em formato de jornalismo e também tem uma newsletter. Então são essas três coisas que a gente faz. E aí, voltando para sua pergunta específica, nesse caso do "Um vírus, duas guerras", pra gente é muito importante trabalhar em parceria. E aí não só com o campo de comunicação, que é o que nesse caso a gente está falando, mas mas também com campo feminista e de movimentos sociais, justamente estando ali no campo, entendendo quais são as demandas do movimento feminista, de movimentos sociais para também ajudar a trazer essas possíveis soluções. Então, é um pouco disso. Nesse caso do "Um vírus, duas guerras" foi justamente isso, assim, a gente tem obviamente uma equipe fixa na redação, mas a gente nunca teria condições de fazer sozinhas, num curto espaço de tempo, um levantamento como esse, que é fazer um levantamento nacional sobre o feminicídio para mapear como que esse dado está se comportando durante a pandemia. Porque era isso, a gente tinha visto os números de violência contra a mulher aumentar em outros países que a pandemia aconteceu primeiro, a gente já imaginava que isso também ia acontecer no Brasil, considerando que as mulheres ficaram ou ainda estão confinadas muitas vezes com seus agressores e que isso, enfim, no limite termina em feminicídio. E aí, porque é isso, é um levantamento que envolve você consultar todos os estados, porque são os estados que têm esses dados, você compilar esses dados, trabalhar esses dados, fazer os ajustes, é um trabalho de jornalismo de dados, de fato. E, depois fazer reportagens, e não fazer uma reportagem só nacional, mas fazer reportagens locais para entender a realidade de cada estado ou de cada região do país. Então foi assim que, na realidade esse foi um pool que se organizou antes, a primeira versão desse desse levantamento a gente não estava junto, foi uma iniciativa das outras organizações que fizeram e aí na segunda, eles fizeram dos dois primeiros meses, e aí depois, para a segunda versão, foram os outros quatro meses, que agora está com esse, esse segundo levantamento, ele é de fevereiro a agosto, isso, eles nos convidaram, e aí a gente integrou esse pool de organizações para poder de fato cobrir. Antes desse pool de organizações, só vou dar mais um exemplo, antes desse pool de organizações, no começo da pandemia, a gente tinha feito outro pool de organizações, que foi AzMina, a Gênero e Número, o Data Labe e a Énóis, que também são organizações de mídia independente e nativos digitais, para cobrir a pandemia especificamente com os recortes de gênero, raça e territorialidade, né, periferia, exatamente com o mesmo propósito. É isso, a gente viu que tem um desafio muito grande, um tema muito importante que a gente sabia que numa pandemia, numa crise de saúde pública, obviamente ela vira uma crise social e uma crise econômica, mas que esses recortes a gente sabia que eles não iam ser feitos necessariamente pela grande mídia, então que era muito importante a gente fazer essas coberturas, e aí unindo forças, unindo equipes, unindo cabeças, essas cobertura poderia não só sair mais rápida, melhor e com um alcance de distribuição maior. Então, a gente tinha feito esse pool antes do coronavírus e aí é uma coisa que a gente procura, é super estratégico pra gente em tudo que a gente faz, procurar parceiros. Porque é isso, assim, em vez de a AzMina estar fazendo a mesma matéria que a Gênero e Número está fazendo, que o Marco Zero está fazendo, que A Ponte Jornalismo está fazendo, ou a gente faz juntos ou a gente se republica, por exemplo, assina… é copyleft, né, a maioria dos outros veículos também, isso quer dizer que os conteúdos podem ser republicados desde que o crédito seja dado, então esse tipo de parceria é bastante estratégico pra gente, pra que a gente faça um conteúdo cada vez melhor e que também chegue às pessoas que precisam dele.


[27:32] Karen: Antes de a gente entrar no assunto da rotina da AzMina, eu fiquei curiosa que você falou que você passou os seus dez primeiros anos no jornalismo econômico, como é que foi essa mudança para o portal AzMina, passou do jornalismo econômico para o jornalismo feminista, para uma revista web, como é que foi essa trajetória pra você? 


[28:00] Thais: Sim, bom, eu, deixa eu ver de onde eu começo essa resposta. Eu comecei a colaborar com AzMina em 2017 como jornalista freelancer, eu trabalhei com mídia econômica de 2006, então eu entrei na faculdade no começo de 2006 e já comecei a fazer estágio no final de 2006 em imprensa já especializada em economia. Economia é um assunto que eu super gosto, justamente porque eu acho que tem essa coisa do impacto mesmo na vida das pessoas, dessa questão das condições, a nossa vida também está muito baseada em condições materiais, então eu sempre pensei, ah, economia impacta nosso dia a dia, todas as nossas decisões, elas perpassam pela nossa condição financeira, então o jeito de impactar a vida das pessoas é cobrindo economia, finanças pessoais e tal, então foi assim que eu entrei nesse mundo da economia e fiquei dez anos nele até 2016. E aí, em 2016, eu saí de um projeto, depois de ter passado pela grande mídia, enfim, eu saí de um projeto e pensei, bom, acho que eu vou ficar um tempo sendo freela, um pouco para justamente para entender o que mais eu queria fazer no jornalismo. Depois de dez anos, você já aprendeu bastante coisa, eu aprendi bastante coisa dentro de grandes veículos de mídia, eu fiz jornalismo diário em tempo real, fiz revista mensal, então, assim, depois de tudo isso, eu precisava um pouco repensar a carreira e aí achei que fazendo freelas seria um bom jeito, porque aí você acaba navegando por várias redações e outros assunto. Então, em 2016, eu comecei a minha vida de freela e em 2017 eu comecei a colaborar com AzMina como repórter freelancer mesmo, porque a Carolina Oms, que é uma das cofundadores e é diretora executiva hoje da organização, a gente se conheceu no Valor Econômico, porque ela também tem este passado, e aí a gente se conheceu no Valor Econômico e aí continuou acompanhando a vida uma da outra profissionalmente e pessoalmente, somos super amigas, e aí ela que me convidou para começar a colaborar com AzMina como repórter freelancer e aí foi quando eu comecei a trazer mais essa, a trazer não, enfim, a escrever pautas e sempre com essa questão de gênero e raça porque era uma coisa que eu estava, enfim, buscando também. Eu comecei a colaborar em 2017, em 2018 eu assumi a edição da revista e aí desde de ano passado, 2019, que foi quando AzMina começou a ter uma equipe fixa, depois eu posso, enfim, contar essa história, da AzMina também, desde 2019 a gente passou a ter uma equipe e em tempo integral, antes era outra realidade, que aí eu assumi, eu fui para AzMina, eu vim pra AzMina trabalhar em tempo integral, com dedicação exclusiva e passei a compor a diretoria da organização. Então, foi assim, foi um misto de interesse, de eu estar num momento que eu estar revendo a minha carreira e procurando outras coisas, abrindo mais o leque, e deu super certo com o timing que AzMina também estava vivendo, então tem sido uma experiência muito legal de não só fazer jornalismo independente, mas de participar de todo o processo. Numa equipe como AzMina você participa de fato de todo o processo, a gente precisa se preocupar desde como a gente vai pagar os salários e os boletos até, obviamente, a entrega dos produtos e dos projetos finais. Então hoje, por exemplo, a gente acabou de lançar um projeto que a gente ficou três meses super imersas nele, que é o Mapa das Delegacias das Mulheres que, de novo, é um novo projeto que a gente une comunicação e tecnologia, que a gente fez um grande levantamento sobre todas as delegacias do país inteiro, checou os dados dessas delegacias, se elas estavam funcionando na pandemia, colocou isso num mapa, então, aí entra também a tecnologia, para que seja fácil para as mulheres acessarem essa informação, é uma informação que também está dentro do PenhaS, nosso aplicativo de enfrentamento à violência, e a partir disso a gente também fez reportagens, mostrando como a cobertura de delegacias das mulheres é muito deficiente no Brasil, só tem 400 delegacias das mulheres especializadas e como a gente tem vários buracos imensos de atendimento. Então é isso, quando você está numa organização como as AzMina você precisa pensar de ponta a ponta, desde quem vai pagar tudo isso, até o processo de fazer acontecer, no sentido de levantamento, da tecnologia, até depois divulgar isso, fazer chegar a informação para quem precisa, então tem sido um ensinamento super rico e legal pra carreira. 


