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  • Foto do escritorReconfigurações Jornalísticas

Portal Catarinas: jornalismo pelos direitos humanos das mulheres

Atualizado: 13 de jun. de 2021

Paula Beatriz Neiva e Tamires Dias

Dezembro de 2020


Nem todas santas, nem todas bruxas. São muitas. Elas são Catarinas. O slogan do portal é um ótimo caminho para introduzir o trabalho desenvolvido por essas mulheres jornalistas e ativistas. Se, por um lado, identificam-se como ativistas do jornalismo, ao atuarem pelo direito ao exercício da profissão, por outro se colocam como ativistas no jornalismo por enxergarem a necessidade de uma transformação social através dessa atividade profissional. Em busca de uma sociedade democrática mais justa, sobretudo no que diz respeito às mulheres, o Portal Catarinas, de Santa Catarina, foi criado em 2016, especializado na cobertura de questões de gênero, feminismos e direitos humanos.


Paula Guimarães, uma das fundadoras e coordenadora do portal, concedeu em 19 de outubro de 2020 (via Zoom) esta entrevista ao projeto Reconfigurações Jornalísticas, da UFF. Toda terça-feira, contou Paula, a equipe - no momento com cinco jornalistas - realiza reuniões de pauta para escolher os temas e as histórias que serão investigadas. No início da pandemia, chegou a imaginar que o projeto não conseguiria sobreviver, diante da paralisação das atividades. No entanto, aos poucos, os financiamentos voltaram e surgiram ideias, como o Observatório da Violência Doméstica na Pandemia, uma colaboração entre cinco portais nativos digitais, de diferentes regiões do país, para acompanhar essa questão, que apresentou índices preocupantes nos meses em que as famílias se viram fechadas em casa. Esse tipo de colaboração, bastante comum entre nativos digitais jornalístico, é uma maneira de superar dificuldades cotidianas para realizar um trabalho de qualidade e de ampla abrangência.


Paula conta que um momento muito importante em sua trajetória foi a compreensão da importância do ativismo. A emergência dos movimentos sociais e feministas em meados desta década - como a campanha #MeuPrimeiroAssédio, em 2015 - foi fundamental para que o projeto do Catarinas fosse lançado. Assim, um dos desafios é equilibrar esse aspecto, da efervescência política, com o do rigor jornalístico, do qual não abrem mão.


A prática jornalística do portal se baseia em preceitos clássicos da apuração e da redação. As repórteres - há somente mulheres na equipe - procuram ouvir diferentes lados e constroem textos que sejam de alguma forma distanciados (não engajados ou panfletários). Ainda assim, a realidade que mostram quer desvendar as lutas diárias das mulheres, assim como casos extraordinários, como o do estupro da jovem Mariana Ferrez, que ocorreu justamente em Florianópolis, o que tem permitido ao portal acompanhar o episódio com certa proximidade. Outro caso que, nestes meses da pandemia mobilizou a equipe, foi o da menina de 10 anos que, grávida por conta de abusos realizados por um tio, ganhou o direito a realizar o aborto, encontrando forte resistência por parte de grupos conservadores.


Além do questionamento sobre a linguagem jornalística, o Catarianas estuda continuamente formas de aproximação com os leitores. Encontrar a melhor maneira de fazer circular o conteúdo é um grande desafio, na medida em que ocorre em grande parte por meio de mídias sociais. Paula Guimarães lembrou que muitas dessas mídias - monopolísticas - são as principais responsáveis por fazer circular mensagens de ódio e preconceito.


Outra questão fundamental é a do financiamento. Atualmente, além das cinco jornalistas, há uma administradora e as colunistas e do Conselho Editorial. Campanhas de financiamento coletivo no Catarse.me são uma das principais fontes, mas não chegam a ser suficientes para cobrir todos os custos. Recentemente, o portal obteve financiamento do Google. Muitas vezes, é mais fácil obter financiamento para projetos específicos.


Na intersecção do jornalismo com direitos humanos das mulheres, encontra-se o Portal Catarinas, lutando pelo exercício de um jornalismo mais justo, que garanta o protagonismo das mulheres, e por uma sociedade onde vozes e corpos femininos sejam encarados com respeito e dignidade.



Transcrição da entrevista com Paula Guimarães, do Portal Catarinas

Realizada por Paula Beatriz Neiva e Tamires Dias

Revisão da transcrição e minutagem: Nataraj Trinta

Data de realização da entrevista: 19 de outubro de 2020


Clique aqui para acessar à transcrição da entrevista em versão PDF.


Gostaríamos que você começasse se apresentando. Qual é o seu nome, origem, profissão, o que você faz hoje em dia?


0:12 Olá, eu sou Paula Guimarães, eu falo aqui de Florianópolis, capital de Santa Catarina. Sou jornalista, coordenadora do Portal Catarinas e também sou fundadora dessa mídia independente com perspectiva de gênero.


0:31 Quando você decidiu seguir na profissão de jornalismo? Onde você estudou e o que você traz desse período?


0:43 Eu estudei na Universidade do Sul de Santa Catarina, em Tubarão. Fiz Comunicação Social com habilitação em Jornalismo. Depois de um tempo, eu fiz pós-graduação em Gestão da Comunicação Pública e Empresarial. Na minha trajetória trabalhei em TV, em rádio, em jornais, e depois trabalhei também com assessoria de imprensa de projetos culturais, principalmente. Trabalhei com essa parte da comunicação também mais institucional fazendo publicações e revistas. E depois eu voltei para o jornalismo mais propriamente dito, vamos dizer assim, atuando com mídia independente. Foi quando eu nesse processo tive mais contato com feminismo, com as organizações feministas. Comecei a atuar na Rede Feminista de Saúde que congrega organizações de todo o Brasil. E a partir daí iniciou-se no Brasil a Primavera Feminista, no final de 2015, um processo muito intenso de mobilizações sociais contra o projeto de Eduardo Cunha que queria cercear o direito ao aborto legal no Brasil. Então eu e mais duas colegas, a Kelly e a Clarissa Peixoto, a gente começou a pensar nesse projeto: como seria essa convergência do jornalismo com o feminismo? Começamos a discutir e pensar o Portal Catarinas, então foi a partir daí que a gente iniciou e lançou esse projeto para o mundo, nessa convergência pensando principalmente no jornalismo que atua no campo dos direitos humanos, e mais precisamente nos direitos humanos das mulheres.


2:36 Como foi a sua trajetória profissional até chegar ao Catarinas no jornalismo? Você já atuou em algum veículo do meio hegemônico, por exemplo?


2:45 Eu já atuei em veículos do campo hegemônico. Não vou citar nomes, mas sim, principalmente televisão. Jornais nem tanto, mas já trabalhei em jornal também, com essa pegada mais diária mesmo. Fazia correspondência para um jornal local, mas a partir da capital. E trabalhei em duas emissoras de televisão. Foram passagens curtas, mas atuei. A primeira vez que eu vim para Florianópolis foi nessa perspectiva de continuar trabalhando, mas os caminhos mudaram. De alguma forma, eu não me entendia mais naquele lugar e comecei a buscar outros caminhos que me levaram a essa mídia mais deslocada desse lugar hegemônico, dessa ocupação centralizada dos meios de comunicação do Brasil.


3:51 Você diria que tem um momento mais importante da sua carreira até aqui?