[34:02] Karen: Você disse que houve essa mudança de equipe, começou a ter uma equipe fixa agora em 2019. Como foi essa mudança de rotina da equipe no geral? 


[34:18} Thais: Ela veio de uma mudança de fato institucional. AzMina ela nasceu em 2015 com várias fundadoras, a partir de um crowdfunding, e aí desde 2016 a gente tem o que a gente chama de crowdfunding recorrente, hoje é chamado como membership, um programa em que as pessoas, os próprios leitores doam todo mês, doam um dinheiro, uma quantia fixa, para ajudar a financiar a organização. A gente tinha, partiu desse tipo de financiamento, mas obviamente esse financiamento ele não é suficiente, nunca foi, para ter uma equipe fixa, enfim, 100% dedicada à organização. E aí obviamente de 2015 pra agora também entraram projetos, só que aí financiamento de projetos, você tem o financiamento para aquele projeto. Você começa o projeto, contrata as pessoas, o projeto acaba, acabou o financiamento, você não tem como manter aquela equipe. Então a gente não tinha o financiamento que a gente chama de financiamento institucional, que é para pagar as contas básicas, o salário básico das pessoas, pagar água, luz, internet e um escritório. Então, de 2015 até 2018, AzMina, ela tinha esse financiamento, tinha alguns financiamentos de projeto, então o Penhas já nasceu de financiamentos assim, e aí ele foi muito feito do trabalho das próprias cofundadoras e muito também de trabalho voluntário. E aí em 2018 foi quando a gente teve a oportunidade, foi uma confluência de fatores e momentos de vida das fundadoras ou de pessoas que já colaboravam, que era o meu caso, de a gente, enfim, conseguir montar minimamente um planejamento de sustentabilidade e ir atrás de financiamento institucional com organizações de filantropia, organizações principalmente internacionais naquela época, que financiam projetos com esse foco em gênero, de enfrentamento à violência contra a mulher ou de apoio à mídia independente. E aí lá em 2018 a gente conseguiu os nossos dois primeiros financiamentos institucionais, que era pra dois anos, então justamente 2019, 2020, e aí foi possível que a gente formasse uma equipe que soubesse que a gente tem dois anos desse dinheiro para pagar essa equipe e essa estrutura mínima, pra gente de fato começar a desenvolver a organização, outras habilidades, outras capacidades e buscar de fato, fazer de fato um planejamento sustentável para que a organização não dependa sempre, tenha outros tipos de financiamento. Então hoje, depois eu posso até mandar o link pra vocês, a gente tem uma parte lá no site que se chama transparência, que mostra justamente como a gente é financiado, então, hoje, parte do nosso financiamento continua sendo dos leitores e pra gente é super importante ter esse financiamento, porque é isso, traz credibilidade e são pessoas que estão ali comprometidas, o nosso site, o app e tudo, você não precisa de assinatura para ler, você não precisa ter uma senha e fazer uma assinatura pra pagar, então basicamente essas pessoas estão permitindo que AzMina continue assim, produzindo, estão ali bancando para quem não pode pagar, por exemplo, por esse conteúdo. Então esse é um tipo de financiamento, a gente tem financiamento de organizações de mídia, desculpa, de organizações filantrópicas, enfim, os nomes estão todos lá, na nossa transparência, e temos temos também financiamento, é bem menor, mas de algum serviço para gente presta de consultoria, palestra, enfim, para empresas. Então, hoje é mais ou menos assim que se compõe a nossa receita e aí foi por isso que a gente foi capaz de agora ter uma equipe fixa e de fato ter uma equipe mais diversa, porque quando você faz um trabalho voluntário, o trabalho voluntário é um privilégio no Brasil. Você só pode fazer trabalho se você já pagou suas contas e tem comida na mesa e sobrou um tempo e você faz trabalho voluntário. E quem podia fazer isso, enfim, quem sempre pôde fazer isso aqui no Brasil são pessoas brancas, de classe social mais abastada. Agora que de fato a gente tem, enfim, dinheiro para contratar pessoas, então a gente tem, hoje a gente já tem 50% da equipe negra, 50% da equipe LGBT, então a gente consegue trazer essa diversidade também para dentro de casa. 


[39:47] Mariana: Você falou um pouco sobre o financiamento, mas eu queria entender, no site vocês têm uma meta estipulada de dez mil reais (R$ 10.000,00) mensais. Como se estipulou esse valor, como funciona de fato?


[40:06] Thais: A gente começou esse financiamento recorrente, usando plataformas que já existem, lá em 2016, então acho que nós fomos alguns dos primeiros a fazer esse tipo de financiamento. E aí era isso, a gente não tinha muita noção de como isso ia progredir, o quantas de pessoas que iam doar recorrentemente pra gente e aí a gente viu esse número crescendo ao longo do tempo e aí a gente vê que, quanto mais impacto a gente vai tendo com os projetos, com as reportagens, esse número às vezes dá um salto. Então vou dar um exemplo recente, em setembro do ano passado, uma das nossas matérias [Como é feito um aborto seguro] foi alvo de ataque, não só de conservadores, mas também da Damares [Alves] [ministra do Governo Bolsonaro] , enfim, do próprio governo. E aí isso fez com a que a reportagem, era uma reportagem sobre aborto seguro, viralizasse e já estava obviamente neste contexto de polarizacao e de as pessoas entenderam, ententerem não, de as pessoas verem o quão é importante voce financiar organizações como AzMina, de defesa dos direitos e organizações jornalísticas, que fazem esse trabalho de informação, de levar informação que ninguém mais está produzindo, sobre um assunto que é importante, mulheres morrem todos os dias por conta de aborto ilegal e não têm informação sobre o sobre os seus prórpios direitos, sobre quando, em que situações o aborto é permitido no Brasil e como elas acessam os serviços e tudo isso, enfim, estava lá na reportagem. E aí foi quando, por exemplo, o nosso recorrente deu esse último salto. Na época a gente tinha eu acho que algo em torno de seis mil (R$ 6.000,00) e aí ele subiu pra quase oito (R$ 8.000,00) e aí a gente tem mantido mais ou menos esse patamar. E aí a gente tinha estipulado dez (R$ 10.000,00), justamente por causa disso, porque com dez (R$ 10.000,00) a gente atinge um percentual do nosso financiamento que é mais sustentável. Obviamente, a ideia é a gente atingir um outro patamar, que ele de fato chegue a outro patamar, mas a gente já viu que para isso também é necessário não só mostrar pras pessoas o quanto é importante elas doarem, mas também fazer campanhas para isso, de doação específico. Esse é um trabalho mais recente que a gente ainda está desenvolvendo, de de fato montar um plano para o nosso membership e fazer uma campanha mais recorrente sobre isso. Então, é mais ou menos que a gente chegou nesse valor, mas a ideia obviamente é trabalhar para chegar nesse valor e aí pensar em outro valor, já que a organização também hoje é maior.