4:00 Eu penso que o importante sempre está por vir. A gente sempre está construindo novos projetos e a cada projeto a gente olha e diz "poxa, que importante! Vamos continuar nesse caminho para construir novas iniciativas tão importantes quanto.”. Mas nessa semana eu até pensei sobre isso... do time, do momento em que eu entro na Rede Feminista de Saúde e naquele momento inicia-se esse processo da Primavera Feminista. Em seguida, a gente já inicia o movimento para construção do Portal Catarinas. Então aquele momento ali foi muito chave para essa entrada. Eu sou muito agradecida pela Clair Castilhos, que é essa feminista que mora aqui em Florianópolis, muito atuante. É a primeira vereadora de Florianópolis. E aí quando a gente vai buscar o jornal Mulherio, que é o primeiro jornal com essa perspectiva feminista, a gente encontra ela lá, falando sobre o aborto em 1983. Então, esse momento de virada de chave em que eu me entendo enquanto uma profissional e também me entendo como essa pessoa que vai olhar para os direitos humanos das mulheres de uma forma diferente... Acho que esse momento é muito importante, é uma virada de chave na minha vida e que vem determinando toda a minha trajetória desde 2014 e 2015.


5:33 Então essa virada você diria que seria o mais importante?


5:43 É sempre muito difícil a gente elencar um momento mais importante, mas eu acho que essa é uma virada de chave. E aí tem um momento muito importante que é quando a gente realmente pensa o projeto Catarinas (que eu acho que esse momento é muito importante), e lança portal para o mundo e vem colhendo os frutos desde então. Eu passo a ter uma outra identidade enquanto jornalista a partir dessa construção. Então eu acho que o Catarinas, eu tenho muito carinho. Não é mais um projeto, já é um portal. A gente costuma falar “projeto”, mas não é um projeto. É uma iniciativa que engloba vários projetos. Acho que o Catarinas deu uma outra perspectiva e uma densidade, uma substância para minha trajetória profissional.


6:38 Quando as questões de gênero passaram a se tornar uma questão profissional no Jornalismo para você? Você já respondeu um pouco sobre isso, mas se você quiser ser mais direta em relação a essa pergunta, fique à vontade.


6:53 O debate sobre gênero, que é uma coisa que assusta as pessoas, a gente quis enfrentar. Realmente a gente quis usar essa palavra. “Jornalismo com a perspectiva de gênero” justamente para “peitar” essa discussão na sociedade porque a gente sabe que é tudo muito confuso. É um caldo que é difícil de explicar. Quando se fala em gênero causa um pânico moral e há um projeto político realmente transnacional na América Latina de estigmatização do tema gênero. Então a gente quis fazer esse enfrentamento. E o feminismo apareceu para mim com a pauta mais difícil que possa parecer, que é pela pauta do aborto. Porque no feminismo há algumas convergências, principalmente a questão da violência contra as mulheres... Há uma convergência nos feminismos, que são vários. Mas quando a gente fala de aborto, não necessariamente os feminismos todos abraçam essa pauta. Então, eu já cheguei numa pauta, poderíamos dizer assim, bem difícil. E trabalhando jornalisticamente essa pauta como eu continuo fazendo. Então a minha trajetória no Catarinas está muito mais ligada a esta pauta do aborto. Agora eu tenho me ampliado mais. Como eu sou coordenadora do projeto, eu tenho que ter uma visão mais ampla, inclusive de gestão. Mas o aborto, para mim, foi muito central nessa minha entrada no campo do gênero, dos direitos humanos das mulheres, dos feminismos. Hoje eu estou me soltando um pouco dela para trabalhar outras questões tão importantes quanto. Mas eu penso que a pauta do aborto é central. Ela explica as outras violências… Quando a gente vê a violência final do feminicídio, a gente não consegue perceber culturalmente aquelas outras violências todas que estão estruturando essa violência final, que é a morte, agressão física, o estupro. Então foi um pouco por aí, pensando direito humanos das mulheres não entendendo esse jornalismo como parcial. Quando falam “é um jornalismo parcial; é um jornalismo de nicho”... não necessariamente de nicho, porque é uma discussão que deveria ser para toda a sociedade. Então, não deveria ser de nicho. Em relação a ser parcial, na verdade, a gente não faz essa distinção entre um jornalismo parcial e imparcial. Porque a gente entende os direitos humanos das mulheres, inclusive estão priorizados no código de ética jornalística, e que todo jornalismo profissional deveria pautar esse entendimento da dimensão da violência, seja ela simbólica ou física que perpassa a nossa sociedade e a cultura e, por isso, tão naturalizada. Então, o jornalismo no cotidiano é importante que ele trabalhe essas camadas que a gente só consegue muitas vezes ver na superfície.


10:25 A gente queria falar agora sobre o Catarinas como veículo mesmo. Como você falou, ele foi criado em um momento chave para o movimento feminista, que estava com uma expressão muito grande nas redes do Brasil. Em 2015 teve o movimento do #meuprimeiroassédio… vocês destacam esse momento no histórico de vocês. Esse contexto foi uma inspiração? Você acha que essa efervescência se mantém até hoje?


10:58 Em 2015, no final de 2014, início de 2015, a gente tem esses pontos de mobilizações sociais no Brasil pelas mulheres com a campanha Chega de Fiu Fiu, com a campanha #meuprimeiroassédio, e depois com Fora Cunha... Um movimento muito forte que tomou as ruas do Brasil, das principais capitais brasileiras, exigindo a manutenção do direito ao aborto legal, do direito à pílula do dia seguinte. As mulheres foram para as ruas de vários movimentos sociais, movimentos feministas, movimentos de mulheres, para pedir um basta ao controle dos corpos pelas instâncias políticas. E foi um movimento muito crescente. A gente pode ter um marco histórico a partir desse movimento que vem crescendo, vem se fortalecendo desde então. E aí quando a gente olha para esse contexto político atual de ascensão do fascismo, de ascensão de uma força contrária, autoritária - e isso não é no Brasil, é um contexto de mundo - a gente entende essa ambivalência das forças. A gente se questiona “mas como naquele momento”? Parece que estava tudo acontecendo... E justamente por isso. A gente analisa que justamente por aquela força muito potente, que ainda está presente na sociedade brasileira, outra força de reação, reacionária, se colocou e chegou ao poder. Claro, agora a gente pode pensar que a gente está fragilizada, que a gente está um pouco mais fraca, quando a gente olha para o passado, para aquele levante. Na verdade, essa história não pode ser apagada. Tem uma cultura que se constituiu e que se formou a partir dessas mobilizações. E quando a gente olha para escola, para universidade e vê grupos, coletivos de mulheres, já nas escolas de ensino médio... isso é muito bonito. Dá uma esperança na gente, porque aquela sementinha está fazendo efeito. Quando a gente olha para as mídias que a gente chama hegemônicas e vê a frequência dessa pauta no debate público, da pauta dos direitos humanos das mulheres, toda a questão de violência contra as mulheres. E vê a pauta do aborto muito presente, como a gente temo exemplo agora do caso recente da menina de 10 anos que foi estuprada pelo tio e teve o direito ao aborto legal negado no primeiro momento. Essa pauta teve um debate amplo da sociedade! Por mais que a gente olhe e perceba como foi triste, mas ao final a gente foi vitoriosa. Nós fomos vitoriosas enquanto jornalistas, feministas, enquanto defensoras dos direitos humanos. Então, a gente pode olhar e dizer “nossa que triste... foi tudo tão bonito e agora…”. Não. A gente não perdeu. Isso está presente, está latente, e a gente vê isso nas nossas casas, com as tias, com as mães já tratando desses temas que estão presentes no cotidiano e no debate público.


14:51 Esse contexto de 2015 serviu de inspiração para o portal?


15:01 O contexto de 2015 foi fundamental para a gente pensar o Portal Catarinas. Foi um elemento muito importante. O contexto fez o portal, poderíamos dizer assim. Foram todas essas sintonias, essa convergência de desejos a partir da perspectiva da Psicanálise. Havia um desejo já da junção do jornalismo com feminismo. E aí quando a gente foi para rua, participou e fez coberturas sobre essas manifestações, sentindo isso é muito pulsante... Havia uma força que não era uma força menor, uma força qualquer, era uma coisa acontecendo que me arrepia até falar sobre isso. A gente pensou... e até minha colega Clarissa Peixoto que foi co-fundadora do Portal falou “tô pensando em fazer documentários sobre as ruas”. Aí eu comentei “não, vamos ter um portal, uma plataforma para ter texto, vídeo, áudio…”. Então foi aí que a gente começou a desenhar a ideia do portal, no final de 2015. Eu lembro que em novembro de 2015, ocorreu uma manifestação muito forte aqui em Florianópolis e eu escrevi alguns textos sobre isso. Foi muito bonito. E também no contexto de 2014, a gente tem a audiência pública pela legalização do aborto no Senado Federal, a SUG. A gente teve uma proposta de SUG que foi aceita. SUG é uma sugestão legislativa. A SUG número 65. Eu participei também de algumas audiências. E as audiências eram muito interessantes porque eram dois lados. O lado pelos direitos humanos das mulheres e o lado que queria continuar criminalizando aborto. Falas muito qualificadas do nosso lado. E eu fiz a cobertura atuando na Rede Feminista de Saúde. Então, esse caldo também estava junto, isso estava acontecendo no mesmo contexto, mesmo momento que as mulheres estavam indo para as ruas. Havia muitos elementos ali. Fatos que estavam se interligando para essa oxigenação dos feminismos no Brasil e também no mundo. Porque no momento que acontece no Brasil, o mundo também estava impactado com vários levantes. A gente tem um pouquinho antes na Polônia a greve de sexo das mulheres contra essa questão de retroceder direito ao aborto. A gente tem um levante muito forte também na Argentina, que foi aquele levante lindo do “Nenhuma a Menos”. A gente tem um levante nos Estados Unidos também na sequência contra o governo Trump. Então tem vários momentos de levante no mundo. Não foi uma coisa descolada. Quando agora a gente olha para eleição desse presidente da República também não é descolado do contexto do mundo. E a gente viveu uma cena muito forte que continua tendo resultados e que a gente precisa continuar também alimentando essa cena política dos feminismo no Brasil.


18:33 Recentemente, você escreveu uma reportagem sobre o caso da Mariana Ferrer que aconteceu em Santa Catarina. Pode nos contar como o Catarinas se envolveu nessa cobertura e se existe uma particularidade da luta das mulheres em Santa Catarina em comparação com os outros estados?


18:53 No primeiro momento em relação à pauta da Mariana Ferrer a gente acabou não abordando, não fazendo nenhuma reportagem, porque a gente não conseguiu um diálogo com a Mariana Ferrer. Acho que só um veículo conseguiu até hoje. E também com a mãe dela não tivemos uma resposta em termos de uma entrevista. E entendendo que havia muita visibilidade do caso, a gente pensou “elas estão em boas mãos” porque o caso estourou nacionalmente. Então a gente ficou ali, se colocando à disposição, mas esperando esse retorno, porque como jornalistas a gente tem essa preocupação de ter fontes para falar. Não só fazer um manifesto e colocar nas redes sociais. Não só o nosso lado ativista que a gente às vezes resolve em editoriais ou na própria análise, no próprio desenvolvimento da pauta. Mas, neste caso, a gente não tinha as entrevistas que precisava ter, as principais. A gente tinha um relato de uma mulher numa rede social e achávamos que não era suficiente, vamos dizer assim. E depois a gente abraçou o caso agora quando ocorreu essa situação da justiça negar, não condenar, absolver o acusado do estupro da Mariana Ferrer. Então a gente tomou o caso de volta e aí sim falou com advogada. Tentamos contato com a mãe e mais uma vez a gente não conseguiu. Mas conseguiu falar com advogada. E conseguiu entender um pouco. Não lemos o processo completamente porque ele não foi disponibilizado. Saiu a partir de um veículo que trabalha com essa parte jurídica. A gente leu trechos do processo, tentando entender essa dimensão do porquê da absolvição. Acessamos um conceito, que até então a gente não conhecia, que é o de estupro culposo. Então a gente trabalhou um pouco essa ideia de estupro culposo, tentou entender o porquê disso. O estupro culposo é como se fosse estupro sem intenção de estuprar, que parece-nos uma aberração. E foi o que algumas fontes, advogadas feministas nos relataram... A estranheza de se deparar com esse conceito, com esse termo jurídico de estupro culposo. É um caso bem emblemático. Eu acredito que ele teve muita repercussão, não foi por falta de repercussão nacional. Claro, a gente tem situações críticas, como a da advogada que parece que deu entrevista para um veículo, não sei se para Record, para o Domingo Espetacular, alguma coisa assim, e não saiu. E aí fica aquela situação de: por que não saiu? De forma geral eu penso que teve e tem muita repercussão. Ela tem muito seguidores. Tinha né!? Porque teve o Instagram retirado do ar. Não sei se já voltou, porque foi uma decisão judicial. E a cada notícia, a cada novo episódio dessa situação, de forma geral, as redes ficavam ativas. Os fatos novos eram repercutidos pelos veículos. Então eu penso que teve bastante atenção e mesmo assim... E essa é a dificuldade, né? É o ponto fundamental da análise: mesmo com tanta repercussão, a gente teve esse resultado. As advogadas recorreram e a gente aguarda para poder reportar esses novos momentos: o que vem pela frente no caso Mariana Ferrer tentando buscar elementos e investigar novas denúncias de casos no Beach Club. Eu acho que deve existir em outros estados brasileiros, mas é uma característica muito forte de uma praia em Florianópolis que é Jurerê Internacional. É muito frequente essa questão de uma violência velada contra as mulheres, de uma estrutura patriarcal, elitizada... Isso também é elemento importante para a gente pensar esse tipo de situação e como as mulheres são tratadas nesses espaços.


24:08 Você considera que esse caso se tornou um símbolo de luta de muitas meninas e mulheres nas redes?


24:16 Sim, esse caso é simbólico e despertou muitas mulheres. No período da quarentena a gente teve muitas denúncias de vários movimentos. Aqui em Florianópolis, não só em Florianópolis, na verdade, nacionalmente, o movimento de denúncias contra professores de dança de salão, denúncias de assédio sexual. Outro momento de denúncias contra adolescentes de escolas. As meninas que já sofreram abusos ou foram violadas sexualmente em algum momento da sua juventude e adolescência. Então, a pandemia despertou muito isso, essa questão das mulheres olharem “espera aí!''. Parece que olhar e pensar o que aconteceu. E a cada nova exposição, acho que surgiam novas denúncias. E sim, o caso da da Mariana Ferrer é um caso que leva as mulheres a pensarem sobre as suas questões, os seus relacionamentos, sobre os limites, sobre as violências veladas. Ela foi muito corajosa se a gente pensar que ela está enfrentando uma estrutura poderosa. Então, isso serve de motivação para outras mulheres. Por isso que ela é tão querida, que é uma figura tão importante nessa cena de as mulheres denunciarem. Porque muitas vezes, não é o caso dela especialmente, mas a gente tem esse elemento da violência psicológica que as mulheres não conseguem identificar quando estão passando. Só lá no final. E aí as pessoas falam “por que não denunciou antes?”. Porque a pessoa só identificou depois. Então, isso a gente também tem pensado muito em trabalhar, que é essa violência mais imperceptível e difícil de comprovar também nos registros policiais.