 

[43:30] Karen: Thaís, você disse que vocês já sofreram ataques de conservadores até do governo no ano passado e como vocês reagiram em equipe a esse tipo de ameaça, esse tipo de ataque? 


[43:42] Thais: Esse não foi o único. A gente tinha obviamente sofrido de forma diferente no passado, mas esse acho que foi não só o mais recente, mas em maior proporção, o mais massivo, chegou a derrubar o nosso site, porque, enfim, com aquelas técnicas, acho que se chama DDoS, que é justamente você usar robôs para que ele acessem o site em massa para fazer o site cair. Dados da equipe, de endereço, telefone foram divulgados nas redes sociais. Então, a gente teve que fazer uma verdadeira de fato operação de gestão de crise, para dar conta de tudo, da segurança da própria equipe, de entrar em contato com as plataformas para tirar esses conteúdos do ar, porque muitos dos conteúdos a gente obviamente denunciou, a gente convocou as leitoras, a nossa rede para denunciar e muitos deles não foram tirados do ar imediatamente, então a gente teve que, sim, entrar em contato com plataformas para fazer isso. A gente teve que fazer um grande trabalho de, junto com o nosso desenvolvedor de tecnologia, para fazer melhorias, para voltar o site no ar, para ele não cair novamente e reforçar a segurança. E teve a parte de também reforçar a segurança digital, não só das plataformas da organização, em termos de segurança mesmo, de senha, de acessos, a nossa própria segurança, porque eles também acessaram isso via, eventualmente, as nossas redes sociais. E aí tem um trabalho também, teve a frente jurídica disso, porque a Damares, além dela nos acusar e atacar via redes sociais, ela fez ela fez uma denúncia ao Ministério Público, pedindo para que Ministério Público abrisse uma ação judicial contra a gente nos acusando de apologia ao crime de aborto. Então, até hoje a gente responde a essa investigação, ainda não tem um processo judicial contra nós, porque é isso, uma vez que qualquer cidadão, não é só o governo, não são só as autoridades, mas qualquer cidadão pode pedir abertura de um processo ao Ministério Público. O Ministério Público primeiro ele investiga, então ele pede para a Polícia Civil investigar, então o que a gente responde hoje é uma investigação, é um inquérito da Polícia Civil, enfim, que a gente teve que ir até a delegacia prestar depoimentos, explicar como a gente fez a matéria. Basicamente, a gente foi lá explicar como a gente faz jornalismo, a gente tem a pauta, a gente entrevista as pessoas, que a gente usou informações públicas inclusive da Organização Mundial da Saúde (OMS), em português, que a gente não nem precisou nem traduzir, então não teve questão de tradução. E é um processo de investigação que gente responde até hoje, a gente não tem resposta ainda do Ministério Público, se eles vão abrir ou não, mas para uma organização pequena como a nossa, obviamente, não só é um peso, no sentido de ter que judicialmente responder a isso, de ter advogados, de responder a esse investigação, mas um peso mesmo dessa vigilância, um peso simbólico, que não é muito quantificável, material, mas de estar sob essa coisa da vigilância, que, enfim, o governo atual, a gente está aí na linha de frente de dois alvos desse governo atual, que é a imprensa e as organizações ativistas de gênero também. Enfim, obviamente, organizações ativistas de qualquer aspecto, meio ambiente também está aí na linha de frente, movimento negro também está, gênero é mais um deles. Então, a gente representa dois alvos deste governo, isso também traz um peso de vigilância e de alerta pra gente, porque é um risco que a gente também está exposto agora e correndo.


[48:49] Karen: Retomando sobre, mas iniciando sobre o método jornalístico do portal, como vocês começam a pensar numa reportagem? Tem as pautas periódicas, vocês fazem reunião de pauta, como começa, inicia tudo, a produção jornalística? 


[49:13] Thais: Hoje a nossa produção jornalística, ela é semanal, a gente tem semanalmente uma reportagem. Além disso, a gente tem, em termos de conteúdo, tem a parte de opinião, isso é o editorial, é jornalismo. E aí a gente tem a parte de opinião que a gente tem colunistas que também produzem com uma frequência, algumas mensais, algumas quinzenais. E a gente também tem uma outra área, que também é de opinião, que a gente chama de Divã d'AzMina, que é uma área de relatos que as leitoras nos mandam e como o próprio nome diz é um Divã mesmo, é para sentar e contar uma história, desabafar. São relatos que chegam e que a gente obviamente edita, às vezes fala com a pessoa e ajuda nesse relato em primeira pessoa e também publica. Então, basicamente, em termos de produção de conteúdo, essa é mais ou menos a produção e a frequência que a gente publica, é mais ou menos semanal. Em termos de pauta, da parte jornalística, nós temos reunião de pauta, então é uma reunião semanal que a gente faz com a equipe, reunião de pauta e reunião também para falar dos projetos como um todo. Porque é isso, às vezes o projeto, a reportagem ela não inclui só definir a pauta e entrevistar pessoas, mas às vezes inclui fazer um grande levantamento, por exemplo, e aí isso envolve, às vezes tem que envolver mais pessoas da equipe ou parceiros, a gente chama parceiros para fazer junto com a gente, às vezes envolve tecnologia, que é isso, no caso do Mapa das Delegacias que a gente teve que desenvolver a tecnologia do mapa, então também tem essas coisas correlatas; então, a gente tem a reunião semanal. E aí a gente tem, obviamente, a gente tem essa filosofia mesmo que todo assunto é assunto de mulher, não é só cultura, não é só beleza, não é só bem-estar e não é só comportamento, então a gente faz pauta de esporte, a gente faz muita pauta de política, muito também por conta do Elas no Congresso, a nossa plataforma de monitoramento, a gente faz matéria sobre economia e gostaríamos de fazer menos matérias sobre violência, mas precisamos fazer matéria sobre violência, porque é um assunto, um problema gigantesco no Brasil. A gente tem mais ou menos essas linhas, qualquer assunto é um assunto que a gente pode cobrir e aí a gente sempre vai cobrir com esse olhar de gênero e todas as outras interseccionalidades de raça, de orientação sexual, territorialidade, essas são coisas que entram de forma transversal nos projetos e nas reportagens e aí as pessoas vão nos trazendo. A gente também trabalha com freelas, antes a gente trabalhava mais, agora que a gente tem a equipe fixa a gente trabalha menos, mas a gente também trabalha, então às vezes, muitas vezes a gente recebe sugestão de freelas, que colaboram com a gente, às vezes jornalistas que descobrem a gente e mandam a sugestão, e aí super se encaixa, a gente conversa traz para dentro também, conversa sobre a pauta e faz acontecer. E um jeito também que a gente testou e fez, AzMina nasceu disso, são as bolsas de reportagem, que é isso, lá no começo né a gente fez crowdfunding justamente para pagar essas bolsas de reportagem, são grandes reportagens, reportagens investigativas, aprofundadas, de temas realmente exclusivos, levantamentos e abordagens exclusivas, que a gente ainda não viu na mídia e que aí levam mais tempo para fazer e normalmente são multimídia, então é texto e vídeo ou texto e áudio ou texto e um ensaio fotográfico; então, por exemplo, no ano passado a gente fez bolsa de reportagem com recorte de violência doméstica, que a gente publicou este ano, e que foram reportagens também muito legais, porque aí a gente conseguiu trazer enfoques que a gente não tinha. A gente teve uma repórter negra do Maranhão que fez uma reportagem sobre como a violência doméstica provoca a migração de mulheres, então mulheres têm que sair dos seus estados e ir para outro, se mudar, e como os dados não mostram isso, é uma coisa que acontece, que passa totalmente desapercebida, inclusive do poder público, e é o tipo de pauta que nunca eu, como repórter aqui do Brasil, desculpa, repórter aqui de São Paulo, veria, perceberia essa pauta e faria essa abordagem. Uma outra pauta também disso foi sobre como as indígenas veem a violência doméstica e enfrentam isso, foi uma repórter, lá do, que, enfim, tem acesso ao Pará, Amazônia, que tem essa questão territorial, de distância e foram pautas super legais que a gente fez, com abordagens absolutamente novas e multimídia, mas é isso, a gente tem que disponibilizar também uma grana maior, porque são conteúdos que custam mais para fazer e as jornalistas obviamente precisam ser bem remuneradas para fazê-lo. Então, a nossa dinâmica hoje é mais ou menos assim, a gente tem as discussões, em alguns momentos a gente consegue fazer bolsas de reportagens, então aí a gente de fato faz processos abertos, a gente divulga nas nossas redes sociais que a gente está com processo aberto, as jornalistas se inscrevem num Google formulário, mandam as pautas, a gente faz uma seleção, um processo que seja transparente, explicando para as pessoas quais são os critérios usados. Uma vez que a gente chega nas finalíssimas que são a que vão fazer, elas desenvolvem e entregam, mas em paralelo, o de toda semana, é basicamente a equipe interna ou com essas parcerias com outras organizações que a gente faz. 


[55:53] Karen: E qual é a maior dificuldade na produção dessas reportagens? Por exemplo, das bolsas de reportagens também, são maiores, exigem mais trabalhos. 


[56:14] Thais: Maiores dificuldades… Deixa eu pensar. Eu acho que a gente tem uma questão que é o trabalho que a gente faz, ele é bastante particular, inovador, seja porque já nascemos como uma mídia digital, seja porque a gente tem esse enfoque de gênero. E porque a gente também tem uma linha editorial bastante específica, a gente tem esse olhar para o jornalismo que a gente sempre procura trazer serviço, a gente quer trazer denúncia, quer contar boas histórias, a gente tenta ver o jornalismo como de fato um serviço. A gente também tenta ser propositivo nas reportagens, a gente mostra o problema, mas também ouve pessoas que pensam em soluções para eles e aí a gente também indica onde encontrar essas soluções e quais são essas ferramentas. E a gente sempre busca ter uma linguagem leve, acolhedora e didática. Então, a gente dificilmente usa jargões, se tiver que usar termos, digamos, enfim, seriam classificados como populares ou que não estão lá nos dicionários, para ser mais acessível ou para explicar melhor, usar um termo que as pessoas e as mulheres usam, e a gente vai usar e a gente também tem uma identidade visual muito marcante. Então a gente usa muita colagem, ilustração, trabalha fotos com colagens, com filtros. A gente tem um desafio hoje que é também formar equipe, formar essa equipe que se integre a isso e que também traga novas capacidades, porque a gente está em constante transformação e aprendizado aqui nas AzMina também. Então a ideia não é trazer pessoas prontas ou que se encaixem nesse modelinho, a gente sempre está querendo trazer pessoas com outras vivências, outros backgrounds, enfim, diversidade de fato para a gente estar sempre melhorando o conteúdo e conversando com mais gente. Então, tem esse desafio de fato de informar e entreter pessoas, sendo uma organização pequena que, então é isso, tem muita coisa para fazer. Nas AzMina, a gente brinca que às vezes a gente tem um pouco de dificuldade de, as pessoas perguntam “Qual que é o seu cargo? O que é que você faz nas AzMina?”. É uma lista às vezes que é meio grande de coisas que parece que não se conectam, mas todas são necessárias para a organização existir. Então é isso, tem essa coisa de trazer pessoas que adicionem capacidades e qualidades e também de reter essas pessoas dentro da organização. Então, pagando bem, pagando um salário, uma remuneração compatível e formar essa equipe, diversa. A gente tem um desafio de distribuição, considerando que nós somos digital, então, obviamente, o nosso próprio site é uma plataforma, mas a gente sabe que hoje a distribuição de conteúdo está muito vinculada às redes sociais, então às plataformas de redes sociais e ao buscador, que hoje é basicamente o Google, e que esses, então, a gente está falando de plataformas que a gente não controla como o conteúdo é distribuído, o alcance do conteúdo, então, a gente o tempo inteiro tem que estar entendendo o que é tendência em cada uma das plataformas, entendendo e mudando a forma como a gente distribui esse conteúdo. Este ano, por exemplo, a gente começou a fazer lista de transmissão no WhatsApp, que a gente não tinha, é um puta trabalho, porque o WhatsApp a gente tem que criar um monte de lista, cadastrar todo mundo, então é um trabalho manual bastante grande, mas que a gente sabe que é importante, porque é onde as pessoas também estão compartilhando, estão clicando em link, é onde também muita coisa viraliza. Então, nesse sentido, também, essas parcerias que a gente faz são importantes e estratégicas para nos ajudar nessa divulgação do conteúdo, distribuição do conteúdo. E aí tem, obviamente, o desafio mesmo de sustentabilidade da organização, de sempre estar pensando em como financiar, quais são os projetos que são importantes para as mulheres, para o maior número de mulheres possíveis. Então, acho que é uma questão que é institucional de continuar. AzMina é uma ONG, eu acho que eu acabei não falando. AzMina é uma organização não governamental, uma organização da sociedade civil sem fins lucrativos, então a ideia é que a gente entregue serviços de fato para a sociedade. A gente já se tornou relevante pelo fato de trazer toda essa questão da mulher na mídia, da questão de como monitorar direitos através de jornalismo, através de campanhas. A gente tem um app agora também. E aí o desafio de continuar fazendo isso com um mundo mudando numa velocidade que a gente está vendo. 


[1:02:42] Mariana: Você falou algumas vezes já sobre a pluralidade da equipe e eu queria entender como é que funciona, porque vocês também têm uma editoria muito grande, com muitos temas e você falou que tem uma diferença da equipe fixa, tem muitas colunistas. Eu queria entender como funciona essa grade de colaboradoras. 