26:28 Como é para você ser jornalista de gênero em Santa Catarina? Você acha que é diferente de outras áreas do país?


26:36 É difícil dizer se é diferente estar no estado de Santa Catarina porque a gente não conhece o contexto de todo o Estado brasileiro. A gente sabe que está em um estado que é considerado interior do Brasil, a gente não está no eixo Rio-São Paulo. Então parece que as coisas acontecem menos e isso também é um desafio do Catarinas de mostrar que coisas acontecem aqui e mostrar que temos números altos de violência contra as mulheres. Se fala muito de Santa Catarina como esse local de colonização européia, de pessoas brancas, ricas, com IDH alto e que todo mundo vive bem, e não é assim. Hoje saiu o Anuário Brasileiro da Segurança Pública. Eu não consegui ainda ler todo, então eu não tenho esse dado para passar para vocês. Até alguns anos Santa Catarina estava em primeiro lugar em tentativa de estupro e em segundo em estupro. E também um dos primeiros lugares em violência doméstica contra as mulheres. Então, isso não é menor. É uma questão que a gente tem que olhar com muita atenção, principalmente nesse estado que se diz tão avançado economicamente. Onde estão esses elementos que fazem com que a mulher sofra mais violências e principalmente dentro de casa? Quando a gente fala de estupro parece que ela foi violentada na rua e a gente sabe que a maioria dos casos de estupros ocorrem dentro de casa, ocorrem contra crianças. É isso desde o começo que a gente quis trabalhar. Um estado com nome de santa, o único estado do país que tem o nome de uma mulher. Tanto que o nosso primeiro slogan é “Nem todas santas, nem todas bruxas. Somos muitas”. Porque “bruxa” também tem esse elemento que nem todas as pessoas conhecem... Esse slogan de “ilha da magia” vem por causa dessa história das bruxas. Tem várias histórias de bruxas que foram trazidas pelos colonizadores açorianos. Eu mesma... Minha mãe me conta histórias de bruxas. Disse que eu já fui embruxada, que é o processo de quando a gente é criança, a bruxa vem e a leva criança para baixo da cama e suga toda energia dela. Então, tem uma questão histórica aqui. Está certo que aqui não ocorreu uma inquisição tão forte como ocorreu em outros lugares do Brasil. No processo inquisitório, quando vivemos a “caça às bruxas” no século XVI e por outros séculos seguidos… Acho que foi até o início do século XVIII. É trabalhar com os dois estigmas, com os dois extremos que é santa, a Santa Catarina. Quem é essa mulher que é a santa e merece o mérito e segue a regra? E quem é essa bruxa? Então esse foi o desafio que a gente pensou trazendo os elementos da cultura local. E ao mesmo tempo a gente tem muitas casas noturnas. Eu estou falando não só do Beach Club, mas estou falando também de casas de trabalho sexual. Como é que a gente busca todas essas mulheres? Como a gente consegue dialogar com essas mulheres também de uma forma que não estigmatize nenhuma delas? Esse foi o desafio e a gente vem trabalhando muito isso: esse estado muito conservador. Nas últimas eleições Santa Catarina foi o estado que mais apoiou o bolsonarismo e aqui em Santa Catarina teve o primeiro partido fascista do Brasil. Tudo isso a gente busca analisar, contextualizar na cena em relação à violência contra as mulheres. A gente tem agora no Parlamento Estadual dois parlamentares muito ligados ao bolsonarismo que fazem um movimento muito forte contra os feminismos e contra os estudos de gênero. É um estado que a gente tem que estar muito vigilante. Fico muito feliz por a gente ter feito esse movimento nesse estado. Da gente estar conseguindo levar a iniciativa adiante mesmo com essas questões de tentativa de deslegitimação dessa pauta. É conservador? É. Mas vamos ponderar, tem muitas iniciativas importantes. A gente tem o Fazendo Gênero, a partir da UFSC, que é um ponto muito importante da pesquisa acadêmica sobre gênero. Também temos ativistas históricas que são de Santa Catarina. E temos Portal Catarinas aí também muito importante que a gente não pode esquecer... com esse nome. Por isso que a gente quis colocar Catarinas. Porque é um nome de um estado, é um nome forte e pensar que somos muitas. E ultrapassamos as fronteiras do estado. E somos bruxas, somos santas, como a gente quiser ser, mas o sistema machista não pode nos oprimir pela decisão de sermos quem a gente é.


32:36 Quando entramos no portal vemos questões relacionadas aos direitos das mulheres no norte e no nordeste também. Ou seja, vocês estão buscando essa abrangência nacional para tratar dessa questão usando parcerias com outros veículos. Você pode falar sobre isso? Como vocês têm buscado essas parcerias e essa abrangência?


33:05 A gente pensa nossa abrangência nacional, mas com uma pegada local. A gente trabalha questões locais, mas também buscando entender a cena nacional. Tanto que esse caso da menina de 10 anos foi um caso que a gente fez - da menina que foi estuprada pelo tio e precisou acessar o aborto legal e no primeiro momento esse direito foi negado. A gente fez essa pauta e ela explodiu. Foi uma pauta nacional. Então a gente faz muitas pautas nacionais também trabalhando elementos locais. Especialmente essas matérias sobre violência doméstica, matérias de outros estados, com abrangência em outros estados, a gente está fazendo em parcerias com outras seis mídias independentes do Brasil. É uma iniciativa que começou a partir de um diálogo meu com a Kátia Brasil que é da Amazônia Real, de Manaus. E a gente começou esse diálogo em março e desse diálogo surgiu a ideia de fazer o monitoramento da violência doméstica durante a pandemia. Foi um projeto muito feliz de uma parceria colaborativa e agora a gente lançou o segundo momento. Nós lançamos a primeira fase, que foi do quadrimestre. Agora do segundo quadrimestre a gente lançou na semana passada, acho que foi no dia 8 de outubro, há duas semanas... Lançamos com matérias de vários estados cobrindo quase todas as regiões brasileiras que responderam nossas questões que mandamos pedindo os dados. E também a partir dessas parcerias com as mídias, as mídias fizeram nas suas regiões as matérias locais. A gente, enquanto Catarinas, fizemos matérias sobre Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Paraná. No primeiro monitoramento da primeira fase a gente decidiu só publicar as nossas matérias e a matéria nacional que abre o monitoramento. Dessa vez, não. A gente resolveu, assim como outras mídias tem feito, publicar todas as matérias. Depois que a gente publicou a matéria nacional falando desse novo momento do monitoramento, a gente diariamente está publicando outras matérias. São muitas matérias! Porque cada veículo fez cinco, seis. A gente fez três. Como tem mais estados naquela região - a gente está na região Sul, tem três estados - então são muitas matérias. Eu convido vocês a lerem porque traz essa cena sobre violência doméstica, mas a gente vai expandindo um pouco mais. Nesse segundo monitoramento a gente já tá falando daquela violência psicológica que não está nos números… Problematizando isso trazendo mais densidade à questão da violência.


36:07 Podemos ver que contam com uma rede de colaboradores muito grande. Além de outros veículos jornalísticos, atuam com muitos colunistas. Pode nos falar sobre como é a equipe do Catarinas, como era no início e como chegaram à atual configuração?