[1:03:12] Thais: Hoje a gente tem, hoje a nossa equipe... é que ela, no último mês ela cresceu, então é por isso que às vezes eu vou fazer a conta na hora que eu estou falando. Porque, por exemplo, hoje a gente fechou a contratação de uma nova pessoa, então a equipe deu uma crescida meio rápida. Mas hoje a gente tem… Deixa eu fazer rapidinho aqui a conta, porque eu me perdi (ela conta). Hoje nós somos uma equipe de oito pessoas, que é isso, enfim, que trabalham de forma fixa em todos esses projetos que eu comentei, nessas três frentes. E aí, no caso de jornalismo, de produção de conteúdo, especificamente, a gente não tem jornalista, a gente não tem uma jornalista para cobrir política, uma jornalista para cobrir cultura, como é nas grandes redações, que têm as editorias, a gente tem as editorias, obviamente, no site, que publica, em termos de organização de informação ali, para quem está procurando conteúdo, mas a nossa produção é muito diversa mesmo. Então, as jornalistas cobrem todos, é óbvio que cada repórter gosta de cobrir mais uma área ou outra, mas a gente tenta manter um equilíbrio entre os assuntos. Por exemplo, obviamente em um ano eleitoral como esse, a gente vai ter basante matéria de política e agora a gente tem um projeto só de monitoramento de mulher na política, então a gente tem bastante. Foi um ano que foi muito pautado por violência doméstica, é um assunto que a gente cobre desde que a gente, enfim, existe no mundo, mas que a gente teve que aumentar a cobertura este ano. Então, por exemplo, este ano não foi um ano que a gente conseguiu cobrir muito comportamento, que a gente não conseguiu cobrir muito saúde fora da perspectiva da pandemia. Então, é um ano que essa cobertura fica um pouco desbalanceada, mas é relativamente natural. O jornalismo cobre o que de fato está acontecendo, a realidade a gente não fica descolada dela. Mas é mais ou menos assim que a gente se organiza, então a gente tenta, enfim, equilibrar os temas, mas em termos de equipe todo mundo cobre tudo e aí obviamente a gente tem algumas freelancers que já trabalham com a gente há um pouco mais de tempo e trazem essas pautas com essa pluralidade também do jornal, de outras localidades do país, porque senão a gente também fica muito restrito ao Sudeste, porque a gente está em São Paulo, a equipe está em São Paulo. Então, por exemplo, este ano a gente contratou, uma das nossas repórteres é de Salvador, então pelo menos a gente já tem agora uma pessoa no Nordeste e aí provavelmente a próxima pessoa a gente vai tentar contratar uma pessoa do Centro-Oeste ou uma pessoa do Norte. Então, a gente tenta trazer essa pluralidade em vários, enfim, étnicos, obviamente, a gente também pensa na questão de idade, a gente tem, quando a gente olha o público das AzMina, a gente tem desde, 90% do público é entre 13 e 45 anos que é, enfim, um range relativamente grande, então a gente também precisa pensar. É isso, a gente tem meninas muito jovens nos lendo, mas a gente também tem mulheres que já são mães, estão no mercado de trabalho, estão em absolutamente outro momento da vida. Então, a gente tenta também na medida do possível, a gente tem uma equipe relativamente pequena hoje, então não dá pra ter tudo isso em oito pessoas, mas a gente vai buscando isso à medida que a equipe vai crescendo. 


[1:07:30] Mariana: O portal também já ficou conhecido por algumas premiações, principalmente vindas das hashtags que é o #CarnavalSemAssédio#VamosMudarOsNúmeros. Eu queria que você falasse um pouquinho sobre essa campanha e esclarecesse como funcionou esse trabalho via hashtag.


[1:07:54] Thais: Sim, essas são as campanhas que eu comentei, a gente trabalha com comunicação, mas que a gente não trabalha com comunicação exclusivamente no eixo jornalístico, mas a gente também trabalha com campanhas. E aí são campanhas muito claras no sentido, o objetivo delas é a conscientização, então é trazer de fato uma assunto e colocar ele em pauta, em debate e, ao máximo possível, jogar, debate na opinião pública, movimentar de fato as redes e a opinião pública para isso. E aí obviamente em redes sociais são hashtags, que também movimentam e colam. No caso do #CarnavalSemAssédio, foi uma campanha que a gente fez em 2016, a gente teve alguns parceiros também e acho que foi alguma das primeiras campanhas de fato de falar um pouco dessa questão do assédio no carnaval, depois vieram outras, o que é muito legal, porque manteve o assunto em debate. E a campanha do #VamosMudarOsNúmeros foi também uma campanha muito legal que a gente fez parceria com uma agência de publicidade, que desenvolveu de fato a campanha e que fez a parceria com o Grêmio, não o Grêmio não, desculpa, o Cruzeiro, olha eu falando o nome errado, que é o time de futebol que entrou parceiro com a gente, que foi muito importante, porque é isso assim, AzMina é uma mídia independente, por mais que a gente tenha engajamento nas redes sociais ou digitalmente, é diferente de você entrar com uma campanha na camiseta de um time de futebol, de um jogo de domingo à tarde, que milhões de pessoas vão assistir, porque ele é transmitido em TV aberta, e que a gente atinge o público que a gente quer falar. Então, muitas vezes a gente fala, muitas vezes a gente muitos assuntos a gente fica falando só para bolha, ou para a bolha feminista, para mulheres ou para bolha progressita, enfim, essas são campanhas, são jeitos que a gente também encontrou de furar a bolha e de falar. Então, quando a gente teria a oportunidade de falar sobre machismo, trazendo para a conversa homens? Porque a maior parte, ainda hoje, do público de futebol e dessas transmissões é masculino, homens eles também têm que fazer parte da solução, então a gente também precisa trazer eles pra essa conversa. Então, foi uma campanha super legal, super bem-sucedida, ganhou Cannes, inclusive, que é, enfim, o prêmio da publicidade, que não é um mundo que a gente super navega, mas foi muito legal, um reconhecimento super legal. E que também envolveu hashtags para que essa campanha, por exemplo, é um exemplo de campanha que a gente conseguiu atingir o offline e o online também e de fato movimentar e trazer outras pessoas, influencers para também debater o assunto. 


[1:11:21] Karen: Além dessas campanhas premiadas, vocês também tiveram uma reportagem especial premiada pelo, me corrija se eu estiver errada, Synaphsis FBH de Jornalismo, certo? 


[1:11:35] Thais: É difícil, eu também não sei se é assim que fala [risos]. 


[1:11:39] Karen: E foi com a reportagem “O Mito do Aborto Legal” . E eu queria saber um pouco mais sobre a apuração, como é que foi a produção dessa reportagem, se foi do mesmo jeito que vocês costumam apurar normalmente as reportagens ou se teve algo de especial nela. 


[1:11:56] Thais: Foi o que a gente chama de reportagem especial, justamente, porque foi resultado de uma das nossas bolsas de reportagem, nossos processos de bolsa de reportagem, que aí veio essa sugestão de falar sobre o aborto legal e pra mostrar de fato como é um direito a mulher brasileira tem, em um dos casos, por exemplo, o caso do estupro, desde 1940, que a gente tem políticas públicas e hospitais, todo um protocolo para isso, mas como, mesmo assim, as mulheres têm muita dificuldade de acessar esse direito que é delas. E aí essa dificuldade ela começa na informação, que muitas mulheres não sabem sobre esse direito e depois uma vez que ela sabem como é difícil elas acessarem como o serviço também. É isso, tem mulheres que precisam viajar cidades e estados para para acessar um hospital que faça o procedimento. Existe um problema que é isso, tem serviços que exigem que a mulher traga o B.O., sendo que isso não está no protocolo nem saúde, nem na lei, mas é uma questão de informação, como elas enfrentam muito preconceito e tabu, porque é um assunto que é um tabu, moral, inclusive, muitas vezes elas encontram dificuldade no próprio aparelho ali de saúde, no próprio hospital, com os profissionais, com os médicos. Acho que isso ficou bastante claro, por exemplo, agora nesse caso recente da menina capixaba, de 10 anos, que engravidou fruto de violências que ela vivia há anos, violência sexual. E aí a gente viu que foi preciso o caso ganhar repercussão na mídia, foi preciso o movimento feminista se organizar e várias outras organizações, outras instâncias e a própria família, para que essa menina tivesse acesso ao direito dela, porque ela enfrentou diversas dificuldades para acessar o próprio direito. Inclusive, ela não conseguiu no próprio hospital, no Espírito Santo, fazer o procedimento, se negaram a fazer o procedimento e aí ela teve que viajar para Pernambuco, no Recife, para fazer isso. Então, é um caso que não é um caso isolado, é um caso frequente, que acontece todos os dias no Brasil. Mas que lá em 2016 era ainda menos falado. Este ano, infelizmente, a gente teve um caso, a gente tem vários casos, mas a gente teve esse caso que foi muito chocante, pela idade da menina e por toda essa circunstância, que ganhou o debate público, então pelo menos trouxe isso para debate. Mas lá em 2016 esse assunto era um assunto ainda menos falado do que já era hoje. Então foi uma reportagem que envolveu um esforço de reportagem muito grande, porque a gente pediu dados públicos, naquela época não tinha a Lei de Acesso à Informação [Nota do projeto Reconfigurações Jornalísticas: a Lei de Acesso à Informação (LAI) foi regulamentada em 2012, mas mesmo com a LAI é preciso solicitar as informações aos órgãos públicos respectivos, como fez a reportagem], então realmente é um esforço de você pedir para vários órgãos, em vários Estados e fazer um levantamento. E é difícil você encontrar fontes que falem sobre isso, mesmo sob condição de anonimato, porque elas sabem que elas estão expostas a serem atacadas, se elas falam sobre isso, outras é um tabu, então é difícil. Você também tem a questão de quando você vai trazer personagens para uma reportagem como essa, por exemplo. E como que você faz entrevista para você não trazer revitimização para essa pessoa. Aquilo obviamente pode ter sido uma coisa traumática na vida dela. Então, essa mulher pode, num caso como esse, a gente está falando de aborto legal, são mulheres que ou foram estupradas, sofreram uma violência sexual, ou tiveram uma gravidez que até pode ser desejada, mas que tinha risco à vida dela, então que ela precisou interromper ou que é um feto que é anencéfalo ou que tem uma condição que torna sua vida fora do útero inviável. Então, independente do caso, sempre são situações que trazem traumas. Então, existe da nossa parte esse cuidado e essa responsabilidade de não só você trazer essa história, mas de como você faz essa entrevista, para que você não faça só reviver o trauma. Então, tem esse desafio também que é muito grande em vários temas que a gente aborda, que são bastante importantes, mas que são importantes trazer essa histórias, para que outras mulheres e vejam ali retratadas. Então, foi uma reportagem, que é isso, assim, levou meses para ser feita, teve todos esses desafios, mas que foi bastante importante como denúncia, primeiro, de mostrar como o Estado e as políticas públicas são ineficientes nos direitos reprodutivos das mulheres e, segundo, de trazer informação, então de mostrar para essas mulheres quais são os direitos que elas têm, como elas podem procurar esses hospitais. A gente indicou o Mapa do Aborto Legal, que é do Artigo 19, que é outra organização que a gente fez parceira este ano para fazer levantamentos, e no caso se ela tiver o direito dela negado, por qualquer caso, onde ela procura ajuda. 


[1:18:07] Mariana: Você falou há pouco sobre o Elas no Congresso, mas eu queria pedir que você falasse um pouco melhor sobre ele, e qual foi a importância dele e quando você percebeu que era necessário mergulhar na política do Legislativo? 


[1:18:28] Thais: Bom, política foi um assunto que a gente também sempre cobriu, a gente nasceu em 2015, 2016 já teve ano eleitoral, 2018 teve ano eleitoral de novo. Então, foram todos anos que foram intensivos de a gente cobrir política com essa perspectiva de gênero, de mostrar como é um problema no Brasil essa sub representação, de mostrar, enfim, como em outros países isso também é um problema e de mostrar como isso impacta a nossa vida no dia a dia, de não ter diversidade, de não ter mulheres lá legislando, como é possível numa população em que 52% do eleitorado, da população é mulher, e a gente hoje tem 15%, mas em 2016 a gente tinha 10%, então, basicamente são homens legislando sobre vidas de mulheres e como isso está longe ser o ideal. Então, é um assunto que a gente sempre falou, mas que é um assunto, eu acho que é um assunto que está mais em debate público, vem crescendo o debate público sobre ele. E aí a gente teve o Elas No Congresso foi uma, a idealizadora dele é a Bárbara Libório, que é a coordenadora do projeto, e ela é uma jornalista de dados também, ela é várias coisas, mas uma das milhares de coisas que ela faz é ser jornalista de dados, enfim, ela sempre gostou disso e aí ela teve essa ideia e ela também começou a estudar código, Python, essas coisas todas de programação, porque jornalista de dados precisa ter noção sobre isso e o primeiro código, para vocês terem uma noção, ela fez na mão, fez na cara e na coragem, colocou no ar e funcionava o código no Twitter. Era um bot que pegava o projeto de lei da API, acho que era da Câmara só, na época, e twittava em tempo real os projetos de lei que se referiam à mulher, que tinham como palavra-chave mulher. E aí Bárbara acho que foi conversar com a Carol Gomes, que é nossa diretora-executiva, num Congresso da Abraji [Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo], contou essa história, acho que alguém conectou as pessoas, a gente conversou, e aí a Carol obviamente trouxe para dentro da organização. Mas a gente pensou “Meu, quando tiver um financiamento, um edital financiando dados, financiando política, financiando mulher, sei lá, a gente aplica esse projeto”. E aí foi assim que o Elas nasceu, porque ele tinha tudo a ver com AzMina, porque a gente já trabalha com gênero, já trabalha com comunicação, já trabalha com tecnologia, então ele tinha um feat perfeito. E aí, a gente, quando saiu, um ano depois mais ou menos dessa conversa, saiu o edital do Google News Initiative, que é uma iniciativa do Google para fomentar jornalismo digital, e aí ele fizeram um edital grande aqui no Brasil, várias organizações de mídia independente, conseguiram financiamento e o Elas No Congresso foi um dos projetos contemplados, então a gente conseguiu essa parceria com o Google e foi assim que nasceu o Elas dentro das AzMina


[1:22:18] Mariana: Vocês pretendem seguir esse projeto nas próximas eleições? 