36:23 No início do Portal Catarinas nós iniciamos com três fundadoras, duas delas jornalistas. Uma trabalhava com projetos sociais, era da área de Ciências Sociais, e depois logo em seguida, antes do lançamento, outra jornalista entrou no projeto. Então inicialmente a gente tinha três jornalistas. Hoje nós estamos em 5 comigo, e tem uma pessoa do administrativo. A gente também tem outras pessoas chaves que fazem a parte de design ou fotografia, ou vídeo, boletim eletrônico... Então que auxiliam a gente nessas outras frentes. Mas as que estão sendo remuneradas com financiamento são essas cinco jornalistas e uma administradora. Junto com essa equipe eu sou coordenadora do projeto.


37:23 E as colaboradoras? Porque a gente vai lá e tem uma parte de edição “colaboradoras”. Como funcionam essas colaborações?


37:30 Nós temos as colunistas, que são vários colunistas, e a gente não tem uma periodicidade definida. A gente vai recebendo os materiais... Algumas sim, a gente consegue ter séries, por exemplo a série “Crônicas da Pandemia” da Marlene de Fáveri, que é uma coluna semanal. Todo domingo ela sai. A gente tem outras colunas que estavam mantendo mais essa periodicidade, que é uma coluna da coletiva ABRASABARCA de mulheres poetas. Então a gente tem algumas colunas que tem se mantido uma periodicidade, mas isso acaba sendo mais eventual. Por exemplo, tem uma data importante, a gente fala para uma colunista “olha, você pode elaborar um material sobre a legalização do aborto?”. E também temos um Conselho Editorial que são pessoas chaves, que a gente considera parceiras nossas e que a gente aciona nos momentos em que a gente considera importante fazer esse diálogo mais estreito com essas pessoas no sentido de nos orientarem para determinada demanda e dúvida que a gente tem sobre uma reportagem.


38:49 Você poderia contar um caso em que acionou o Conselho Editorial?


38:58 O Conselho é mais para realmente legitimar o nosso trabalho no sentido de que a gente tem essas pessoas que são pilares dos materiais que a gente desenvolve e a gente aciona quando a gente tem momentos mais tensos. Uma pauta mais difícil que exige da gente uma consulta. Então a gente aciona esse conselho e pede algumas sugestões, orientações ou aciona uma pessoa específica naquele conselho que trabalha com aquela pauta. A demanda é bem pontual, vamos dizer assim, sabe? Acionamos esse diálogo para ver como é que a gente pode desenvolver aquele assunto de uma maneira que contemple esses olhares dessas pessoas que a gente convidou para validar o nosso trabalho.


39:56 E como vocês escolheram essas pessoas?


40:00 Nós escolhemos o Conselho Editorial do Catarinas a partir do relacionamento que a gente construiu no processo, né!? Nós temos um segundo momento de conselho agora. O conselho foi reformulado. É parte da construção de relacionamento do Portal, da gente entender que aquelas pessoas são pessoas chaves e tentar contemplar uma diversidade também de pessoas. Ter representatividade naquele conselho. Inclusive temos também uma trabalhadora sexual, então isso demarca um lugar nosso no campo dos feminismos que é uma questão um pouco controversa dentro de alguns feminismos que não aceitam essa atividade. Então a gente demarcou alguns campos também com uma mulher trans, a Mariana Franco. Também demarcando esse lugar que é o “de que lugar que a gente tá falando”, que é a partir de um jornalismo que pensa o feminismo incluindo. Feminismo da diversidade, da inclusão e não da exclusão. Apesar dessa palavra “inclusão” também ter sido muito debatida e ter outros sentidos também, mas nesse especialmente a gente quer dizer que a gente apoia a luta dessas mulheres.


41:23 Como vocês organizam o trabalho na rotina? Fazem reuniões de pauta periódicas? Como decidem que uma história precisa ser apurada de forma jornalística? (E em relação à curadoria e observação de debates públicos?)


41:47 Nós realizamos reuniões semanais toda terça-feira de manhã. Das 10 horas ao meio-dia a gente tem reunião. Sempre debatendo as pautas e o que a gente tem para semana, projetos. Então, por exemplo, nem toda pauta a gente consegue desenvolver, no caso agora do Robinho, é um caso que a gente não consegue dar atenção porque a gente já tá engajada em outros projetos, desenvolvendo outras histórias. Terminou o monitoramento e já começamos um trabalho de monitoramento da violência política nas redes junto com outras parceiras, junto com AzMina e outros parceiros no Brasil. Então a gente vai engatando projetos e nem sempre consegue dar conta de todas as pautas. Então essa é a dinâmica: a gente se reúne semanalmente, uma pessoa tem um calendário de edição, de editora, vamos dizer assim, do dia. Então cada dia uma pessoa fica com a edição. Os materiais que vão chegar a gente vai editar com os textos que os outros jornalistas estão terminando, então aquela pessoa é responsável por cuidar do portal e das redes, também atender e-mail naquele dia específico. Então essa é a nossa dinâmica, vamos dizer assim, de trabalho. E as questões mais sensíveis de pauta, discussões e tudo mais que é até uma formação… Cada reunião de pauta a gente entende como uma formação política nossa também. Isso se dá durante as reuniões de pauta.


43:25 E aí nessas reuniões vocês decidem o que vai receber esse tratamento enquanto reportagem ou enquanto curadoria? Ou observação do debate público?


43:38 Essa questão da curadoria e dos debates públicos sobre o tema, a gente não tem feito muito esse trabalho de “observatório” como a gente fazia antes. Isso é uma mudança que a gente agora reformulando o site nós vamos fazer também na parte de apresentação, de descrição do que a gente é. Então essa parte a gente deixou, que a gente fazia muito nas redes sociais. Que é curadoria, o que que é? É você estar atento ao que tá saindo sobre o tema e estar repercutindo nas redes. A gente começou a pensar que isso não era tão legal porque a gente tá visibilizando outros veículos. Tá trabalhando para outros veículos, além de estar trabalhando para as plataformas digitais que estão enriquecendo e estão estruturando uma cena que a gente ainda não entende muito bem. Mas que sabe que é de domínio econômico e político e também incentivando o fascismo no mundo, e a gente tem resultados práticos do que essas plataformas têm feito. Então a gente parou um pouco de querer estar presente nas redes dessa maneira. Então olhar para nós, olhar para as nossas pautas com carinho e trabalhar com mais tempo, mais cuidado e menos nessa pegada mais frenética de redes. Então a gente tá deixando um pouco essa questão do observatório, do debate público, e da curadoria, para pensar, para olhar para dentro e pensar nas nossas pautas, na reportagem e menos nos links de mídias hegemônicas e de plataformas hegemônicas. Também para publicar em plataformas hegemônicas. Porque é isso, a gente acaba fazendo curadoria trabalhando para esses outros grupos que já são muito fortes e não precisam do nosso trabalho de graça para eles.


45:30 Você poderia falar um pouco desse novo projeto?


45:33 A gente está iniciando um projeto junto com a AzMina e dois grupos laboratórios de dados do Brasil. Na verdade não é um projeto, é uma ação pontual. É de uma reportagem sobre a violência política nas redes. E quem está encabeçando esse trabalho é AzMina, então elas convidaram a gente como convidaram outros grupos do Brasil para fazer esse trabalho de pensar as eleições naquele estado. Então a gente vai falar sobre as eleições em Santa Catarina, e o trabalho de monitoramento que vai ser feito por essas organizações que trabalham os dados vai ser feito por eles que vão pensar, vão analisar mais de 100 candidatos no Brasil. Cento e vinte e nove candidatas da direita, da esquerda, do centro para analisar como é que se dá o ataque a essas candidatas nas redes sociais. E aqui em Santa Catarina a gente vai ouvir algumas candidatas. A gente estruturou um plano de trabalho pensando em ouvir algumas candidatas e saber como é que tem sido a campanha, principalmente nesse contexto de pandemia e também tentando entender como é que se dá essa violência política nas redes sociais.


47:01 O que a pandemia trouxe de mudanças para vocês? Tanto na rotina, na produção jornalística quanto nas novas oportunidades?


47:12 A pandemia trouxe esse contexto de altos e baixos, vamos dizer assim. Principalmente no começo. A gente no Catarinas trabalha muito com... Trabalhava muito com a rua, muito com as mobilizações sociais, com o vivo, com Live nas ruas. Aqui em Santa Catarina, aqui em Florianópolis na capital do estado, não em Santa Catarina, mas na capital é muito forte essa questão das manifestações sociais. Então a primeira grande mudança foi essa, assim a gente saiu das ruas. A gente não tá mais participando dessas grandes mobilizações. Apesar de que neste ano já participei de quatro. Mas foram poucas comparado a se a gente tivesse no período normal, de normalidade. Então a primeira manifestação acho que ocorreu em julho do “Vidas Negras Importam”. Foi aquele momento que não deu mais para segurar. Então a gente teve o ato “Gravidez aos 10 Mata”, que repudiou a questão da menina de 10 anos. Depois tivemos também o ato pela população de rua de Florianópolis, e depois um ato sobre o caso da Mariana Ferrer. Então esse primeiro elemento de mudança. A gente fez poucas coberturas de rua porque realmente não tem mais manifestações pela questão do isolamento social. Depois, claro, abalou nossa saúde mental. Todas nós ficamos muito fragilizadas no começo da pandemia. Eu achei que não ia dar conta, achei que a gente teria que parar o projeto mesmo, porque foi bem difícil, não tinha ninguém para “pegar junto" e a gente não tinha financiamento! Então era uma coordenadora para não ter uma equipe, né!? Então, essa questão do contexto difícil de certa forma também propiciou oportunidades. Foi aí que a gente começou a conversar para o monitoramento da violência doméstica. Que surgiram financiamentos! A gente teve esse financiamento, depois a gente conseguiu um financiamento com o Google (nosso primeiro financiamento assim “poxa que legal, né?"). Foi no primeiro período da pandemia. E depois a gente teve outro financiamento para o segundo momento do monitoramento da violência doméstica. E agora a gente vai ter esse financiamento para o trabalho reportagem com a AzMina. A gente conseguiu aumentar também o nosso número de colaboradores no Catarse.me. Então nós temos uma campanha colaborativa e a gente tem que aumentar muito mais porque o resultado financeiro desse financiamento recorrente, da campanha de financiamento coletivo recorrente, ele não se equipara à audiência que a gente tem nas redes. Então a gente tem que trabalhar muito fortemente também para ampliar esse financiamento. Então a pandemia ela trouxe um contexto muito difícil para a gente, mas ao mesmo tempo muitas possibilidades de trabalho colaborativo. Também mencionar que a gente fez um trabalho colaborativo muito importante mesmo não tendo financiamento, foi um trabalho que a gente fez com o Catarinas Lab, que é outro grupo aqui de Santa Catarina que trabalha com dados. Catarina Lab e o jornal da cidade Folha da Cidade, que é também uma mídia independente; a gente fez uma parceria e lançou uma reportagem sobre o aumento das mortes por policiais. A gente teve um aumento durante alguns meses da pandemia de 85% em relação ao ano passado. A gente via esse crescimento porque toda semana tinha relatos de mortes de adolescentes. Então foi um trabalho muito potente que a gente fez também e que eu acho que é isso... A pandemia também trouxe esse lugar de muita adrenalina, um sentimento de angústia, dificuldade, que a gente sente impotente diante daquele contexto. Mas também em certo ponto também uma potência. Uma potência de sobrevivência. E foi isso que esse momento representa para a gente: uma potência de sobrevivência mesmo e que trouxe para a gente novos projetos, parcerias e financiamento.


51:54 Ao longo da história do portal imagino que tenham testado diferentes formas de texto. O veículo é online, organizado em rede, mas as reportagens que publicam são feitas apostando talvez na força de um jornalismo - digamos - tradicional, poderíamos dizer assim? Apesar das pautas serem voltadas para gênero e pessoalmente eu e Tamyres acreditamos que é muito mais potente do que a gente vê na mídia. Mas em termos de linguagem a gente ainda percebeu um pouco isso. Como é esse retorno? Como vocês escolheram trabalhar dessa forma? Como funciona isso em termos de linguagem?


52:47 A gente pensa esse jornalismo, e isso fica evidente em alguns textos mas nem sempre em todos, porque a gente tem essa questão do que é a técnica jornalística, do que é a objetividade. Então a gente tenta de certa forma trazer as várias versões, o contraditório, entendendo que esse contraditório é diferente da grande mídia. Quando a gente fala sobre aborto a gente não precisa trazer um padre para falar sobre aborto, isso não é o contraditório. Mas enfim, de certa forma sim, a linguagem, por mais que a gente faça um trabalho mais crítico e coloque esse peso crítico no que a gente escreve, muitas vezes se mantém esse lugar da objetividade, da técnica jornalística no sentido de um certo distanciamento, mas nem tanto. Então sim esse é um desafio também da gente estar sempre se analisando, fazendo esse trabalho de entendimento sobre o nosso próprio desenvolvimento jornalístico do que é esse jornalismo feminista.


54:09 Como costuma ser o retorno em relação a essa forma de trabalho?


54:12 A gente tem um retorno nas redes sociais, nos comentários, nas matérias. Não temos um canal. E também pelo próprio e-mail. A gente não tem... E isso é um desafio: a gente quer criar canais mais diretos de maior interação com público, mas a gente ainda não tem esse lugar que seja as cartas das leitoras catarinas. Que seria bacana, mas é diferente do jornal impresso. Então como é que a gente trabalha essa interação numa mídia digital? Então esse realmente é um desafio. Mas a gente pega um pouco de retorno, entende um pouco esse feedback do público quando a gente vê nas redes sociais, quando a gente lê alguma matéria que tem muitos comentários... Eu acho que estão ali esses elementos, mas lógico que seria importante a gente fazer um trabalho de um grupo focal. Um trabalho de pesquisa também com as nossas leitoras e leitores. E isso é também um passo de desenvolvimento dos projetos da organização e que a gente tem pensado muito sobre isso também. Quem é o nosso público? Com quem a gente quer falar? Isso está muito presente no nosso trabalho.


55:36 Vimos em uma entrevista que o objetivo do projeto também era “trabalhar com campanhas educativas e mobilização em rede”. Como fazem esse trabalho?


55:49 Então, a gente pensa o jornalismo também com esse lugar pedagógico. Desde o começo unindo o jornalismo aos ativismos, ao Cyber ativismo nas redes sociais. Então é nesse sentido, por exemplo: agora com a campanha, com o segundo momento do monitoramento da violência doméstica, a gente levar esses conteúdos para as redes e colocar essa discussão para as nossas leitoras. A gente considera que é pedagógico também e que é uma forma de ativação da discussão nas redes sociais. E a gente já produziu outros eventos. Já trabalhou de forma mais atuante principalmente na questão do aborto. A gente tem atuado muito nessa pauta! Agora talvez um pouco menos, mas a gente já retomou com o trabalho, com a reportagem sobre a menina de 10 anos. E mais recentemente, a gente também lançou uma reportagem sobre a questão do acesso ao aborto legal no Brasil. Então é dessa forma que a gente entende que o nosso trabalho tem esse caráter pedagógico de uma tentativa de mudança de algumas práticas, do entendimento das pessoas sobre aqueles temas. E trabalhando nas redes em forma também de reportagem, mas também como é que a gente trabalha isso fazendo campanha, transformando essas frases dessas fontes em cards, em cartazes que vão ter ainda um significado e um peso maior sendo distribuídos nas plataformas digitais.