[1:22:24] Thais: Sim. O Elas, na realidade, ele não é um projeto só de anos eleitorais. O Elas, a ideia dele é que ele seja, a ideia não, ele nasceu já como um projeto permanente, então ele tem, inclusive, um site separado, o site das AzMina e do Elas é conectado, obviamente. Desculpa gente, deixa eu tomar uma água. Mas ele tem um site próprio, porque ele é um projeto bastante intensivo em visualização de dados, então por isso que a gente achou melhor ter um site só para ele, mas é isso, ele já gera informação constante. Então, se você entrar lá no Twitter, tem o bot no Twitter, o Elas No Congresso que faz exatamente isso, como o projeto nasceu, que é fazer em tempo real, twittar os trâmites e os projetos de lei com as palavras-chaves que tenham a ver com o direito das mulheres. E aí, além disso, de seis em seis meses, a gente pega esses dados, filtra e entrega para essas organizações parceiras, hoje são 15 e aí elas avaliam se esses projetos são favoráveis ou desfavoráveis aos direitos das mulheres. Então a partir disso a gente já tem dados que são muito ricos de conseguir entender para onde está indo algumas temáticas, então a questão do aborto, a questão da violência doméstica. Então, por exemplo, a gente viu que desde 2019, desde o ano passado, a gente teve um boom de projeto de lei sobre enfrentamento à violência doméstica, por exemplo, que é um assunto que super tá na pauta do Congresso, por exemplo. Mas aí quando você olha, num primeiro momento você fala “ah, legal!”, aí você vai olhar os projetos e você vê que eles estão muito mais focados em punir os agressores do que atender as vítimas. Quando a gente fala com especialistas em violência doméstica, a gente vê que não é necessariamente o melhor caminho, a melhor abordagem e que, inclusive, a Lei Maria da Penha não é voltada para isso, a Lei Maria da Penha é voltada justamente para atender as vítimas e fazer um trabalho de educação também com toda a sociedade e principalmente com os agressores. Então, a ideia é que seja um projeto permanente, porque ele faz esses levantamentos que são semestrais, e aí a gente atualiza semestralmente esses dados, esse ranking, essa visualização de dados no site e esse ranking, além de mostrar isso, se for mais favoráveis ou desfavoráveis, ele também faz um ranking dos próprios congressistas. Então, a gente vê como cada deputado e cada senador e senadora votam na temática de direitos das mulheres. Então, é muito legal porque qualquer um pode ir lá olhar em quem votou e ver como esse deputado ou esse senador ou senadora estão votando em projeto de lei e eventualmente não votar neles de novo ou votar neles de novo nas próximas eleições. Então, por exemplo, agora a gente está fazendo uma atualização dessa base, porque como a gente tem eleição agora municipal e muitos deputados e senadoras saem, deixam essas posições para concorrer, a gente está fazendo uma atualização para mostrar também como esses que estão concorrendo agora votam, então é inclusive uma fonte que pode ser consultada e que pode e deve ser consultada, a gente gostaria que os eleitores todos consultassem e levassem em consideração para definir o seu voto. 


[1:26:22] Karen: Vocês têm a seção Divã d`AzMina. Você já falou um pouco sobre como que é, as leitoras enviam para vocês, vocês dão uma editada, chegam até a falar com algumas leitoras, falam em primeira pessoa. E eu queria saber se vocês sabem a importância desse… 


[1:26:46] Thais: O impacto. 


[1:26:47] Karen: É o impacto do Divã para as leitoras e até mesmo para vocês. 


[1:26:54] Thais: Essa é uma ótima pergunta, porque eu acho que o Divã é o que o impacto pra gente chega mais claro. Obviamente a gente mantém um canal de comunicação bastante aberto com as leitoras, então, tem obviamente um engajamento nas redes sociais e nos posts, mas a gente atende muita gente no inbox, muita gente no email. É isso, casos de violência doméstica, casos de mulheres procurando informação sobre o direito reprodutivo que elas não sabem onde procurar ajuda e esse é um jeito também que a gente entrega informação, às vezes também nesses contatos. E os Divãs, a gente percebe, porque as próprias mulheres falam, os Divãs, é engraçado que a gente vê pela dinâmica dele, quanto mais a gente publica, mais Divãs chegam, porque aí mais mulheres veem, leem, se identificam e querem mandar os seus relatos sabe, então a gente vê esse comportamento. E aí a gente recebe muitas vezes, recebe muitas vezes não, a gente recebe frequentemente relatos de mulheres, que elas nos escrevem, apenas agradecendo, não é um Divã, agradecendo porque, muitas vezes, isso é um comentário recorrente de que elas falam: “Ah, eu li relatos no site de vocês, eu dei um Google nesse assunto e encontrei os relatos e foi muito importante para eu sair de uma relação abusiva, foi muito importante para eu saber que o que eu sofri foi uma violência sexual, sabe, que eu sofri um estupro, foi muito importante para eu saber que eu tinha o direito sabe, que eu sou sofri um estupro e desse estupro, eu entendi que eu precisava ir buscar atendimento, porque eu tenho direito a ir no SUS e ter lá as questões de profilaxia ou que, enfim, engravidei derivado de um estupro e foi num relato de vocês ou depois do relato, cheguei na matéria e cheguei na informação de como procurar ajuda. A gente vê que o relato é muito importante, porque aí as mulheres se identificam com aquele assunto, e aí elas veem que elas não estão sozinhas, sabe, que que outras mulheres vivem as mesmas situações e que assuntos que são tabus e que a gente não fala em casa, que a gente não fala muitas vezes, com a família ou com amigas, mas é importante se sentir, é isso, entender que outras mulheres vivem aquilo. Os relatos trazem essa sensação para elas de acolhimento, então às vezes as mulheres estão em uma situação de desespero, essa uma palavra frequente também nesses relatos, e que de alguma forma se sentiram acolhidas com esses relatos. Então, acho que o Divã, apesar de às vezes ele ser trabalhoso pra gente, porque são relatos em primeira pessoa, às vezes as pessoas não conseguem transmitir as suas histórias por escrito, mas conseguem transmitir de forma oral, é um trabalho que traz esse retorno, esse impacto muito claro, sabe, assim, de as mulheres falarem do quão é importante para elas terem lido histórias parecidas com as delas, para elas procurarem ajuda. 


[1:30:29] Karen: E vocês conseguem medir como as redes sociais ou os assuntos mais comentados do momento influenciam nessas cartas, nesses Divãs? 


[1:30:43] Thais: Olha, sinceramente, não. Medir esse tipo de impacto é difícil, porque você precisa cruzar muitos dados, a gente tem uma equipe super pequena, então hoje as nossas métricas ainda não são super boas, enfim, o supra-sumo que poderiam ser, a gente está trabalhando para chegar lá e para melhorar nisso. Então, hoje a gente acaba tendo um pouco essas métricas que são mais qualitativas, do que quantitativas. Então, enfim a gente brinca que de tempos em tempos vai chegar um relato no nosso e-mail e aí a redação inteira chora, a gente lembra o porquê a gente faz esse trabalho e trabalha, é um perrengue, e tem dia que a gente quer desistir de tudo e fechar a lojinha. E aí é o tipo de trabalho que é tão gratificante que a gente lembra, que nos ajuda a seguir, é um pouco isso, tem essa função de sempre nos lembrar da nossa missão. 


[1:31:51] Karen: E falar um pouquinho sobre o canal no Youtube de vocês. Vocês têm vídeos explicativos ali, bem no início, e até webséries e qual a principal diferença editorial entre o método jornalístico escrito e o audiovisual? 


[1:32:10] Thais: Eu acho que editorial mesmo não tem. A gente, editorialmente, segue a mesma linha jornalística e editorial para fazer a parte audiovisual. Eu acho que a diferença é mais técnica e de periodicidade mesmo. Então, como conteúdos audiovisuais eles são mais caros para fazer, porque envolve uma equipe maior, equipamento, edição, produção, enfim. São conteúdos que a gente faz com menos frequência, a gente gostaria de fazer mais, mas por questão de financiamento a gente faz menos. Então, por exemplo, a gente consegue fazer quando tem as bolsas de reportagem, porque aí a gente tem valores maiores para cada conteúdo e aí que permite a gente fazer isso, ou quando a gente fecha parcerias. Então, por exemplo, no ano passado a gente fechou uma parceria com a Uber para fazer uma série de entrevistas de assuntos variados. E aí obviamente isso também precisa ser bem construído, no sentido de a gente manter a nossa independência editorial e de conteúdo e comunicar isso bem, não só para o patrocinador, que nesse caso era a Uber, como também para as nossas leitoras, para elas também entenderem de ser bastante transparente, de como que entra aí o apoio de uma empresa, de uma outra organização nisso. Mas no caso dos vídeos a gente tenta também balancear essa coisa entre ter vídeos didáticos e também ter vídeos para a gente trazer um assunto ou contar uma história, trazer um tema com uma abordagem nova. Então, nos últimos vídeos, por exemplo, vocês vão ver que a maioria é sobre política, porque, justamente, como a gente lançou o Elas No Congresso, a gente fez essa frequência de ter um vídeo sobre mulheres na política por mês. Então a gente procura sempre trazer também uma linguagem diferente para os vídeos, e aí vocês vão ver que os nossos vídeos têm gifs, tem colagens, eles são montagens, eles nem sempre vão ser entrevistas com pessoas, obviamente, mesmo esses vídeos que envolvem colagem, envolvem entrevistas, envolvem um processo de produção grande, mas a gente entrega o conteúdo de outra forma. Então que é mais ou menos isso, não sei se respondi à pergunta. 