57:47 Você comentou que o relacionamento com os leitores e leitoras ainda é um desafio. Pode nos falar dos leitores de vocês? O que dá mais retorno em termos de visibilidade hoje para o Catarinas? Como fazem esse mapeamento da repercussão?


58:32 A gente tem um mapa, um perfil desse público, principalmente nos acessos ao portal. A gente monitora que tipo de conteúdo gera mais engajamento, mais resultado. O perfil do nosso público é formado por mulheres. Tem a questão da idade, a questão até da nacionalidade, porque que nem todas são brasileiras. A gente tem leitora de outros países também. Então a gente faz essa leitura a partir da nossa audiência dos acessos que a gente tem nesses espaços, tanto nas redes sociais quanto na plataforma do portal no site catarinas.info. Então é sempre estar analisando isso, por exemplo: o dia que a gente publica. Naquele dia, então a gente começa a analisar, “aquele dia não é um dia bom. O nosso público não costuma ler naquele dia”. Quando lança sexta-feira o pessoal já se desconectou, então que dia começa? Ah, na terça. Qual o horário? Então é um pouco mais nesse sentido, e também a gente tem o boletim eletrônico. A gente sabe quem tá abrindo nosso conteúdo e quem não tá e esse é o processo para a gente chegar nesse outro lugar que é um lugar de maior exatidão, tanto da gente entender a vontade daquele público quanto a gente também definir com quem que a gente quer falar ou ampliar nossa audiência.


1:00:06 O que dá mais retorno em termos de acesso?


1:00:16 O que gera mais retorno em termos de audiência é aquele material mais factual, aquele material que chega no dia, na hora. E por mais que a gente tente, muitas vezes, fugir desse factual e trabalhar uma pauta sem o dia definido, aquele material que tem timing, que sai no dia que tem que sair é o que vai ter mais audiência. Como foi o caso da Mariana Ferrer, que a gente fez logo que saiu a decisão que foi um material que a gente nem produziu muito. A gente fez a partir de um site que publicou a decisão judicial. Esse material da menina de 10 anos foi um material que teve uma audiência muito grande que a gente teve um ou dois dias. A gente já teve audiências maiores, mas um material que foi mais perene por tantos dias. Esse a gente teve em dois dias muita audiência e a gente entendeu que foi o timing. Eu fiz a matéria no domingo, a menina ainda estava no hospital e eu conversei com uma pessoa que estava no hospital, uma colega, a Paula Viana que é enfermeira que atua com essa pauta, e ela foi muito generosa em me contar tudo o que estava acontecendo. A gente publicou na segunda de manhã. Ninguém tinha dado esse contexto dos bastidores de como foi todo aquele processo, então o resultado teve muita repercussão. E a gente viu assim porque várias pessoas entraram em contato comigo: “a gente quer publicar por tal veículo”, “a gente quer publicar no portal do uol”... Então ficou muito grande e aí é esse entendimento que a gente tem, e que a gente sempre vai conversando quando o conteúdo tem muita audiência. A gente tenta analisar o porquê. É isso: é o timing; e o momento que as pessoas estão querendo muito ler aquele conteúdo. E quando a gente faz o material, que a gente às vezes faz, não temos questão de “ah, fomos furadas, não vamos fazer mais” a gente faz e dá a nossa perspectiva, mas assim não tem tanta saída porque as pessoas já leram... E a gente não faz aquele jornalismo hard também. Então não é sempre que a gente consegue emplacar um conteúdo que vai ter essa ampla audiência.


1:02:43 Em 2016, para viabilizar o projeto vocês criaram uma campanha de financiamento pelo Catarse.me. Como foi esse processo e quais os resultados?


1:02:56 Em 2016, em 8 de março de 2016, junto com a programação do 8 de março, a gente lançou a nossa campanha de financiamento colaborativo com diálogo sobre feminismos. E a gente lançou com algum receio porque não é comum, não era comum, pelo menos naquele momento, portais lançarem iniciativas como essa. Era mais comum “ah, vamos produzir uma reportagem”, portais que já existiam lançarem campanhas. Então a gente não existia e estava lançando uma campanha para existir. E por isso nos causou muito receio, mas tivemos a coragem. E também no momento era o timing, o espírito do tempo que convergiu porque a gente teve uma adesão muito grande. Foi bem legal, sabe? O retorno, várias artistas nos doaram obras. A gente fez esse movimento junto com a arte e cultura na cena cultural aqui de Florianópolis. A gente recebeu várias obras de artistas, fez leilão, fez noites culturais e conseguimos ultrapassar a meta. E foi bem legal! Isso nos deu um respaldo social para começar o projeto com um otimismo, uma esperança de que realmente as pessoas tinham expectativas e estavam acreditando junto com a gente.


1:04:23 E hoje em dia? Você já falou um pouco que ainda tem o Catarse.me, mas a maioria dos recursos vem de financiamento. É isso? Como é o financiamento hoje?


1:04:31 A gente também tem parceria com organização sindical. A gente faz um projeto, por exemplo, para o SINJUSC, que é o Sindicato do Judiciário Catarinense. A gente faz o Glossário Feminista que vai encartado em uma revista que se chama Valente (que é a revista do coletivo de mulheres do poder judiciário de Santa Catarina). Então a partir dessa parceria a gente recebe um recurso também de auxílio ao projeto. E a gente agora precisa ampliar essa parte do Catarse, do financiamento colaborativo. E aí que entra esse trabalho de entendimento do nosso público, de pensar o nosso público como essa pessoa que vai apoiar o projeto, que deseja que o Catarinas continue. Então esse é o desafio agora: transformar esse público nessas pessoas que vão financiar o trabalho jornalístico e que tem muito potencial! Mas daí é isso: como é que a gente faz esse movimento? E que é um movimento profissional de entendimento de marketing, de várias ferramentas, que muitas vezes a gente não entende como jornalista e que a gente tem que estar buscando. Questão de gestão... E por isso a importância da capacitação profissional nessas frentes também e a gente sente muito a defasagem nesse sentido.


1:05:57 Vimos também que você era integrante da Frente Nacional pela Legalização do Aborto. Ainda é? Como essa e outras lutas perpassam a sua prática profissional?


1:06:11 Então, eu sou integrante sim da Rede Nacional. Agora a gente tem a formação também da Rede Catarinense. Não tenho atuado tanto, mas participei no início da formação. Isso para mim é bem tranquilo, porque está muito evidente. Não é uma coisa que eu coloco como a gente vê no jornalismo que se diz “imparcial”, e que aquelas jornalistas estão participando de formações por grupos econômicos… Isso tá muito evidente. Desde o começo eu evidenciei e continuo evidenciando. Então é uma questão de transparência, e que entendo que faz parte dessa trajetória, dessa integração do jornalismo com os ativismos e desse lugar que a gente tá falando. Então isso tá dito. É desse lugar que a gente fala, que a gente escreve esses conteúdos.