[1:35:06] Mariana: Respondeu sim. Nestes anos de trabalho, como vocês veem a cobertura realizada na mídia estabelecida sobre a questão da mulher e da violência contra a mulher? 


[1:35:06] Thais: A gente acha que avançamos nos últimos anos, a gente inclusive avalia que fez parte, enfim, um pouco também dessa mudança. Uma coisa que eu acho que não comentei, AzMina a gente tem parceiro de republicação na grande imprensa, inclusive, então, por exemplo, a gente tem parceria com a Folha (de S. Paulo), a gente tem parceria com o UOL, com a Marie Claire. Então, a gente produz os conteúdos e manda também para os parceiros. E aí eles avaliam obviamente se cabe a publicação ou não, mas são parceiros fixos e a gente obviamente está sempre procurando novos parceiros justamente para ter um alcance maior. Então, a gente avalia também que por essas parcerias e tal, a gente acaba também levando um pouco essas discussões, esse olhar. A gente avalia que avançou, porque fazendo aqui o recorte de quando AzMina nasceu, que foi em 2015, parece que faz pouco tempo, mas em 2015, as revistas femininas, que é basicamente a mídia que tinha mais esse olhar de gênero, se a gente for pensar, a mídia, assim, feminismo era praticamente um palavrão há cinco anos e a mídia feminina, mais segmentada, ela tinha uma abordagem muito machista. A gente, em 2015, a gente tinha chamadas do tipo “dez jeito de enlouquecer seu homem na cama”. Isso parece que é muito antigo, mas não, em 2015 tem chamadas assim. Se a gente for olhar essas mesmas revistas hoje, elas têm uma pegada bastante feministas, elas são abertamente, as pautas são feministas, a gente vê uma diversidade maior de mulheres, de corpos, enfim, nessas publicações também. E se a gente também for olhar para a mídia mais geral, que não tem o público feminino segmentado, a gente também avalia que andamos um pouco. Hoje vai ser mais difícil a gente ver, chamar feminicídio de crime passional, por exemplo. Em 2015 isso é super comum, inclusive porque 2015 a gente ainda não tinha na lei a definição de feminicídio, essa definição é de 2015 ou 2016, não me lembro ao certo, que também nos ajudou, enfim, a mudar essa ideia de que é um crime passional, é um homicídio de uma mulher pelo fato de ela ser mulher. Então, é um crime, é um homicídio a partir da misoginia e do machismo e é importante a gente nomear ele dessa forma para que a gente construa políticas públicas, para que a sociedade entenda o problema e como endereçá-lo. Então, mas a gente acha que ainda precisa, tem bastante coisa para avançar. É isso assim. A gente brinca que a gente olha para o passado e comemora o que a gente já avançou, porque a gente, estamos avançando, então, é importante também a gente celebrar essas coisas para ajudar a gente seguir, mas que a gente avalia que, sim, precisa, a gente ainda tem um caminho importante. Então, quando a gente fala de mulher, hoje ainda na mídia, ainda se fala dessa mulher muito universal, que é essa mulher jovem, branca, de classe média, das grandes cidades. E essa não é grande parte da mulher, 25% da população é de mulher negra. Então, já estamos aí, cortando 25% da população quando você não está falando sobre essas mulheres, com essas mulheres, você já está cortando um público gigante. E, aí, enfim, todas as outras representatividades que são importantes, todas as outras narrativas que são importantes de serem trazidas. Então, e aí isso reflete também quando a gente olha para as organizações jornalísticas da porta para dentro, a gente ainda tem uma maioria, a gente sabe, redações são cheias de mulheres, mas se você começa a subir nos cargos hierárquicos, ainda tem uma maioria de homens ou mulheres brancas. Dificilmente vai ver uma mulher negra quando você vai subindo na escala. Então, a gente precisa avançar também nessa discussão de que tipo de representatividade a gente está falando. Não adianta contratar um monte de estagiário negro, a produção vai continuar sendo a mesma, porque quem está decidindo as pautas, o que é produzido, o que é que vai para a home, o que é que vai para capa, o que vai ser distribuído, não são os estagiários, não é mesmo? Então, a gente precisa avançar, eu acho que, ainda, nessas questões também da porta para dentro. 


[1:40:36] Mariana: Você acredita que o trabalho de veículos como AzMina indica uma redescoberta da força do jornalismo nas redes e traz um diferencial para os grandes veículos? Porque você disse que tem essa participação com a Folha, com a grande mídia, mas eu queria saber sua opinião em relação a isso. 


[1:41:01] Thais: Mari, você pode repetir a primeira parte da pergunta?


[1:41:05] Mariana: Claro [risos]. Se você acredita que teve uma redescoberta da força do jornalismo nas redes, da diferença dos grandes veículos, do que eles costumam oferecer. 


[1:41:18] Thais: Não sei se é uma redescoberta, Mari, mas acho que tem uma questão que é como vários outros saberes e meios, o jornalismo também tem sido colocado em xeque pela população. A gente tem um grande problema que é de desinformação hoje, polarização política, pessoas se informando por meios que não são verificados, espalhando fake news e tudo isso leva a uma crise de credibilidade do próprio jornalismo, da própria mídia. E eu acho que o que a mídia, o que o jornalismo independente traz, e aí eu estou falando aí do meio mesmo, então, AzMina e todas as outras organizações independentes trazem, é um pouco essa reconexão com o leitor. Então, à medida que AzMina vai pautar gênero, assim como a Gênero e Número, à medida que você tem uma mídia negra como a Alma Preta, como Nós Mulheres da Periferia, à medida que você tem uma Ponte Jornalismo cobrindo, sabe, violência policial, territorialidades, que você tem o Marco Zero, no Nordeste, que você tem o Amazônia Real cobrindo as questões da Amazônia lá, você traz essa reconexão de volta, essa falta de pluralidade de cobertura de pautas que não estavam, que não são cobertas pela mídia, pela grande mídia, você traz um pouco, eu acho, que essa coisa de voltar, desse resgate da credibilidade, porque aí as pessoas passam a serem vistas nessas coberturas, nesses projetos, e uma forma de fazer jornalismo diferente mesmo. Então, a gente vê muito, muita iniciativa legal acontecendo, trazendo novas formas de fazer jornalismo, de comunicar, de você, sei lá, receber histórias pelo Whatsapp, outros jeitos de fazer jornalismo, de buscar história e de cobrir as pessoas e os lugares, que eu acho que você reconecta com o leitor, que eu acho que é uma coisa também que a grande mídia acabou também um pouco perdendo, ficando longe, enfim, do leitor, e obviamente só isso por si não explica crise de credibilidade do jornalismo e da democracia, no limite, mas eu acho que é um componente. E aí eu acho que as mídias independentes trazem isso, assim, um novo jeito de fazer jornalismo, mais plural e cobrindo outras coisas, outras pautas que se conectam mais com a audiência.


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