1:07:06 Na linha editorial do portal, vocês se colocam como ativistas no jornalismo e ativistas do jornalismo. Qual é a diferença? Qual a relação de vocês com o midiativismo e o ciberativismo?


1:07:22 Essa frase foi uma frase bem feliz da Clarissa Peixoto, outra jornalista co-fundadora do portal. Ativistas no jornalismo porque entendemos que é importante manter o quê que a gente tem como princípio, como valores comuns de prática profissional. Quando a gente diz assim: “nós vamos defender a democracia, nós vamos defender os direitos humanos, das mulheres, ou os direitos humanos de forma geral”, a gente tá falando “tá, mas você é ativista ou jornalista?”. A partir de uma determinada perspectiva nós somos ativistas também, porque a gente tá falando do que a gente considera bem comum para uma sociedade. O que a gente considera básico. Então somos ativistas desses direitos que inclusive estão contemplados em vários tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. O direito à não violência... Enfim, fora os outros direitos que são constitucionais. Então a gente não tá fazendo mais do que a nossa obrigação, vamos dizer assim, enquanto profissional. E do jornalismo porque a gente entende que há uma forma de extermínio dessa profissão; de eliminação do jornalismo quando a gente vê as grandes redações fechando, as dificuldades financeiras dos jornalistas de se manterem nessa profissão... Assim como a gente vê outras áreas culturais, artísticas também, mas principalmente no jornalismo. Então quando a gente lança essa mídia a gente pensa que nós somos ativistas também do jornalismo, do direito de exercer a profissão que nos tem sido negado. Historicamente a gente vê ao mesmo tempo que a gente tem essas outras iniciativas, mas que iniciativas são essas? São essas em que o profissional, a profissional se coloca nesse lugar de organizar essa frente de trabalho e depois o segundo momento mantê-la, então é ativista do exercício do jornalismo.


1:09:52 Quais os planos futuros para o Catarinas?


1:09:55 “Planos futuros do Catarinas” é a gente ampliar e diversificar nossas formas de financiamento, entendendo que atividade profissional ela se caracteriza pela remuneração das profissionais que empreendem o projeto como esse. Então ampliar e diversificar também essa audiência. Em primeiro lugar entendendo qual é a nossa audiência, fazendo esse trabalho mais apurado e requintado de entendimento de análise sobre o público. E a partir daí, também direcionar as nossas energias para aquele público que a gente quer atingir, e também transformar parte desse público em apoiador do projeto. Então é isso: passa pelo financiamento; passa pela pelo entendimento e ampliação dessa audiência e passa pela nossa profissionalização e capacitação também para entender esse cenário. Porque agora a gente tem que começar a olhar de outra forma as plataformas digitais e querer entender melhor quais os interesses que estão por trás e como é que a gente vai lidar com isso. Também entendendo a monetização que se chama esse processo de monetização da audiência nos acessos. Então tentar entender essas ferramentas. E aí é um ciclo que vai se retroalimentando. A gente chega “naquele lugar” e depois volta de novo porque a gente vai aprendendo e vai tendo sempre que aprender porque o cenário está muito... As mudanças são muito rápidas principalmente na área da tecnologia, e às vezes a gente sente que está trabalhando, mas tá trabalhando para quem? Então essa é uma pergunta, e é filosófica também porque é sobre a existência das pessoas que estão muito conectadas e como é que a gente vai lidar com isso? A gente tem que entender para também não sermos instrumentalizados por plataformas digitais. Esse é um grande desafio.


1:12:07 A colaboração e o trabalho em rede, por meio de parcerias, parece ser uma das características do jornalismo em mídias digitais. Concorda com essa ideia?


1:12:21 A colaboração, a parceria colaborativa, a reportagem coletiva, ela é um gás. Ela é um fôlego para o jornalismo porque a gente se complementa. Juntas e juntos em parceria a gente olha para as lacunas daquela coletividade e organização. A ideia é essa: uma organização contribuir com a outra, assim “olha eu entendo mais de jornalismo de dados, então eu vou contribuir melhor dessa forma”, “a gente tem mais trabalho com design”, “existe mais trabalho com essa outra frente”. Então isso é muito bacana no colaborativo: a gente não se pensar enquanto rivais que estamos competindo em uma cena de audiência. É a gente pensar coletivamente e como a gente pode juntos somar e se fortalecer diante de um contexto de pandemia, de ascensão do fascismo, e de concentração dos meios de comunicação no país. O Brasil é um dos países com mais concentração de mídia no mundo, então como é que a gente lida com esse cenário tão difícil e sufocante? Fazendo parcerias, colaborando mutuamente para nos fortalecermos.


1:13:58 Como você compara o conteúdo que vocês oferecem em relação ao dos veículos estabelecidos, no que se refere às questões de gênero e interseccionalidade?


1:14:15 A gente entende que a gente deu um salto de qualidade, principalmente quando a gente começou, nessas discussões que eram muito novas. E a gente viu aqui, percebeu, como as outras mídias, as mídias hegemônicas que de certa forma acompanharam o nosso trabalho. E hoje a gente vê como a mídia tá muito atenta a essas pautas: a questão de gênero, a questão racial... A mídia de forma geral está muito atenta. E quando tem casos como esse da menina, a mídia repercute muito bem. A questão é que a mídia tem alguma dificuldade, falando da hegemônica, de estar tratando isso nas questões mais subjetivas. Quando é a violência final a gente vê que tem um tratamento mais cuidadoso, mas aquela violência mais cotidiana que sutura a violência maior eu acho que a gente consegue o nosso diferencial por aí. A gente não tá fazendo só quando acontece o caso da menina, a gente tá fazendo com maior frequência e quando acontece aquele caso, a gente também faz uma imersão naquele caso, mas já é um cotidiano nosso estar trabalhando essas questões.


1:15:43 A pandemia modificou a dinâmica do trabalho. O que você acredita que vai permanecer no fazer jornalístico?


1:15:56 A gente já trabalhava em home-office. O Catarinas já tinha essa estrutura. Então isso não se modificou. A gente ia muito para as ruas, então essa questão se modificou, e a gente sente falta porque era um ponto muito forte na nossa atuação. Eu acho que essa questão do home-office vai se consolidar ainda mais. A estrutura já caminha para isso. Já vinha caminhando antes mesmo da pandemia. Eu acho que vai se desenvolver ainda mais nessa frente de trabalho em casa, e também por telefone. A gente já tinha essa deficiência do jornalista estar cada vez menos nas ruas, nos lugares, estar fazendo pela internet, ou pelo telefone. Então talvez a pandemia venha para dar continuidade a essa prática. Por outro lado, as pessoas na hora que acabar a pandemia podem querer ter mais contato humano. Então isso também pode ajudar o jornalismo a voltar para as ruas, para os lugares onde as pessoas estão. E cuidar para não ficar tão afastado das “gentes” que a gente tá falando e com quem a gente quer falar.


1:17:23 Como você avalia isso?


1:17:26 Eu acho que é fundamental a reaproximação com as “gentes”. Eu não tenho dúvida desse jornalismo que vai no local. Porque você falar por telefone você não olha a pessoa, você não tem um contato de entendimento, de compreensão também daquele local, daquela geografia, daquele contato humano, do diálogo que é tão fundamental. Por telefone ou mesmo pela internet, a gente tem uma tecnologia muito importante mas que acaba um pouco afastando... Então essa questão da gente ir no local, recuperar isso no jornalismo eu acho que é fundamental para a gente ter uma nova visão sobre a sociedade e quem sabe sair um pouco também dessa necessidade de conexão virtual para alguma conexão mais real com as pessoas.


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